Amélia de Oliveira

Saquarema, RJ (1868-1945)



ABANDONO
Amélia de Oliveira
(recordando a “Engenhoca”*)

Talvez já tudo tenhas esquecido:
aquela casa e as árvores frondosas
da entrada do caminho e as brancas rosas
  e o coqueiral, altivamente erguido.

O bando de aves tímidas, saudosas,
a desferir seu canto enternecido,
e aquele céu azul, indefinido,
cheio de sóis, de estrelas luminosas.

Quanta mudança encontrarás se um dia
 ali fores!. . . Tristonhos, tumulares,
 o arvoredo, o rosal !... O espaço mudo.

E só, errante, a soluçar, sombria,
 a saudade acharás se ali voltares.
Mas... Talvez tenhas esquecido tudo!

(*) - chácara em Niterói, RJ, onde viveu Amélia de Oliveira)



PRECE
Amélia de Oliveira

 Não te peço a ventura desejada,
nem os sonhos que outrora tu me deste,
nem a santa alegria que puseste
nessa doce esperança já passada.

 O futuro de amor que prometeste,
 não te peço! Minha alma angustiada
 já te não pede, do impossível, nada,
 já te não lembra aquilo que esqueceste!

 Nesta mágoa sofrida ocultamente,
nesta saudade atroz que me deixaste,
neste pranto que choro ainda por ti,

 nada te peço! Nada! Tão-somente
 peço-te, agora, a paz que me roubaste,
 peço-te, agora, a vida que perdi!




SONETO
Amélia de Oliveira

Noite fechada ! O espaço inteiramente
É trevas. Que tristeza encerra esta hora
Em que tudo é silêncio e a alma que chora
Abafa as vozes do sofrer latente !

Mas um canto vibrou, longe, plangente,
Quem é que a solidão perturba agora ?
Ah ! quem se atreve pela noite a fora
Um grito desferir, lugubremente ?!...

É, porventura, uma alma forasteira,
Que vagueia sozinha na espessura
Da noite, procurando a companheira ?

Não... Talvês seja a gargalhada insana
De alguma ave de agouro que procura
Escarnecer da dor da vida humana !



NOITE
Amélia de Oliveira

Quando a hora final da Ave-Maria
Deixa o eco voar espaço em fora;
Nesse momento em que a melancolia
Mais na terra se estende e se demora.

Quando a sombra da noite que apavora
Encobre o sol, escurecendo o dia;
Quando não temos mais da última aurora
A doce luz, embora fugidia;

Quando as trevas mais negras vão crescendo
E cobrem tôda a natureza; quando
Repousa e dorme tudo em paz — gemidos

Ouvem-se, o espaço inteiro percorrendo...
É que, tristes, no mundo, soluçando,
Vagueiam muitos corações perdidos... 



MUDANÇA
Amélia de Oliveira

Passa uma aurora e surgem lentamente
Novas auroras sob o azul da esfera;
O verão, sucedendo a primavera,
Enche a terra de sol purpúreo e ardente.

Vem o outono, monótono, cadente,
Dizimando das árvores a hera;
Depois o inverno frígido, que impera
Na grande natureza inteiramente.

Felizes vós que nunca a alma ferida
Tivestes por desgosto e por saudade !
E nem nunca dos risos e da graça

Sentistes falta no correr da vida !
Não vos fieis no tempo, a felicidade
O tempo rouba, o tempo despedaça !...



S A U D A D E
Amélia de Oliveira
             A Isabel Souto

Perpassa o vento as sílabas cantando
De teu nome; por entre a ramaria
Escuto as aves em profundo bando,
Chamando-te em clamores de alegria.

Sôbre o prado florente, à tarde, quando
O sol desmaia no final do dia,
Poe entre as flores, triste, meditando,
Vejo-te a imagem plácida, erradia...

De tua voz sonora o timbre ainda,
Suave e puro, eu sinto docemente
Ferir-me o ouvido em música divina;

Tudo me traz de ti saudade infinda,
Saudade que se aviva eternamente
E que a alma inteiramente me domina !




Um comentário:

  1. Lindos poemas...

    Conheci por acaso essa poetisa.

    Estava buscando a obra do seu eterno noivo, Olavo Bilac, e ao pesquisar a respeito de sua biografia, encontrei a história de amor vivida por eles.

    Muito obrigada pela divulgação.

    Que Deus te abençoe!!!

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