RSL –
No programa do Jô Soares, você afirmou que a poesia (depois das grandes
guerras) estava morta. Em que alicerce sustenta esta afirmação?
IB – No programa do Jô
Soares, em que eu falava sobre Baudelaire, citei (mal) essa frase de Adorno,
que agora parece estar em moda: Como é possível fazer poesia depois de
Auschwitz? Mas a frase é falaciosa: Como foi possível fazer poesia depois da
Guerra de Tróia? Ou da derrota de Napoleão? Ou da I Guerra Mundial? Na verdade,
a poesia transcende os acontecimentos e por mais que estes subvertam nossas
noções de ética e estética, sempre haverá alguém que fará poesia. Quanto à sua
eficácia, já é outro problema. Cada vez a poesia “atinge” menos leitores, seja
porque recorre a uma linguagem que em última instância a elitiza ou a
marginaliza, seja pela sua atual incapacidade de atingir aquilo que parece o
fim precípuo dessa arte: o poder de emocionar, de tocar uma corda sensível do
leitor e tirá-lo, ainda que por brevíssimos instantes, do fulcro habitual em
que vive e pensa. A maior parte da produção poética de nosso tempo nada tem a
ver com a poesia propriamente dita: é prosa ruim ou letra de música ou abjeções
destinadas ao vaso sanitário. Além disso há uma persistência inexplicável por
métodos que de há muito se revelaram inócuos. Tenho engulhos quando leio poemas
com trocadilhos ou jogos de palavra aleatórios tipo pá/lavra e quejandos. Há
gente que ainda hoje usa recursos concretistas pensando que está fazendo poesia
“avançada”…
RSL
– Consegue explicar o porquê de o brasileiro gastar vinte reais
num disco do Tchan e ainda tem a “cara-de-pau” de afirmar que
não compra livros por serem estes muito caros? A poesia é só para poetas?
IB – A explicação é a
nossa falta de cultura. Se os leitores tivessem a possibilidade de ser mais cultivados certamente leriam
poesia e não só. Mas a educação básica no Brasil é um desastre e a televisão
está aí mesmo para impingir o que há de mais vulgar e deprimente. A poesia não é só para poetas. O poeta quer
transmitir suas emoções para um grande número de leitores e é sempre mais
gratificante ouvirmos uma palavra de satisfação de um leitor não versado em
poesia do que a de um outro poeta, que estará comprometido com todos os
engenhos da arte.
(Entrevista dada a Rodrigo de Souza
Leão, em maio de 1999)
https://gavetadoivo.wordpress.com/2010/07/27/jornal-da-poesia-ivo-barroso/
*
A tradução integral
de Ivo Barroso
SAB,
01/04/2017 - 17:56
“Faço da tradução um programa de vida, amor
fiel, constante e desesperado”, diz o tradutor dos sonetos de Shakespeare.
IB: Acho o ensino de literatura
imprescindível, mormente agora que o livro está ameaçado de desaparecer. Os
jovens são susceptíveis à boa poesia, o problema é que os meios de que ora
dispõem (celular, TV e Internet) só lhes servem o que há de pior. A escola tem
a obrigação de ensinar os valores perenes, pois só eles têm a capacidade de
emocionar.
William
Shakespeare, Soneto 76
(tradução de Ivo Barroso)
Por que meu verso é
nu de novas galas,
Alheio a variações,
bruscas mudanças;
Por que com o tempo
não pude enxergá-las,
Novas modas, e
métodos, e nuanças?
Porque eu escrevo
sempre igual, e dou-me
De expressar sempre
o velho galanteio,
Que cada verso
quase diz meu nome,
Revelando seu berço
e donde veio?
Ó doce amor, é
sobre ti que escrevo,
Tu e o amor meu
repertório vasto;
A velhas frases dou
novo relevo
Para gastar de novo
o que foi gasto:
Pois como o sol é
sempre novo e antigo
Meu amor te rediz o
que eu te digo.
Quatro Sonetos de Ivo Barroso:
BARQUINHOS DE PAPEL
Ivo Barroso
(Soneto alexandrino)
Lá, na janela azul
da Casa Velha, um dia
— As chuvas de
verão caindo num tropel —
Bem cheio de
entusiasmo, alegre, construía
Minha esquadra
naval de barcos de papel.
Enfrentando, a
correr, a chuva que caía,
Depunha na
enxurrada um lépido baixel,
E, temendo o
naufrágio, ainda o seguia
Com meu cuidoso
olhar de marinheiro fiel.
Algum tempo depois,
encharcados e rotos,
Sumiam, pouco a
pouco, os meus barquinhos ágeis
Tragados pela boca
enorme dos esgotos…
… Têm meus sonhos
de amor história parecida:
Como os barcos de
outrora, umidecidos, frágeis,
Vão logo naufragar
nas águas desta vida.
(1945)
PAPAGAIO DE PAPEL
Ivo Barroso
(Soneto alexandrino)
Nas tardes de
domingo, após um bom repasto,
Recordo-me que
tinha a pressa igual de um raio
Em ir com a
garotada ao alto de algum pasto
Soltar ainda mais
alto um belo papagaio.
E eu corria a valer
pelo vergel, de fasto…
Depois, fazendo
assim como que um breve ensaio
(Como prêmio do
esforço e do meu tempo gasto),
Subia a pipa azul
ao céu azul de maio.
Mas, certa vez, um
vento alísio que provinha
Lá das bandas do
Sul, onde há ventos fatais,
Levou meu papagaio
até o fim a linha.
O medo de o perder
causou-me um escarcéu…
Mas, notando que a
pipa ansiava subir mais,
Cortei a linha e a
vi perdendo-se no céu.
(Do livro Caixinha de Música, 1945)
*
SONETO ESTIVAL
Ivo Barroso
(Soneto em decassílabos heroicos)
(Soneto em decassílabos heroicos)
Chegou verão e os fogos do solstício
acenderam corcéis no azul da tarde.
Os bois meditam verdes precipícios
de sombra, contornando o rijo mar de
bambuais sonoros. Uma cigarra arde
em desejos tardios. Adventícios
pássaros, cujo voo de bronze encarde
o céu translúcido, erguem-se no início
de novas fêmeas. Morna, nas cisternas,
a água esverdeou de ausência; e, pelos muros,
riscam lagartos de ouro a estremecer nas
locas o sonho em fio das aranhas.
Enquanto rola um sol de raios duros
como um cacto de fogo, das montanhas.
ROSAS
Ivo Barroso
A Alphonsus de Guimaraens
Rosas de róseos
seios perfumosos,
Cristais de carnes
transbordando aromas,
A ávidos ventos
entregais as pomas,
Vosso perfume
suspirando em gozos...
E vós, ó brancas
rosas, entre as ramas
Ao cilício
entregai-vos silenciosas,
E no silêncio
recolheis, ó rosas,
As vossas carnes
das crestantes chamas...
Ó rosas rubras como
as ânsias loucas,
Sois como corpos de
ondulosas ancas
E purpurinas como
as rubras bocas...
E vós, ó brancas
rosas de alabastros,
São como as almas
vossas carnes brancas,
Vosso perfume como
a luz dos astros!...
Ivo
do Nascimento Barroso,
conhecido como Ivo Barroso (Ervália,
MG, 25 de dezembro de 1929) é um escritor, poeta e tradutor brasileiro. Reside
no Rio de Janeiro desde 1945.
Mais sobre Ivo
Barroso:
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