FRANÇA
A poesia medieval francesa morreu com François
Villon, de vida desordenada e erradia, mas de personalidade muito
atraente, tanto que encontrou vários protetores salvando-o, inclusive, da
forca, por duas vezes.
O poeta veio ao mundo em Paris, em 1431. E
tão pobre que, de seu, não tinha, sequer, o próprio nome. Era François de
Montcorbier, e foi adotado por um padre boníssimo, Guillaume de Villon, capelão
de Saint-Benoit-Bétourné, que lhe facilitou os estudos e lhe deu nome. Em 1452,
recebeu o grau de doutor em letras, mas, ainda estudante, já cometia loucuras,
ligado a malfeitores.
Deixou a teologia pelo crime e, nas
"horas vagas", pela poesia. É penoso recordar-se; porém, a verdade é
que ele passou a viver entre malandros, ladrões, assaltantes, charlatães e
bêbados. Mal acompanhado, assassinou um sacerdote, Philippe Chermoye, em 1455,
escondendo-se no campo, mas foi perdoado pelo rei Carlos VII.
Voltou a Paris e escreveu, em 1456,
"Le petit testament". Todavia, recomeçando a sua vida irregular,
participou, no Natal do mesmo ano (1456), de um roubo de dinheiro no Colégio de
Navarre. Faminto, praticou outros roubos, e o vemos, ora fugindo da polícia,
ora sofrendo torturas nas prisões.
Foi condenado à forca em 1460 e 1462. Na
sua curta existência, marcada por uma série lamentável de crimes, várias
autoridades e tribunais o indultaram; e, nas penas de morte, salvaram-no duas
anistias: de Carlos de Orleans e do próprio Luís XI.
Entre as duas condenações à morte, já
alquebrado com apenas trinta anos, escreveu, em 1461, os seus melhores poemas,
aos quais chamou simplesmente "Les Lais" ("Os cantos"),
embora a posteridade (não ele) lhes desse o título de "Le grand
testament". O Lello Universal assim os considera: "confissão de um
patético pungente, obra poética original, sincera e muitas vezes
encantadora".
É certo que, em 1462, tentou regenerar-se,
pois procurou Guillaume de Villon e este o recolheu aos claustros, de onde
saíra anos antes. Mas a lei não o esqueceu e foi buscá-lo, exilando-o em 1463.
Assim foi François Villon. Tomou o nome do
pai adotivo, desonrou-o, mas lhe deu imortalidade.
Ainda se ignora a data de sua morte. Há
fontes que citam 1480, como, também, 1489. A Delta Larousse acha que a mesma
ocorreu logo depois de sua saída de Paris, portanto, em volta de 1463, e
esclarece que "seguramente já estava morto quando apareceu, em 1489, a
primeira edição de suas obras".
Will Durant, autor da copiosa
"História da Civilização", registra o seguinte:
"A 3 de janeiro de 1463, a corte, diz
o seu relatório, "ordenou que... a sentença precedente seja anulada, e —
atendendo ao mau gênio do dito Villon — que seja exilado durante dez anos da
cidade e do Viscondado de Paris".
François agradeceu à corte numa alegre balada, e pediu três dias de indulto
para "tratar de minha viagem e dizer adeus à minha gente".
Atenderam-no e, "provavelmente, foi essa a última vez em que viu o pai
adotivo e a mãe. Fez a trouxa, pegou na garrafa de vinho e na bolsa que o bom
Guillaume lhe deu, recebeu a bênção do velho, e saiu de Paris e da história.
Nada mais sabemos dele".
Sim, nada sabemos em relação à data em que
deixou este mundo. Mas, sabemos coisa muito mais importante: François Villon,
cronologicamente, é o último e o maior dos "goliardos" medievais e o
primeiro "poeta maldito". E ainda: os séculos XIX e XX reconheceram
esse criminoso errante como um dos maiores poetas da língua francesa.
*
Clement Marot (1496-1544), que
foi sucessor e editor de Villon, revelou-se um poeta mais talentoso e mais modernizado.
Seus temas simples e agradáveis captaram a simpatia dos contemporâneos.
Camareiro de Margarida de Alençon, irmã de Francisco I, e, depois, do próprio
rei. Apontado como adepto do protestantismo, teve de exilar-se na Suíça (1540)
e na Itália (Ferrara), onde morreu. Embora notável no epigrama e perfeito na
epístola familiar, dava preferência à elegia, ao rondó, ao madrigal e,
principalmente, à balada; mas, juntamente com Mellin de Saint-Gelais
(1487-1558), levou o soneto da Itália
para a França. Humanista e poeta da corte de Henrique II, Saint-Gelais tentou
fazer sombra a Ronsard e Du Bellay, dos quais trataremos logo adiante.
A nomeada de Marot começou a descair quando
surgiu na França um punhado de poetas novos com a intenção de imitar os clássicos
e purificar a língua, o que constituía, praticamente, uma adesão ao movimento
renovador encetado na Itália.
Esses poetas pretendiam helenizar a França
e, de início, chamavam-se a si mesmos "La Brigade".
Diz Will Durant que "um crítico
hostil, vendo que eram sete, cognominou-os de "La Pléiade", a vitória
deles transformou a palavra numa bandeira de fama".
Aliás, a palavra "Plêiade" não
era nenhuma novidade. "Plêiades", segundo a lenda grega, era o nome
das sete filhas de Atlas e de Plêione, também conhecidas por Atlântides, que,
desesperadas com os infortúnios de seu pai, suicidaram-se e foram
metamorfoseadas em sete estrelas. Eram Alcíone, Celeno, Electra, Maia,
Astérope, MéTope e Taigete.
Sob a inspiração desta lenda, e olhos fitos
na constelação celeste já vulgarizada com o nome de Plêiade, sete poetas
formaram a primeira "Plêiade": Licofron de Cálcide, Alexandre de
Etólia, Filisco de Corcira, Homero de Bizâncio, Sosíteo de Alexandria,
Sosífanes de Siracusa e Eantide ou Dionisíade de Tarso. Foi no período
alexandrino, quando era rei do Egito Ptolomeu II, Filadelfo, protetor das letras, que reinou de
285 a 247 antes de Cristo, e que mandou construir o famosíssimo farol de
Alexandria. Casou com sua irmã Arsinoé.
Entretanto, foi no Renascimento francês que
surgiu a Plêiade mais célebre. Os dois poetas destacados desse grupo foram Joachim
Du Bellay (1522-1560) e Pierre de Ronsard (1524-1585), que
fi-xaram, então, a forma do verso francês. Poesia mais emotiva. Du Bellay,
Ronsard, Jean Antoine de Baif (1532-1589), Ponthus
de Thyard (1521-1605), Étienne Todelle (1532-1573), Remi
Belleau (1528-1577) e Jacques Peletier du Mans (1517-1582)
— este, ao morrer, substituído por Jean Dorat (1508-1588) fundaram a
Plêiade.
Era um grupo de elite que estudava e
praticava as formas clássicas, como em Anacreonte, Teócrito, Virgílio, Horácio
e Petrarca. Will Durant lembra que "para a Plêiade, pois, Petrarca já era
um clássico e o soneto a mais perfeita de todas as formas literárias".
Du Bellay, a quem, igualmente, se atribui
colaboração na introdução do soneto na França, não obstante ser de origem
aristocrática, freqüentou tavernas, e foi numa delas, em Poitiers, que, em 1548, conheceu Ronsard.
Du Bellay redigiu e publicou, em 1549, o
manifesto da ainda “Brigada", depois "Plêiade", cujos objetivos
fundamentais eram os seguintes: ruptura com formas medievais, imitação dos
antigos, reforma estrófica. O manifesto se chamava "Défense et
Illustration de la Langue Françoyse" (Defesa e Ilustração da Língua
Francesa), e marcou o início do
Renascimento na poesia da França.
O poeta viveu em Roma, como secretário de
seu primo, Cardeal Jean Du Bellay, de 1553 a 1555. De volta a Paris, evocou sua
experiência romana, publicando, em 1558, quatro coletâneas de versos: "Les
antiquités de Rome" ("As antiguidades de Roma"). "Les
regrets" ("Os pesares"), "Jeux rustiques" ("Jogos
rústicos") e "Poemata" ("Poemas"). A mais famosa é a
coletânea "Les regrets", de sonetos muito bem elaborados e ungidos de
doce melancolia. Era chamado "o príncipe do soneto".
Foi, porém, Ronsard quem contribuiu,
definitivamente, para o aprimoramento e divulgação do soneto na França; e o fez
com grande merecimento e autoridade.
No que tange, vamos dizer assim, ao seu
desempenho profissional e literário, dentro das cortes, assinalamos o seguinte:
— Com 12 anos de idade, ingressou como
pajem na corte de França e, depois, na corte da Escócia. Também se tornou
favorito de Henrique II, Catarina de Médicis (sua esposa), Maria Stuart, e
mesmo de Isabel da Inglaterra. Seguiria a carreira militar, mas, aos 17 anos
ensurdeceu quase completamente. Foi, então, forçado a renunciar à carreira das
armas, dedicando-se à literatura. Desistiu da espada e brandiu a pena. E o novo
conjunto poético de que participava (a Plêiade) aderiu à corte de Catarina de
Médicis (esposa de Henrique II), que trouxera para a França "uma comitiva
italiana acompanhada de livros de Petrarca".
Seus versos oferecem uma variedade invulgar
de ritmos, tendo deixado excelente bagagem de grandes sonetos.
Fez-se autor de uma imensa obra no gênero,
abrangendo mais de seiscentas produções, "Les Amours" (dois volumes,
1552).
Cognominado "o Rei dos Poetas e o
Poeta dos Reis", publicou número superior a trezentos mil versos,
incluídos outros tipos de poesia, como "Odes" (1550).
Will Durant destaca: "Ronsard tomou
Petrarca como modelo e conseguiu uma graça e um refinamento jamais
ultrapassados na poesia francesa".
À Plêiade e, principalmente, a Ronsard, a
literatura francesa deve o revigoramento do ideal clássico e o enriquecimento
da língua, com inúmeros vocábulos derivados do grego e do latim. Boileau, exagerando, disse que Ronsard "em francês
falava grego e latim”.
Esse poeta, que deu ao soneto a maior
importância, era o Petrarca francês. Desfrutava de enorme popularidade, mesmo
fora da França. Torquato Tasso lhe pediu conselhos a respeito de sua obra
imortal "Jerusalém Libertada". Bastaria isto para dar a medida de seu
prestígio.
Quando Henrique II morreu, em 1559, Ronsard
continuou nas graças do filho, Carlos IX, sendo por este distinguido como poeta
da corte.
O declínio de Ronsard começou em 1574,
pois, logo no princípio do reinado de Henrique III (irmão de Carlos IX), foi
suplantado por Philippe Desportes (1546-1606), nomeado o novo poeta da corte.
Os críticos de Malherbe, no começo do
século XVII, derrubaram a reputação de Ronsard, que ficou esquecido por dois
séculos. Entretanto, com o advento do Romantismo, Sainte-Beuve reabilitou
Ronsard e a Plêiade, ao publicar, em 1828, sua obra memorável "Quadro histórico
e crítico da poesia francesa no século XVI".
Louise Charly, chamada Labé
(1524-1566), "a Bela Cordoeira" (filha e mulher de cordoeiros), muito
bonita e culta, foi excelente poetisa, autora de sonetos deliciosos e tristes;
e de alguns dos melhores versos amorosos da língua. Autora do livro
"Oeuvres", com 3 elegias e 23 sonetos.
Depois de escrever que "a cruzada
clássica começou na Lião do próprio Rabelais", e que Maurice Sève
"preparou o caminho para Ronsard", Will Durant acrescenta haver sido
a mais séria concorrente de Sève, em Hão, "uma mulher, Louise Labé, que,
de couraça, lutou qual outra Joana em Perpignan". (...) "A mulher lia
grego, latim, italiano e espanhol, tocava muito bem alaúde, mantinha um salão
para os rivais e os amantes, e escreveu alguns dos mais antigos e mais belos
sonetos da língua francesa. Podemos julgar-lhe a fama pelo funeral que teve
(1566), o qual, segundo um cronista, "foi um triunfo. Foi levada através
da cidade com a face descoberta e a cabeça coroada por uma grinalda de flores.
A morte não conseguiu desfigurá-la e o povo de. Lião cobriu-lhe a campa de
flores e lágrimas". Através desses poetas de Lião, "o estilo e a
forma petrarquianos passaram a Paris e entraram na Plêiade".
Olivier de Magny (1524-1561), amigo
de Du Bellay e de outros poetas que a "Plêiade" prezava muito. Deixou
uma obra poética pouco volumosa e, em seus versos, distinguia-se pela
espontaneidade e pela franqueza. Excelente sonetista, como veremos.
Christophe Plantin (1514-1589), um
impressor francês estabelecido em Antuérpia (Bélgica). Sua casa conservou-se na
mesma família até 1876, quando a cidade de Antuérpia a adquiriu para nela
instalar o museu tipográfico Plantin-Moretus. Moretus, genro de Plantin,
herdara essa casa quando da morte do poeta, em 1589. Sonetista inspirado,
Christophe Plantin.
François de Malherbe (1555-1628), poeta
de odes, epigramas, estâncias, mas, também, de sonetos.
Algumas décadas após sua morte, Boileau, na
"Arte Poética", o celebrizou, elogiando-lhe a beleza da forma:
"Enfin Malherbe vint...“ Para ele, começou com Malherbe a poesia francesa.
Na verdade, Malherbe depurou as formas
poéticas, embora ele próprio fosse um poeta vazio de graça e emoção. Não vamos
negar, porém, que essa mudança revestiu-se de grande valor, atingindo a língua,
o estilo e a versificação.
Ficou célebre sua poesia "Consolation
à M. de Périer sur la mort de sa fille", na qual havia estes dois versos:
"Et Rosette a vécu ce que vivent les roses,
l'espace d'un matin".
O tipógrafo, segundo se contava, enganou-se
e compôs:
"Et, rose, elle a vécu..."
("E, rosa, ela
viveu o que vivem as rosas:
uma breve manhã").
O poeta, ao ver que assim ficou muito mais
bonito seu poema foi à tipografia, abraçou e beijou o tipógrafo... Mas, isto
não teria passado de uma versão anedótica, a que deu curso Tallemant des Réaux.
Marc-Antoine de Saint-Amant (1594-1661). Seu
soneto "O fumo", que apresentamos, figura em antologias francesas.
Van Tie-ghem, referindo-se a Saint-Amant, escreveu que "o soneto é a
estrutura formal dos seus melhores poemas".
Pierre Corneille (1606-1684), poeta
trágico e discípulo de Ésquilo. Sua melhor obra é "Cid", que o fez
invejado e perse-guido. Fundador da tragédia moderna. Contemporâneo de grandes
espíritos, como La Fontaine, Molière, Madame de Sévigné, Racine.
Racine, aliás seu rival, disse: "A
França lembrar-se-á com prazer que, sob o governo do maior dos seus reis,
floresceu o maior de seus poetas". Muito bom sonetista.
Molière (Jean-Baptiste
Poquelin), o maior poeta cômico, o criador da comédia francesa (1622-1673).
Autor e ator, morreu representando uma de suas peças — "O doente
imaginário" — e dizendo, dramaticamente: "C'est finie la
comédie". É apontado, geralmente, como o maior gênio, produzido pela
França. Suas peças são conhecidas universalmente. No curso de humanidades, foi
condiscípulo de Cyrano de Bergerac (1619-1655). Sonetista de bom nível.
Nicolas Boileau (1636-1711) era um
espírito superior, mas sem grande imaginação poética, embora versificador muito
hábil. Praticou a sátira social e literária. Previu, com absoluto acerto, entre
seus contemporâneos, que os três maiores poetas franceses do século seriam
Molière, Racine e La Fontaine.
É o autor de um célebre poema didático, em
versos alexandrinos emparelhados, intitulado "L'Art Poétique"
("A Arte Poética"), que pretendeu ser uma doutrina clássica da arte
de escrever versos. Não foi esquecido nenhum detalhe. Consta de quatro cantos:
— O primeiro canto trata, de um modo
geral, da arte de escrever versos e dá conselhos sobre a rima ("La rime
est une esclave et ne doit qu'obéir") — sobriedade, variedade, nobreza do
estilo, polimento incessante. O segundo
canto se demora nos gêneros poéticos menos extensos — a ode, o rondó, a
balada, o madrigal, a sátira, a canção, o soneto ("Un sonnet sans défaut
vaul seul un long poème"). O terceiro
canto aborda os gêneros mais elevados — a comédia, a tragédia, a epopéia. O
quarto canto dá conselhos sobre a
ética do escritor.
A "Arte Poética" que, por mais de
cem anos, foi 'o código das letras, permaneceu de pé, mesmo no decorrer da
revolução romântica. Palavras de Van Tieghem: "É da tradição apresentar
Boileau como um homem austero que, certo de estar de posse da verdade
literária, se ergue para esmagar os que não seguem o mesmo ideal, na ânsia de impor
o seu credor". (....) "Em Boileau viram, ainda, um Moisés de bom
gosto, que desceu no Parnaso, como se fora do Sinai, munido de "A Arte
Poética". (....) "A verdade, porém, é bem outra. Boileau é um
temperamento de artista, vivo, espicaçado pelas tolices dos pretensiosos, pelas
manobras dos arrivistas, por todas as formas de mau gosto. Impulsivo e nervoso,
sem cálculo, sem austeridade, sem prevenção, emite os seus juízos mais em
rea-ções instintivas que por obediência a um sistema ideológico".
Voltaire (François Marie
Arouet) não foi sonetista, mas se constituiu, sem dúvida, num grande poeta e
prosador (1694-1778). Exerceu grande influência literária e social, tendo
escrito inúmeras obras-primas, destacando-se "Cândido",
"Zadig", "O ingênuo", "Micrómegas".
Van Tieghem escreveu : "Se é lícito
dizer que um homem pode personificar tal ou tal época, Voltaire personifica o
Século das Luzes".
André Chénier (1762-1794), o
maior nome da poesia lírica dá século XVIII. Embora os românticos o
classifiquem como precursor do Romantismo na França, não há dúvida de que se
trata de um clássico.
Não teve predileção pelo soneto, mas
devemos lembrá-lo como dedicado amante das formas gregas: "Sur des pensers
nouveaux faison de vers antiques". Também temos de registrar que Chénier
tratou com muita intimidade o verso alexandrino, dando-lhe ritmo expressivo e
usando muito bem o "enjambement".
Chénier reanimou a tradição, pelo poder do
seu gênio. Sua novidade reside na forma, não na substância. O mesmo
historiador, Van Tieghem, escreveu que Chénier, podendo ter sido o maior poeta
do seu tempo, não chegou ao apogeu de tão brilhante carreira, pois lhe tiraram
a vida aos 32 anos. "O lírico da revolução" foi guilhotinado pelos
radicais, "por acharem que ele não era bastante radical".
Lamartine (Alphonse Marie
Louis de Prat de Lamartine), nascido em 1790 e falecido em 1869, era, além de
político e diplomata, um poeta harmonioso, embora com sombras de melancolia.
Por vezes, possuidor de inspiração vigorosa. Um inovador, um romântico.
Alfred de Vigny (1797-1863), outro
inovador. Estilo original, filosófico e dramático. Pensamento profundo. Poeta
dos maiores, no romantismo francês.
Victor Hugo (1802-1885) ocupou
o trono da poesia romântica francesa por quase meio século. Sua lírica é
imortal. Poesia espontânea. Manejo fácil do verso. Grandeza de pensamento. Além
de ter sido o maior poeta francês, pelo menos de sua geração, ergueu-se, sem
dúvida, como uma das mais soberbas personalidades do século, pela importância
de suas obras e pela fascinação que exerceu na sua época. De fecundidade
excepcional e prodigiosa imaginação. Fiel aos princípios da poesia romântica.
de que, praticamente, foi o chefe na França, não amava o soneto, embora os
escrevesse também, conforme veremos. Como poeta, é mais conhecido através de
"Légende des Siècles".
Gérard de Nerval (Gérard Labrunie),
poeta lírico de certo renome (1808-1855). Escreveu várias peças de teatro em
versos. Colaborador de Alexandre Dumas na obra teatral "
L'Alchimiste".
Seus belos sonetos "Les chimères"
("As quimeras") e seu romance "Aurélia" (1855) dele fizeram
um precursor de Baudelaire, de Mallarmé e do surrealismo. É, hoje, considerado
um dos maiores poetas de língua francesa. Transcrevemos um de seus sonetos.
Suicidou-se após ter sofrido três ataques de loucura.
Alfred de Musset (Louis Charles
Alfred de Musset) era envolvido por uma
certa melancolia, muito embora imbuído de classicismo (1810-1857).
Convivia com a mocidade romântica que se
reunia na casa de Charles Nodier. Mais tarde, em 1833, sua breve e tempestuosa
ligação com George Sand (pseudônimo literário de Lucile-Aurore Dupin) foi cheia
de incidentes cruéis, que fizeram comprometer-lhe os dons de verdadeiro gênio
da poesia. Teve uma existência tormentosa. É, mesmo assim, considerado, na
França, como o maior poeta do Amor. Os poetas de todo o mundo, no século
passado, foram influenciados por ele. Oferecemos, de sua autoria, um belíssimo
soneto.
Théophile Gautier (1811-1872), uma
das figuras mais insinuantes da literatura francesa no século XIX, exerceu
certo influxo sobre muitos dos nossos poetas, inclusive Raimundo Correia.
Exerceu-o até sobre Victor Hugo. Notabilizou-se pela versatilidade. Na
dedicatória das "Fleurs du Mal", Baudelaire chamou a Gautier "le
poète impeccable, le parfait magicien ès-lettres françaises".
Escreveu dois deliciosos romances alegres:
" Mlle. de Maupin" e "Les Jeunes Filles ".
Bom sonetista, como logo se verá. A
"arte pela arte" foi seu grande ideal, de que se apossaram os
parnasianos, sendo ele próprio um dos vanguardeiros do movimento.
Charles Baudelaire (1821-1867),
contemporâneo de Musset e de Gautier. Iniciou a carreira como crítico de arte.
Seu primeiro livro de versos, "Fleurs du Mal", publicou-o em 1857.
Foi processado por ter sido tachado de imoral esse livro. Em conseqüência, a
segunda edição saiu publicada em Bruxelas, com a supressão das poesias mais
cruas.
Escandalizou Paris por sua ligação com uma
negra. No fim da vida, arruinou-se com os excessos alcoólicos, tendo sido atacado
de paralisia e loucura. Um dos maiores poetas da França, apesar de atormentado
pela pobreza. Baudelaire é, dos poetas franceses, aquele que mais influência
desempenhou entre nós. Um excelente sonetista, como demonstraremos. Desbravou
nova estrada na dire-ção do Simbolismo.
Josephin Soulary (1815-1891), poeta
de sensibilidade, forma elegante e pensamento elevado. Seu soneto "Os dois
cortejos", que reproduzimos adiante, transformou-se em um dos mais
populares daquele país. Também escreveu sonetos humorísticos.
Théodore de Banville (1823-1891), um
dos chefes da escola parnasiana em França. Grande mestre da forma e da rima
rica. Cinzelador do verso. Sonetista. Autor de um "Petit traité de
versífication française".
R. Magalhães Junior lembra que "Banville
ressuscitou o rondó, abandonado desde os tempos de Villon e Charles
D'Orleans".
Leconte de Lisle - Charles-Marie
Leconte (1818-1894), consagrado como o papa do movimento parnasiano da França,
e muito admirado pelos grandes poetas desse movimento literário. Basta lembrar
a dedicatória que Herédia lhe fez em "Os troféus". Sua poesia está
eivada de pessimismo. Por outro lado, revelou-se um incomparável paisagista.
Não teve uma afeição particular pelo
soneto, pois nos quatro volumes de seus "Poèmes", composto de 220
poesias, inclui apenas 20. Não obstante, escreveu-os com grande inspiração,
como mostramos, em várias traduções, no final deste capítulo.
José Maria de Herédia (1842-1905),
autêntico parnasiano, primo do poeta cubano de igual nome. Nasceu, também, em
Cuba, filho de espanhol e francesa, tendo adotado a nacionalidade francesa.
Discípulo de Leconte de Lisle.
Artista impecável, no seu único livro de
versos, “Les trophées" ("Os
troféus"), publicado em 1893, incluiu 118 sonetos e somente quatro poemas
de maior extensão. Esse livro foi considerado uma obra-prima do parnasianismo.
François Coppée disse que Herédia "compusera em sonetos a epopéia dos
séculos".
Herédia é, por muitos, classificado como o
maior sonetista de todos os tempos, pela perfeição artística de seus trabalhos.
Sully-Prudhomme — René François
Arnaud Sully-Prudhomme (1839-1907), dono de grande sentimento poético e de
inegável domínio da forma, salientou-se como uma das maiores figuras do
parnasianismo. Teve ele, em sua vida, uma particularidade: foi o primeiro a
receber o Prêmio Nobel de Literatura (1901). Com a quantia que lhe coube,
instituiu um prêmio de poesia para ser distri-buído pela "Societé des Gens
de Lettres". Morreu paralítico, tendo sido um dos defensores de Dreyfus.
Destacou-se pela melancolia de seus versos,
tendo, também, abordado assuntos filosóficos. Grande sonetista.
Catule Mendès (1841-1909),
poeta, crítico e autor dramático; e um dos fundadores do Parnasianismo. Entre
muitas outras páginas brilhantes de sua poesia, há um poema de 18 versos
alexandrinos, de rimas emparelhadas (dísticos), intitulado "Le dernière
abeile". Raimundo Correia traduziu esse poema, dando-lhe, curiosamente, a
forma perfeita de um soneto decassílabo, com o mesmo título: "A última
abelha".
Stéphane Mallarmé (1842-1898) surgiu
como um dos iniciadores do Simbolismo. Seus versos são dotados de extrema
nebulosidade.
Paul Verlaine (1844-1896), a
princípio juntou-se ao grupo de parnasianos, mas acabou por se libertar das
influências dessa escola, passando para o Simbolismo. Um ano após seu
casamento, estranhamente ligou-se a Arthur Rimbaud, abandonando a esposa,
graciosa e jovem. Com ele errou pela França, Bélgica e Inglaterra, entregue à
bebida. Possuído de exaltação passional, tentou, em 1873, eliminar o amigo com
um tiro, sendo, por isso, condenado a dois anos de prisão. Foi, apesar de tudo,
um excelente poeta. Suas poesias, muitas vezes cínicas, eróticas e misteriosas,
são, outras vezes, cheias de lirismo e emotividade, de ternura e misticismo.
Aliás, é autor do mais bonito livro de poesias religiosas da literatura
francesa, "Sagesse" ("Sabedoria"). Sonetista de peregrina
inspiração e qualidades excepcionais.
Arthur Rimbaud (1854-1891), o
oráculo do Simbolismo. Poeta genial e precoce. Atravessou uma vida agitada e
aventurosa. Morou com Verlaine e depois com Théodore de Banville; sobre sua
ligação com o primeiro, falamos linhas acima. Teve amputada a perna direita,
devido a um tumor no joelho. O livro que deixou retrata extraordinários momentos
de beleza, através, inclusive, de sonetos primorosos. Ficou célebre o seu
soneto "As vogais".
Edouard Pailleron (1834-1899).
Escritor e poeta. Teve um salão literário muito freqüentado. Celebrizou-se,
principalmente, como autor dramático. R. Magalhães Junior recorda que "sua
vida não teve grandes acontecimentos; a tal ponto que um dia ele escreveu: —"Depois
do meu nascimento, nada mais me aconteceu que valha a pena ser contado".
Bom sonetista.
Alberto Samain (1858-1900),
seguro na forma, um poeta elegíaco. Sua poesia, leve, sutil, é repassada de
lânguida tristeza. "Seus versos — escreveu R. Magalhães Junior — são
flores esquisitas de melancolia e de ternura, de delicadeza e colorido".
Sofreu a influência de André Chénier, Verlaine e Baudelaire. Mas, por outro lado,
influenciou inúmeros poetas de todo o mundo.
Foi dos mais apreciados e queridos
sonetistas da França.
Paul-Armand Silvestre (1837-1901), poeta
e dramaturgo; libretista e contista. Sonetista de real valor.
Maurice Rollinat (1846-1903),
poeta, compositor e cantor. Sonetista impregnado de pessimismo. Sua coletânea
de poesias "Les nevroses" ("As nevroses"), publicada em
1883, é um exemplo per-feito do macabro "fín de siécle" — diz a Delta
Larousse.
François Coppée (1842-1908), poeta
de reputação literária mundial. Sua arte se caracterizou por pequenos dramas em
forma de poemas. Tomou, violentamente, partido contra Alfred Dreyfus. Escreveu,
também, romances, novelas e peças para teatro. Excelente sonetista. Digno
contemporâneo de Herédia.
Pierre Girauld de Nolhac (1859-1936),
poeta, erudito e historiador. Autor de "Petrarca e o Humanismo".
Conservador do castelo de Versalhes, de 1892 a 1920, escreveu preciosas
monografias sobre esse palácio. Publicou, em 1894, "Paysages de France et
d'Italie". Foi um sonetista de talento.
Edmond Rostand (1868-1918).
Escreveu, em versos, várias peças de teatro, dentre as quais a mais conhecida é
"Cyrano de Bergerac" (1897), que se constituiu num triunfo
extraordinário, não só para ele, como para o principal intérprete da peça, o
ator Coquelin. Essa peça foi traduzida, praticamente, para quase todas as
línguas do mundo. Carlos Porto-Carrero fez, no Brasil, uma tradução esplêndida,
tão esplêndida que muitos apreciadores e críticos a colocam em nível superior
ao do original francês. Rostand versou, também, o soneto, com algum talento.
Jean Richepin (1849-1926),
nascido na Argélia, não se filiou a qualquer escola literária e era um
excêntrico. Não obstante, é tido, hoje, como um dos clássicos do teatro francês.
Também escreveu romances. Representou sua peça "Nana Sahib" (1883),
ao lado de Sarah-Bernardt que, aliás, gostava de lançar poetas e diplomatas
como intérpretes. Sonetista de qualidades bastante apreciáveis.
Paul Bourget (1852-1935)
estreou nas letras como poeta, fazendo, depois, romance de análise da alma humana. Também escreveu para o teatro. Sonetista de méritos.
Henri de Regnier (1864-1936),
casado com Marle de Herédia, filha do grande poeta de "Os Troféus",
José Maria de Herédia. Foi quem primeiro apresentou o dodecassílabo com acentos
fortes nas 4ª, 6ª e 8ª sílabas, chamado, erradamente, "alexandrino
moderno". Bom cultivador do soneto.
Edmond Haraucourt (1856-1941),
poeta, dramaturgo e romancista. Iniciou sua vida literária com um livro de poesias,
ao qual deu o título provocante de "La Légende des Sexes"
("poèmes histériques"), usando, porém, o pseudônimo de "Sire de
Chambly" Muito bom sonetista.
Nas páginas precedentes, mostramos, em
largas pinceladas, os nomes dos principais poetas franceses, mortos, muitos dos
quais amaram o soneto e estão arrolados entre os melhores cantores da língua.
Poucos poetas, como se verá, resistiram à tentação do soneto. Diante do seu
trono, quase todos foram humildes vassalos.
Oferecemos, a seguir, aos leitores, um
punhado de sonetos franceses, através de excelentes traduções:
JOACHIM DU BELLAY (1522-1560)
"Heureux qui comme Ulysse... (ou "Saudades de minha terra")
(Trad.
de E. Vilhena de Morais)
Ditoso quem já andou, como Ulisses, o
amigo,
longes terras, ou como o outro que achou o tosão,
e depois lá se foi, com mais tento e razão,
buscar ao pé dos seus, para a velhice
abrigo!
Quando é que hei de rever do meu torrão
amigo
os tetos fumegar? E em que bela sazão
hei de a cerca avistar de uma pobre mansão
que é para mim província, ou antes reino,
que digo?
Mais me apraz o casal por meus avós
erguido,
que de um paço romano o luxo desmedido;
mais que o mármore duro apraz-me a ardósia
fina:
mais o meu Loire gaulês do que o Tibre
latino;
mais o humilde Lyré que o monte Palatino,
e mais que a beiramar a doçura angevina.
_____
Verso 2 - O poeta se refere ao tosão (pêlo,
lanugem) do carneiro que transportou, pelos ares, Frixo e Hele. Segundo a
lenda, chegado à Cólquida, Frixo imolou o carneiro a Zeus e fez presente do
tosão a Eeta, rei do país, que o suspendeu num carvalho e o mandou guardar por
um dragão. Esse tosão se tornou célebre no mundo grego; e Pélias, rei do Iolco,
ordenou a seu sobrinho Jasão que o conquistasse. Para esse fim, Jasão organizou
a expedição dos Argonautas. Assim, o tradutor empregou o verbo achou, em lugar
de conquistou, possivelmente devido à silabação do verso.
PIERRE
DE RONSARD (1524-1585)
“Soneto
para Helena" (inspirado por Helène de Surgeres, uma de suas inúmeras
paixões)
(Trad.
de Heitor P. Fróes)
Quando já bem velhinha, à noite, à luz da
vela,
sentada ante a lareira estiveres fiando,
dirás, ao recordar-me, o coração pulsando:
"Ronsard cantou-me em verso, ao tempo em que fui bela!"
Já não terás, então, como serva, a donzela
que, ao peso do cansaço às vezes
ressonando,
ouvindo-me invocar, despertava, abençoando
o teu nome imortal que meu verso revela.
O corpo sepultado, a alma livre e sem
pouso,
à sombra dos mirtais encontrarei repouso;
tu — do tempo curvada à fatal inclemência
chorarás meu amor e teu frio desdém...
— Não fiques a esperar pelo dia que vem,
colhe, enquanto ainda é tempo, as rosas da existência!
PIERRE
DE RONSARD (1524-1585)
"Céu,
ar e ventos"
(Trad.
de Fernando Torquato Oliveira)
Céu, ar e ventos, píncaros dispersos,
colinas e florestas verdejantes,
rios sinuosos, fontes borbulhantes,
campos ceifados, bosques tão diversos,
semi-abertos covis, antros imersos,
pastagens, flores, ervas rastejantes,
vales longínquos, praias coruscantes,
e vós, rochedos, que guardais meus versos,
desde que partirei, mas sem dizer
adeus ao seu olhar, para esconder
esta emoção que nunca terá fim;
eu vos suplico, céu, ventos e montes,
pastagens e florestas, rios, fontes,
antros, flores: dizei-lhe adeus por mim!
PIERRE
DE RONSARD (1524-1585)
(Trad.
de Maria Helena, poetisa portuguesa)
Como em Maio se vê sobre um ramo uma rosa,
aberta em juventude e cheia de frescor,
tornar ciumento o Céu da sua viva cor
quando o Sol do seu pranto a luz torna
chorosa;
o amor adormecido e a graça preguiçosa
perfumam os jardins e as árvores de olor,
mas, batida de chuva ou de excessivo ardor,
folha a folha ela morre em languidez
queixosa.
Também a ti, também, em plena mocidade,
quando este mundo e o Céu cantavam tua
idade,
a Morte em cinzas fez tuas chamas viçosas.
Recebe, pois, meu pranto e as minhas pobres
dores,
esta ânfora com leite, este cesto com flores,
e que o teu corpo seja um milagre de rosas.
PIERRE
DE RONSARD (1524-1585)
"Eu
planto em teu louvor...“
(Trad.
de Fernando Torquato Oliveira)
Eu planto em teu louvor este tenro
pinheiro,
para que tenhas sempre as altas homenagens;
gravarei em seu tronco, à sombra das ramagens,
o teu nome gracioso e o meu nome rasteiro.
Faunos que habitam junto ao Loire claro e
ligeiro,
que reflete em seu curso essas danças selvagens,
protejam esta planta,
em tão rudes paragens,
do verão inclemente e do inverno
traiçoeiro.
Pastor que o teu rebanho aqui pasces,
entoando
numa flauta singela a doce cantilena,
prende na sua rama um quadro recordando
quem foi o meu amor e também minha pena.
Depois, de leite e sangue os seus ramos
banhando,
repete : "Ele é sagrado; é o pinheiro de Helena".
OLIVIER
DE MAGNY (1524-1561)
(Trad.
de Alfredo de Assis)
— Olá, Caronte! Olá, remador infernal!
— Quem
a minha presença insofrido reclama?
— Um pobre coração cativo, por seu mal,
de incompreendido amor na inexorável trama.
— Que desejas de mim? A passagem fatal.
— Quem te a vida roubou? Esse amor, que me inflama
e punge sem cessar. — Para as sombras do
val
ninguém levo do amor envolvido na chama.
— Não me deixes, Caronte! Um lugar em tua
barca! —
Outra te levará; que nem eu, nem a Parca,
usurpamos do Amor o domínio
supremo!
— Pois irei por mim mesmo. Eu, que tenho
nos olhos
pranto infinito, e na alma infinitos
abrolhos,
ah! eu mesmo serei o rio, a barca e o remo!
CHRISTOPHE
PLANTIN (1514-1589)
"A
felicidade deste mundo"
(Trad.
de Guilherme de Almeida)
Ter uma casa boa, limpa e bem curada,
um variado jardim de canteiros cheirosos,
frutos, bom vinho, filhos pouco numerosos,
possuir só, sem alarde, uma esposa
afeiçoada;
não ter contas, amor, questões, demandas,
nada
de partilha a fazer com parentes cuidosos,
com pouco se fartar, descrer dos poderosos,
seus desejos regrar por pauta moderada;
viver tendo franqueza e não tendo ambição,
entregar-se sem pejo à sua devoção,
domar suas paixões, contê-las com acerto,
Conservar a alma livre e o julgamento
forte,
rezar o seu rosário enquanto medra o
enxerto,
e esperar docemente em sua casa a morte.
MARC-ANTOINE
DE SAINT-AMANT
(1594-1661)
"Le
Tabac" ("O Fumo") (Da antologia "Les plus beaux poèmes
français", de Lalou)
(Trad.
de R. Magalhães Junior)
Nas horas de descrença ou triste desengano,
meu cachimbo a fumar, bem junto da lareira,
às
vezes permaneço, abstrato, a noite inteira,
justo prêmio a gozar, após labor insano.
No dia de amanhã, no eterno anseio humano,
reflito, penso e, ao fim, numa ilusão fagueira,
eu me vejo senhor de uma nação guerreira,
forte como o mais forte imperador romano.
Mal em cinza, porém, eis se desfaz o fumo,
recaio no torpor, retomo o antigo rumo,
novamente me abismo em meu velho tormento.
Nenhuma diferença a minha mente alcança
em fumar o tabaco ou viver de esperança:
um é simples fumaça, a outra é apenas vento...
PIERRE
CORNEILLE (1606-1684)
"Epitáfio
de Elizabeth Ranquet"
(Trad.
de J. G. de Araújo Jorge)
Não chores ao passar junto a esta
sepultura:
é um relicário, sim, do mais nobre valor;
nela há mais do que um corpo, há uma alma
que foi pura
e pulsa um coração em eterno fervor.
Antes de se quitar com a terra fria e dura,
aos altos céus erguia um gesto de louvor,
mas aos pés do Criador, era a humilde
criatura
a espalhar pela terra as graças do Senhor.
Com o pobre partilhou toda a sua riqueza,
o trabalho e a bondade eram sua nobreza,
seu suspiro final foi como um ai de amor.
Ó passante! Que tal exemplo alto o
transporte!
Que a vida que aqui jaz não te fale de dor,
pois não morre jamais quem trazia tal
sorte!
MOLIÈRE
(JOÃO BAPTISTA POQUELIN)
(1622-1673)
"A
Morte de Cristo" ("La Mort du Christ")
(Trad.
de Silvestre Mineiro* — pseudônimo)
Chegando-se a Jesus, quando este padecia,
em
bem da humanidade, as ânsias do suplício,
atônita ficou a Morte, que temia
aplicar ao Senhor a lei do triste ofício.
Mas Jesus, com a fronte a descair, fazia
à
cruel segadora um gesto que era indício
de
que, não tendo já de Deus a regalia,
almejava apressar aquele sacrifício.
A Morte obedeceu então, e, de surpresa,
logo
o sol desmaiou, tremeu a natureza,
qual se tudo do fim se fosse aproximando
Tudo na terra e céu gemia e vacilava:
como
que a pedra tinha um coração chorando;
só, coração de pedra, o homem não chorava!
____________
* — Este soneto foi
enviado, com o pseudônimo acima referido, para o Concurso Poético de "A
Semana", que se realizou em 1893. A Comissão Julgadora era composta de
Olavo Bilac, Raimundo Correia e Augusto de Lima, então residentes em Ouro Preto. Dos dez
concorrentes, nenhum mereceu o primeiro prêmio. "Todas as traduções são
más" — concluiu a Comissão que, apenas, concedeu a este soneto menção
honrosa. O resultado do julgamento tem a data de 24 de novembro de 1893.
VICTOR
HUGO (1802-1885)
"A
Judith Gautier" (Ave, Dea; moriturus te salutat!)
(Trad.
de Modesto de Abreu)
Morte e beleza são duas coisas profundas
que têm tanto de sombra e azul, que se
diria
serem duas irmãs terríveis e fecundas
que, em igual segredo, o enigma envolveria.
Cabeleiras ideais, claras vozes jocundas,
brilhai, enquanto eu vejo o findar do meu
dia,
pérolas a vogar nas vagas iracundas,
pássaros divinais da floresta sombria!
Judith, estão bem perto o meu e o teu
destino,
mais que em nosso semblante atestá-lo
possamos:
em teus olhos transluz todo o abismo divino;
e, em minha alma, esse abismo estelífero
mora,
pois vizinhos do céu nós ambos nos achamos,
já que tens a beleza e eu sou velho,
senhora.
GÉRARD
DE NERVAL (1808-1855)
"El
desdichado"
(Trad.
de R. Magalhães Junior)
Eu sou o tenebroso o viúvo —, o inconsolado
Príncipe d'Aquitânia, em triste rebeldia:
é morta a minha estrela — e no meu
constelado
alaúde há o negror, sol da melancolia.
Na noite tumular, em que me hás consolado,
o Pausílipo, a Itália, o mar, a onda
bravia,
dá-me outra vez — e dá-me a flor do meu
agrado
e a ramada em que a rosa ao pâmpano se alia...
Sou Biron? Lusignan? Febo? O Amor?
Adivinha!
As faces me esbraseia o beijo da rainha;
cismo e sonho na gruta em que a sereia nada...
Duas vezes o Aqueronte — é o grande feito
meu —,
transpus a modular, nesta lira de Orfeu,
os suspiros da santa e os clamores da fada...
ALFRED
DE MUSSET (1810-1857)
"Renúncia"
(Versão
de Hélio C. Teixeira)
Mesmo quando o pesar, que fere tanto,
renascer neste morto coração;
mesmo quando, trazendo-me acalanto,
a esperança me der nova ilusão;
mesmo quando o fulgor do teu encanto,
procurando acalmar minha razão,
com ternura e pudor secar meu pranto,
nem assim te direi minha emoção!
Mas, no futuro, certamente, a vida,
que hoje em teu sonho bela continua,
há de deixar-te, enfim, desiludida!
Terás, então, o amor que se escondeu:
a minha mão há de suster a tua,
meu coração há de escutar o teu!
THÉOPHILE
GAUTIER (1811-1872)
"A
dois belos olhos"
(Trad.
de Álvaro Reis)
Sois dona de um olhar misterioso e atraente...
Tal no fundo de um lago a lua refletida,
em vossos olhos rola a pupila, indolente,
onde estranha palheta esplende umedecida...
Eles têm do diamante o fogo, a intensa
vida,
e são de água melhor que a pérola do
Oriente!
E os cílios no agitar da pálpebra tremida,
longos, velam a meio o seu fulgor veemente.
Dois espelhos de chama, onde, em voejos
infindos,
Cupidos vão mirar-se e ainda se acham mais lindos!
Neles se inflamam
sempre os desejos, sem calma...
E tão nítidos são, que deixam ver vossa
alma,
como celeste flor de cálice ideal
que se visse através de um límpido cristal.
CHARLES
BAUDELAIRE (1821-1867)
"Perfume
exótico"
(Trad.
de Guilherme de Almeida)
De olhos fechados, quando, alta noite, no
outono,
respiro o cheiro bom dos teus seios fogosos,
vejo entreabrir-se além cenários
deleitosos,
cintilando ao ardor de um sol morno de sono:
uma ilha preguiçosa, e molenga, e sem dono
em que há árvores ideais e frutos
saborosos;
homens de corpos nus, finos e vigorosos,
mulheres cujo olhar tem franqueza e
abandono.
Guiado por teu perfume às paragens mais
belas,
vejo um porto a arquejar de mastros e de velas
ainda tontos talvez da
vaga alta que ondula,
enquanto um verde aroma — o dos
tamarineiros —
que passeia pelo ar e que aspiro com gula,
se mistura em minha alma à voz dos
marinheiros.
CHARLES
BAUDELAIRE (1821-1867)
“O
sino partido"
(Trad.
de Paulo Cesar Pimentel)
É tão triste e tão doce, em noites
invernosas,
escutar, junto ao fogo alegre e palpitante,
dos ecos do passado as vozes dolorosas
trazidas pelo som de um carrilhão distante.
Feliz do sino que, com notas vigorosas,
inda que muito velho, ergue um canto
vibrante
e espalha seu cantar nas tardes
silenciosas,
qual de uma sentinela o grito penetrante.
Minha alma é como um sino impotente,
partido;
e quando quer cantar sob um céu estrelado,
sua voz mais parece o estertor de um ferido
cuja vida se esvai pelo sangue que escorre,
e que, sob um montão de mortos esmagado,
num esforço final, tenta mover-se e morre!
CHARLES
BAUDELAIRE (1821-1867)
"Um
morto alegre"
(Trad.
de Paulo Cesar Pimentel)
Numa terra sem vida, abandonada e dura,
quero eu mesmo cavar um buraco profundo,
onde possa esticar minha velha ossatura
para dormir tranqüilo, esquecido do mundo.
Odeio o testamento, odeio a sepultura;
a esmolar compaixão como um vil vagabundo,
antes quisera ver minha carcaça impura,
inda viva servir de pasto a um corvo
imundo.
Vermes, amigos meus sem olhos, sem ouvidos,
um morto vos procura alegre e descuidado!
Filhos da podridão, asquerosos e tortos,
sem pena percorrei meus restos corrompidos,
e dizei-me se pode inda ser torturado
este corpo sem alma e mais morto que os
mortos!
CHARLES
BAUDELAIRE (1821-1867)
"O
céu"
(Trad.
de Wenceslau de Queiroz)
Por onde quer que vá, sobre o mar, sobre a
terra,
morador da cidade ou do campo distante,
no côncavo de um vale ou no alto de uma
serra,
sob um clima de gelo ou sob um sol
flamante,
mendigo tenebroso ou Creso rutilante,
quer se conserve em paz, quer se destrua em
guerra,
— o Homem cai a tremer, em qualquer parte,
diante
do Mistério que o Céu — trágico abismo — encerra...
Sempre o Céu! Sempre o Céu! — teto que se ilumina,
no teatro do mundo em que o Homem representa
— mascarado histrião! — a comédia divina;
em que o Homem — pobre ator, cheio de
desenganos —
das paixões arrostando a terrível tormenta,
chora, blasfema e ri — há mais de dez mil
anos...
CHARLES
BAUDELAIRE (1821-1867)
“Remorso
póstumo"
(Trad.
de Guilherme de Almeida)
Quando fores dormir, ó bela tenebrosa,
num negro mausoléu de mármore, e não
tiveres por alcova e morada senão
uma fossa profunda e uma tumba chuvosa;
quando a pedra, oprimindo essa carne
medrosa
e esses flancos sensuais de morna lassidão,
impedir de querer e arfar teu coração
e teus pés de seguir a trilha aventurosa,
o túmulo que tem um confidente em mim
— porque o túmulo sempre há de entender o
poeta —,
na insônia sepulcral dessas noites sem fim,
dir-te-á: "De que serviu, cortesã
incompleta,
não ter tido o que em vão choram os mortos
sós?"
— E o verme te roerá como um remorso atroz.
JOSÉPHIN
SOULARY (1815-1891)
"Os
dois Cortejos"
(Trad.
de Júlio Maciel)
A dois cortejos se abre a igreja. Um em
sombria
tristeza vem: — conduz de um anjo o esquife estreito;
segue-o aflita mulher, e quase tresvaria,
os prantos a afogar no escandecido peito.
É o outro um batizado: — e na faixa macia
se agita o pequenito; a mãe, com mimo e
jeito,
dá-lhe o inefável seio e o afaga e acaricia
e o abraça, a rir, radioso o gesto, em
triunfo o aspeito.
Do templo, batizado e enterro vão-se
embora.
Súbito, as duas mães se encontram... Nesse instante,
uma, furtivo olhar, no olhar da outra
demora.
E — dolorosa cena, ó lance edificante!
A jovem mãe que ria, ao ver o esquife, chora,
e a que chorava ri, ao contemplar o
infante!
JOSÉPHIN SOULARY (1815-1891)
"O
Soneto"
(Trad.
de Álvaro Reis)
Não caberei aqui — diz-me, doida, sorrindo
vou romper-te, afinal, colete de Procusto!
Infla o colo e depois torce o quadril
robusto,
e estorce em demasia um braço airoso e
lindo...
Nessas lutas, paciente, esqueço um tempo
infindo.
Pelo estreito vestuário em que seu talhe ajusto,
ora apertando um laço, ora outro desunindo,
faço passar, por fim, cabeça, espádua e
busto.
Sob as dobras da veste, os contornos,
agora,
desenhemos com arte... E a forma se avigora,
vêde: a roupa flutua e a
beleza se acusa.
Estará bem ou mal nesses traços serenos?
—Nada ao corpo de mais, nem na alma de
menos —
gosto assim da mulher e assim desejo a Musa.
________________
Verso 2 — "Ao poeta, neste verso,
escapou o cochilo mitológico de confundir a túnica de Nesso com o leito de
Procusto"
(Mello Nóbrega).
JOSÉPHIN
SOULARY (1815-1891)
"De
comer a quem tem fome"
(Trad.
do Conde de Sabugosa)
Ferve o vinho nas pedras do lagar,
os campos ei-los prontos e ceifados,
nos celeiros os sacos recheados
pesam no chão e fazem-no estalar.
Gordo rendeiro exulta, e no lidar
arruma, canta, ralha aos seus criados,
e diz: "Se Deus protege os abastados,
manda também com os pobres quinhoar".
Nisto chega um pardal independente
que um grão sustenta, e vai com ar
contente,
pousar ditoso no beiral vizinho.
O dono diz: "Sem ti, grande ladrão,
teria mais um saco de bom pão!"
E a espingarda apontou ao pobrezinho...
THÉODORE
DE BANVILLE (1823-1891)
"Andrómeda"
(Trad. de Álvaro Reis)
Geme
Andrómeda, além, pelo deserto oceano,
nua
e branca, a estorcer os braços num rochedo...
Nada sobre a erma praia, onde o vento, errante
aedo,
canta!
E na vastidão nem um trêmulo pano!
Sob
o seu corpo nu esbraseia o penedo!
E
um sol ardente a beija, impiedoso e profano...
E o glauco monstro investe e
após recua, e, insano,
envolve-a, branca estrela
esmaiada de medo!
Alma
infantil e doce, ela geme, ofegante;
mas
Perseu, vencedor de Atlas, em um momento,
vem, cortando a amplidão, no Pégaso
flamante...
O
herói vem desgrenhado, o áureo gládio empunhando,
e
estática a princesa aspira novo alento,
e
segue, olhos no Azul, o surto formidando!
LECONTE
DE LISLE (1818-1894)
“O
colibri"
(Trad.
de Castro Fonseca)
O verde colibri, rei das colinas,
sentindo o orvalho e o sol claro brilhar
em seu ninho tecido de ervas finas,
qual fresco raio libra-se no ar.
Rápido voa às fontes cristalinas,
onde os bambus murmuram como o mar,
onde o "açoká" de exaltações
divinas
abre-se e vem no coração radiar.
Desce e, pousando na dourada flor,
bebe na rósea taça tanto amor,
que morre sem saber se a flor secara!
Sobre os teus puros lábios, minha amada,
assim morrer minha alma desejara
do teu primeiro beijo perfumada.
________
Verso 7 — Açoká (ou asoká, ou açocá, ou
asocá) Árvore indiana de belas flores, que se ofereciam aos ídolos (vários
séculos antes de Cristo).
LECONTE
DE LISLE (1818-1894)
"O
sono de Leilá"
(Trad.
de Raimundo Correia)
Calmo estio; a água viva não murmura,
nem ave alguma as asas bate, arisca;
apenas, leve, o bengali belisca
da rubra manga a polpa áurea e madura;
no parque real, à sombra verde-escura
das latadas, a lânguida mourisca
Leilá repousa à sesta... O sol faísca
num céu de chumbo ardente, que fulgura.
Oprime o rosto o braço contrafeito;
o âmbar do pé sem meia, docemente,
colora as malhas do pantufo estreito;
dorme e sonha e, sorrindo, o amante chama,
o lábio a abrir — fruto aromado e quente,
que o coração refresca e a boca inflama.
LECONTE
DE LISLE (1818-1894)
"Paisagem
polar"
(Trad.
de Raimundo Correia)
Do mar a imensa escuma o frio aglomerou-a,
e um mundo morto fez, sem luz, sem
vegetais,
e onde do gelo duro as agulhas fatais
rasgam do fusco céu a perpétua garoa;
em avalanches rola a neve, e se amontoa...
Tudo estéril; e atroz confusão de infernais
brados, imprecações, roncos, soluços e ais,
que aos seus clarins de ferro o vento
arranca, troa.
Nivoso, hirto, glacial, das brumas através,
o branco e antigo deus, pai das primevas
raças,
inteiriçado jaz, do promontório aos pés...
E, a babar de volúpia, em meio à cerração,
os ursos — colossais e formidandas massas —
trôpegos,
cá e lá bambaleando vão...
JOSÉ
MARIA DE HERÉDIA (1842-1905)
"Os
argonautas"
(Trad.
de Raimundo Correia)
De Palos — como a errar, longe do azul
natal,
os gerifaltos vão...— em chusmas,
audaciosos,
ávidos capitães, pilotos cobiçosos,
partiram navegando empós de estranho ideal...
Vão conquistar além, das minas do metal,
que Cipango entesoura, os veios fabulosos;
sonham, boiando em luz, países misteriosos,
praias, climas, regiões do mundo ocidental...
Sulcam assim, mar alto, infatigavelmente...
Miragens tropicais, longe,
enganosamente,
esboçam construções e torres de ouro no ar...
E eles à proa vão das alvas caravelas,
vendo só, despenhado em turbilhões de
estrelas,
todo o infinito céu sobre o infinito mar...
__________
Verso 2 — Gerifalto — Ave de rapina,
diurna, da família dos Falcônidas.
JOSÉ
MARIA DE HERÉDIA (1842-1905)
"A
concha"
(Trad.
de Raul Machado)
Por quanto mar gelado, e desde quantos
anos,
— quem
o dirá jamais, róseo e equóreo tesouro?!
a
vaga, a correnteza, a enchente e o sorvedouro
te levaram, rolando, em seus golfões insanos?
Hoje, livre, porém, dos vórtices tiranos,
tentas, feliz, dormir sobre as areias de
ouro.
Mas o tentas em vão! Pois, largo e
imorredouro,
soluça, no teu seio, o choro dos Oceanos!
Minh'alma também lembra uma prisão sonora!
E como, forte, em ti, ainda suspira e chora
da antiga voz do mar a música das águas,
assim, no coração, morto de amor por Ela,
surdo e eterno bramir de longínqua procela
ruge em mim o clamor de inesquecíveis
mágoas!
JOSÉ
MARIA DE HERÉDIA (1842-1905)
"O
leito"
(Trad.
de Carlos Sá)
Sob um docel de seda ou de pano grosseiro,
triste corno um sepulcro, alegre como um ninho,
nele o homem nasce e morre, ama ou dorme
sozinho,
infante, velho, noivo, esposo alvissareiro.
Funéreo ou nupcial, humilde ou sobranceiro,
de crepe amortalhado, enfeitado de arminho,
nele a vida inicia e encerra o seu caminho,
desde o primeiro sol ao círio derradeiro.
Discreto, rude e pobre, ou fidalgo e
valioso,
móvel caro de estilo, esculpido e lavrado
no cedro secular ou no carvalho anoso,
feliz quem pode enfim dormir, sem medo vão,
no leito dos avós, venerando e pesado,
berço e esquife de toda a sua geração.
JOSÉ
MARIA DE HERÉDIA (1842-1905)
"O
banho das ninfas"
(Trad.
de João Ribeiro)
Num canto da floresta escura e densa
por sobre a fonte curva-se um loureiro.
Nua, à ramada a Oréade suspensa
sobre a água dependura o corpo inteiro.
Ao banho, as ninfas; rápido e ligeiro!
E ei-las, as manchas de brancura intensa
dos corpos nus, levípedes; e o cheiro
que a nuvem de ouro do cabelo incensa!...
Lançam-se a nado as deusas em peleja.
Mas, súbito, rompendo os negros flancos
do bosque, o olhar de um Sátiro flameja...
E, nuas, elas sobem aos barrancos...
Tal à vista de um corvo que fareja
debanda a multidão dos cisnes brancos!
JOSÉ
MARIA DE HERÉDIA (1842-1905)
"Antônio
e Cleópatra"
(Trad.
de Álvaro de Castro Lima)
Do elevado mirante, o Egito que dormia
contemplavam os dois, sob um céu sufocante,
e o Rio que através do delta, sussurrante,
para Bubaste ou Sais a onda rola sombria.
Sob a espessa couraça o
"Imperator" sentia
— guerreiro acalentando o sono de um
infante —
volutuoso tombar, sobre seu peito ovante,
o corpo escultural que em seus braços
fremia.
As pálidas feições, entre o negror da coma,
volvendo a Marco Antônio — ela o régio tesouro
dos lábios lhe ofertou para um
ósculo infindo...
E, inclinado sobre ela, o caudilho de Roma
viu cintilar nos olhos seus, mosqueados de
ouro,
todo o infinito mar com galeras fugindo...
JOSÉ
MARIA DE HERÉDIA (1842-1905)
"Flor
secular"
(Trad.
de Severino Montenegro)
Sobre a rocha calcária — ante a última
colina
onde outrora estancou o fluxo de um vulcão,
a semente que o vento alçou em turbilhão,
lançada ao Gualatieri, agarra-se, germina.
Frágil cresceu. Na sombra onde a raiz confina
e, em um século, o sol sazonou o botão,
seu tronco hauriu a seiva inflamada do
chão,
de porte colossal, que a débil haste
inclina.
Enfim, no ar abrasado e que ainda mais
esquenta,
sob o pistilo enorme ele expande, rebenta,
e o estame joga, ao longe, o pólen
multicor;
e o grandioso aloés de flor rubra e tardia,
para o ignoto himeneu que sonhou seu amor,
tem cem anos de vida e só floriu um dia.
JOSÉ
MARIA DE HERÉDIA (1842-1905)
"Sol
ocíduo"
(Trad.
de Raul Machado)
O tojo, que na rocha, enfeitando-a, se
apruma,
redoura os alcantis, que o sol poente ilumina;
longe, eterno, a alvejar numa franja de
espuma,
o mar sem fim começa onde a terra termina.
Tudo em torno é silêncio, e se apaga, e se
esfuma;
o homem recolhe à choça, o pássaro não trina;
somente um campanário, em
vibrações na bruma,
junta ao rumor do oceano a prece vespertina.
Do vale, da planície e da quebrada,
estranho,
sobe, agora, um confuso e longínquo
murmúrio
de pastores levando ao redil o rebanho.
Roxo manto de sombra o horizonte recama
e o sol poente, num céu angustiado e
purpúreo,
fecha as palhetas de ouro ao seu leque de chama.
SULLY-PRUDHOMME
(1839-1907)
"O
estranho"
(Trad.
de Rafael Simon)
"De que país és tu?" — a mim
mesmo inquirindo,
quantas vezes tentei penetrar no segredo
da
saudade em que vou meus dias consumindo,
como se fora a terra um perene
degredo.
Que paraíso, entanto, abandonei, que cedo
cada vez mais me fui órfão de um céu
sentindo?
Para achar feio o sol e achar o mel azedo,
mel mais doce provei ou gozei sol mais
lindo?
Uma causa procuro à infinda nostalgia
que me estringe de dor, me aperta, me
angustia,
e entre os sonhos e o tédio a vida me
consome.
E, sem saber eu mesmo o que esta dor
exprime,
ouço chorar em mim um estranho sublime
que sempre me ocultou sua pátria e seu
nome.
SULLY-PRUDHOMME
(1839-1907)
"A
louca"
(Trad.
de Raimundo Correia)
Dia e noite ela errava a ver quem descobria
a flor que vira acaso, um dia, na Alemanha;
pequena e débil flor, flor como as da montanha,
de um perfume esquisito e de uma cor
sombria;
das viagens que fez, trouxe a melancolia
e o incurável pungir dessa lembrança
estranha;
certo encanto mortal, sem dúvida, acompanha
a flor que na Alemanha, acaso, vira um dia.
— Quem, porventura, o odor lhe aspira ao
cálix, sente
um novo mundo n’alma, abrir-se de repente —
dizia ela a morrer, saudosa desse odor.
Por ela muita gente a planta em vão
buscara;
mas a Alemanha é grande e aquela flor é
rara,
e a louca morre, enfim, sem ver de novo a
flor.
SULLY-PRUDHOMME
(1839-1907)
"As
lembranças"
(Trad.
de Augusto de Lima)
Das velhas impressões da infância a idéia
grata
perdura-nos fiel, volvam embora os anos;
em vão do nosso Abril as flores sofrem
danos,
a imagem delas fica indelével, exata.
Ao contrário, ai de nós! — ninguém conserva
intata
a memória, apesar de esforços sobre-humanos,
das novas emoções, efêmeros enganos,
cujo traço se apaga apenas se retrata.
Como esperto escanção que no banquete a
taça
entretém sempre cheia, a cada vez que passa,
passa o tempo e nos enche a
memória também.
A lembrança mais nova é a gota derradeira,
que ao choque mais sutil, transborda e cai;
porém, no fundo permanece a primitiva
inteira.
_____
Verso 9 — Escanção: outrora o oficial da casa real que deitava o
vinho na taça e a apresentava ao rei; o que dá a beber aos convidados
(Aurélio Buarque de Holanda Ferreira).
SULLY-PRUDHOMME
(1839-1907)
"A
Filosofia"
(Trad.
de Antônio Sales)
Uma triste mulher, que em si mesma,
silente,
se abisma, em pé curvada: eis a Filosofia.
Solitária, na sombra entra, e ali se confia
aos impulsos da fé, que em seu íntimo
sente.
A terra, as estações, o azul
resplandecente,
a volúpia falaz que da vida irradia,
tudo o que o nosso olhar percebe, a deixa
fria:
ela reclama e busca um sempiterno ausente.
Virgem augusta, eu te amo e o teu pesar
compreendo:
de ti me aproximando, o meu hálito prendo,
para não perturbar o teu labor divino.
Porque de tua boca eu espero o segredo,
que desejo saber e de que tenho medo:
— minha origem qual é, e qual é meu
destino?
CATULE
MENDÈS (1841-1909)
"A
última abelha"
(Trad.
de Raimundo Correia — de um poema que não é um soneto no original)
Chuvas, trovões, relâmpagos... Maria
de roca e fuso toda a noite vela;
súbito, ouve um rumor nos vidros, e ela
ergueu-se, a fim de ver o que seria;
era um inseto; exposto à ventania,
tirita; a água da chuva o ensopa e gela,
e as asas, na vidraça úmida e fria,
bate... Nossa Senhora abre a janela.
Entre dois dedos toma-o. Vê, contente,
no inseto a abelha-mestra de um cortiço;
recolhe-o ao seio caridoso e quente;
e as duas asas trêmulas, vermelhas,
num beijo terno enxuga-lhe... Sem isso,
o Verão não teria mais abelhas.
_____
Nota de Múcio Leão: Observe-se, neste
soneto, a simultaneidade dos tempos verbais — o passado e o presente: vela... ergueu-se...
era... tirita...
PAUL
VERLAINE (1844-1896)
"Meu
sonho familiar"
(Trad.
de Carlindo Lellis)
Tenho este sonho: existe uma mulher
que eu não conheço e o seu carinho estende
sobre os meus males todos; que me quer
como eu a quero; enfim, que me compreende.
Nem um pesar, nem uma dor sequer
sofro sem que ela o sinta: ela me entende
e a grande dor que a minha fronte pende,
com seu pranto, ela faz amortecer.
É ela morena ou loura? Eu mesmo ignoro.
Seu nome? É tão querido como o nome
das pessoas amadas que morreram.
Olhos de estátua que um pesar consome!
Tem sua voz o timbre almo e sonoro
das vozes caras que se emudeceram.
PAUL
VERLAINE (1844-1896)
(Trad.
de Manuel Bandeira)
No ermo da mata o som da trompa ecoa,
vem expirar embaixo da colina.
E uma dor de orfandade se imagina
na brisa, que em ladridos erra à toa.
A alma do lobo nessa voz ressoa...
Enche os vales e o céu, baixa à campina,
numa agonia que à ternura inclina
e que tanto seduz quanto magoa.
Para tornar mais suave esse lamento,
através do crepúsculo sangrento,
como linho desfeito a neve cai.
Tão brando é o ar da tarde, que parece
um suspiro do outono. E a noite desce
sobre a paisagem lenta que se esvai.
PAUL
VERLAINE (1844-1896)
"Parábolas"
(Trad.
de Edmundo Costa)
Sê bendito, meu Deus, que a fé cristã me
deste,
nesta quadra feroz de sombra e de rancor.
Dá-me a força, porém, dá-me a audácia
celeste
de te ser sempre fiel, tal como um cão,
Senhor;
de ser o teu cordeiro eleito, que se
apreste
— seguindo a ovelha mansa e atendendo ao
pastor —
a imolar sua vida e a lã de que se veste,
quando queira o zagal daqueles bens dispor;
o peixe que a Jesus de símbolo servia;
o jumento plebeu, que Ele um dia montou;
e o porco vil que do meu corpo esconjurou.
Pois nestes tempos maus, de luta e
hipocrisia,
o animal, no cumprir seu humilde mister,
é mais puro e melhor do que o homem e a
mulher.
PAUL
VERLAINE (1844-1896)
"A
uma mulher"
(Trad.
de Augusto Rodrigues)
A vós, os versos meus, pela consoladora
graça do vosso olhar onde o sonho palpita.
Pela vossa alma pura e boa, esta infinita,
triste expressão de amor, terníssima e
opressora.
É que — ai de mim! — o pesadelo que nesta
hora
me domina, vai louco, a recordar, em grita,
lobos famintos que o meu sangue mais
excita,
matando em minha sorte a sede abrasadora.
Eu sofro, eu sofro horrivelmente, tanto,
tanto,
que o gemido de dor do homem primeiro,
ouvi-lo fora ouvir junto ao meu o murmúrio
de um canto.
E o suspiro que vós podeis soltar, é
apenas,
como, em setembro, em tarde calma e céu
tranqüilo,
andorinhas a voar, cruzando o azul,
serenas.
PAUL
VERLAINE (1844-1896)
"Moderação"
(Trad.
de Batista Cepelos)
Languidez, languidez! Tem paciência,
formosa!
Acalma esse febril e indômito desejo!
A amante deve ter, no embate mais sobejo,
o abandono da irmã, tímida e carinhosa.
Em teus afagos, pois, sê branda e
langorosa,
como do teu olhar o dormente lampejo,
que embora fementido, um prolongado beijo
vale mais que a expressão da carne
luxuriosa.
Tu me dizes, porém, que no teu seio
ardente,
ruge a fulva paixão, famulenta e bravia;
pois deixá-la rugir desenfreadamente!
A fronte em minha fronte e a mão na minha
presa,
choremos, doce amor, até que venha o dia,
jurando o que amanhã negarás com certeza!
ARTHUR
RIMBAUD (1854-1891)
("Le dormeur du val")
"O
jovem adormecido do vale"
(Trad.
de Hélio C. Teixeira)
No vale verdejante, um córrego murmura
e surgem pela grama uns farrapos de prata,
quando o sol, da montanha, a dominar a
altura,
vem, luzindo, espalhar centelhas pela mata.
Estendido num canto, em meio da verdura,
dorme jovem soldado e seu rosto retrata
a palidez, enquanto a claridade pura
doce pranto de luz parece que desata.
Tem lírios sob os pés e dorme sorridente,
qual sorriria, em sonho, um menino doente,
mas dorme e, tendo frio, a natureza o
aquece;
porém, nenhum perfume o faz fremir no
leito,
pois, rubros, a sangrar, dois furos tem no
peito,
onde repousa a mão tranqüila, como em prece.
EDOUARD
PAILLERON (1834-1899)
"Dilema"
(Trad.
de Guimarães Passos)
Sê altivo — ouvirás contra ti mil rumores;
humilde — qualquer um julgar-te-á seu
vassalo;
rico — servos terás como Sardanapalo;
pobre — ai de ti! — ver-te-ás cercado de
credores.
Sê franco — eis a teu lado os vis
caluniadores;
ladino — ao teu encalço eis a lei, a cavalo;
ama — serás tu só que sofrerás abalo;
sê amado — outro és e não terás amores.
Sê só — tu maldirás a tua soledade;
unido — chorarás a antiga liberdade...
Para seres, enfim, sem sofrer, que te
ocorre?
Sê alguém, sejas nada, inteligente ou rudo;
sê dos que nada têm, sê dos que gozam tudo,
para teres razão, só tens um meio: morre!
ALBERT
SAMAIN (1858-1900)
"Cleópatra"
II
(Trad.
de Álvaro Reis)
Densa, a noite a pesar sobre o Nilo
obscuro.
Cleópatra, arrebatada à luz fria e esplendente
dos astros, afastando as servas, de
repente,
rasga as vestes num gesto impudico e seguro...
De pé, no alto terraço, a plástica
imponente
mostra cheia de amor como um fruto maduro!
Toda nua, ela vibra, ignívoma serpente,
do vento ao morno beijo, alva, no cimo
escuro.
Ela quer tenha o mundo o perfume
da sua carne! E ao olhar, fulge-lhe
estranho lume.
— sombria flor do sexo esparsa no ar
noturno —
E a Esfinge, pelo areal do tédio taciturno,
sente um fogo invadir-lhe o impassível
granito,
e um frêmito percorre o deserto infinito...
PAUL-ARMAND
SILVESTRE (1837-1901)
"Prometeu"
(Trad
de Álvaro Reis)
Rubro, o tronco a estorcer na bruta
penedia,
ele atordoa os céus, num gemer formidando:
— Companheiro, de quem sou pasto noite e
dia,
leva o meu coração aos teus filhos, sangrando!
Vamos... no peito meu tuas garras enfia;
dar-te-ei grandes festins, em que te irás
saciando.
Mas não és meu maior tormento, ave sombria,
sepulcro vivo que me vai,
vivo, tragando!
Abutre! Ave feral — tu que a morte
acompanhas,
sem pena, sem remorso, arranca-me as entranhas;
nem tuas garras
cruéis, nem teu bico em meu seio
hão de igualar-se, nunca, à aflição
desmarcada
deste maldito Azul, abóbada pesada,
irônico esplendor, calma dos céus que
odeio!
MAURICE
ROLLINAT (1846-1903)
"A
Biblioteca"
(Trad.
de Álvaro Reis)
Sombria, ela evocava esses bosques
incultos;
treze lampiões de ferro oblongos e
ancestrais,
sobre livros, ao pó do tempo, e à sombra
ocultos,
lançavam dia e noite uns clarões sepulcrais...
Sempre eu tremia quando entrava os seus
umbrais;
— e entre sombras me via, e
entre roucos singultos,
diante treze senis poltronas espectrais,
e sob o austero olhar de treze grandes
vultos.
Um dia, à meia-noite, eu, de uma das
janelas
olhava, a aparecer e a desaparecer,
o duende que se esgueira e salta pelas
vielas...
quando se me gelou de súbito a razão...
Treze vezes ouvi o relógio bater
no silêncio feral do maldito salão!
FRANÇOIS
COPPÉE (1842-1908)
"Na
tasca" Título original: "Le cabaret"
(Trad.
de Raimundo Correia)
Dentro, na esconsa mesa, onde fervia
fulvo enxame de moscas sussurrantes,
num raio escasso e trêmulo do dia,
espanejando as asas faiscantes,
vi-o: — bêbado estava, e inebriantes
e capitosos vinhos mais bebia,
e em tédio, como os fartos ruminantes,
a larga boca, estúpido, movia...
E eu pensativo, eu pálido, eu descrente,
aproximei-me do ébrio, com tristeza,
sem ele quase o pressentir sequer;
e vi: — seu dedo, aos poucos, lentamente,
no vinho esparso, que ensopava a mesa,
ia traçando um nome de mulher...
FRANÇOIS
COPPÉE (1842-1908)
"Ruínas
do coração"
(Trad.
de Ávaro Reis)
Era meu coração um palácio romano,
de mármore construído e pedrarias caras;
muito cedo as paixões invadiram-no,
ignaras,
num confuso tropel de bárbaros, insano.
E tudo desabou... Nenhum rumor humano;
só mochos e reptis; flores sem viço e
raras;
partidos pelo chão, porfírios e carraras,
e a encobrir o caminho o matagal profano.
Diante desse desastre eu fiquei muitos
dias;
manhãs, tardes sem sol e noites sem fulgores
passaram; lá vivi horas
longas, sombrias...
Mas surgiste, afinal, numa luz soberana!
E audaz, para abrigar nossos doces amores,
das ruínas do palácio ergui minha choupana.
FRANÇOIS
COPPÉE (1842-1908)
"Para
sempre"
(Trad.
de Antônio Sales)
Murmuras: "Para sempre!" ao meu
ombro inclinada.
Nossa separação virá, no entanto. É a sorte.
Um de nós, o primeiro, há de encontrar a
morte,
e do chorão dormir sob a triste ramada.
Vinte vezes, do cais, já vira a marujada
ao molhe regressar o brigue de alto porte;
mas um dia se fez de rumo para o Norte,
e o Polo o sepultou sob o gelo. Mais nada.
Vinte anos ao beiral, com a primavera, o
bando
de andorinhas volveu, jubiloso, chilrando;
mas o verão chegou, e eu não as vejo mais.
Juras de eterno amor teus doces lábios
soltam...
Mas eu penso no adeus dos que
vão e não voltam...
Por que a palavra
"sempre" em boca de mortais?
PlERRE
DE NOLHAC (1859-1936)
"O
amor de Ronsard"
(Trad.
de Modesto de Abreu)
Ronsard, ao envelhecer, vendo o declínio
perto,
reconhecendo vãs as glórias passageiras,
desejou renunciar às paixões traiçoeiras
e ornar de casta flor seu túmulo deserto.
Sua Musa tendo dado e o coração oferto
a uma bela das mais gentis e alvissareiras,
seu estro consagrou-lhe em poesias
fagueiras
e, nesse último amor, foi mais feliz, por
certo.
Deixando a Corte falsa — almas ternas e unidas
—
iam buscar o amor nas campinas floridas
— o amor, que torna a vida uma coisa
eternal.
Vendo-a bela, cuidava o poeta, amargurado,
que envelhecia e o seu momento era chegado:
ela, porém, sorria, ao saber-se imortal!
EDMOND
ROSTAND (1868-1918)
"A
Sarah Bernhardt"
(Trad.
de Modesto de Abreu)
Só tu, somente tu, nestes tempos funestos,
escadarias reais sabes, nobre, descer,
mantos cingir, armas terçar, flores trazer,
rainha da atitude e princesa dos gestos!
Nestes tempos sem flama, ouvem-se os teus
protestos:
morres de amor, sobes ao céu, sabes dizer,
ora braços de sonho, ou de carne, a
estender,
e, é só Fedra surgir, todos somos Incestos!
Ávida de sofrer, para as paixões renasces.
Todos vimos correr o pranto em tuas faces,
lágrimas nossas, dos teus olhos a jorrar;
mas tu sabes também, Sarah, que, em certas
cenas,
os lábios de Shakespeare, enquanto
contracenas,
vêm de leve, os anéis dos teus dedos beijar!
JEAN
RICHEPIN (1849-1926)
"Tuas
palavras"
(Trad.
de Álvaro Reis)
Tuas palavras têm melodias divinas,
acordes de cristal, pianíssimo, vibrando!
De olhos cerrados fico, imerso em gozo,
quando,
dizendo-me um segredo, o alvo pescoço inclinas...
Então não me inebria o olor das balsaminas
de tua boca — é, mais o tom límpido e brando,
que dás a uma palavra, a um simples
"sim", falando...
Tuas palavras têm meiguices peregrinas!
Eis, pois, o que me faz dormentes os
sentidos;
ouço-te, sem saber o que estás a dizer-me,
qual numa língua estranha e suave aos meus
ouvidos!
E em pleno arrebatar dos êxtases radiosos
sinto invisível mão percorrer-me a epiderme...
Tuas palavras, flor! têm dedos cariciosos...
JEAN
RICHEPIN (1849-1926)
“A
Torre de Babel"
(Trad.
de Wenceslau de Queiroz)
Mais alto! ainda mais alto! estes altos pilares
ergamos! Torres sobre torres! Nos espaços,
terraços colossais sobre vastos terraços
percam de vista, em cima e ao longe, a
terra e os mares!
Toquemos com a mão os constelados passos!
Mais arcarias! mais paredes aos milhares!
Subamos sempre! até que lá no azul dos ares
deixemos o sinal firme dos nossos passos...
Mas em vão nosso orgulho, armado de
paciência,
a torre de Babel em construir persiste,
criando a Religião, a Arte, a Indústria, a
Ciência...
Em vão! porque essa torre, instável como a
bruma,
não passa de ilusão que só na mente existe,
e o céu nos foge... o céu se afasta... o
céu se esfuma...
JEAN
RICHEPIN (1849-1926)
“A
origem da taça"
(Trad.
de Ary de Mesquita)
Na antiguidade grega, um gênio sublimado,
certa vez quis deixar no Paros esculpida
uma taça. Mas nunca ele vira na vida
um modelo sublime e ideal para moldado.
Quando à noite, porém, do seu buril
cansado,
os seios foi beijar da hetera preferida,
o ateniense pasmou: que contorno! A medida!
E a taça assim surgiu no helênico passado.
O seio inspirador, amado e deslumbrante,
que serviu pra moldar o sonho de um artista
a quem pertenceria? E cala toda gente...
Ninguém logrou saber, mas, graças ao
amante,
graças ao escultor a caça ali se avista,
feita de pedra eterna, indefinidamente...
CÉCILE
PÉRIN (1877-1959)
"Ciúme"
(Trad.
de Guilherme de Almeida)
Outras mulheres te sorriram, bem o sei,
e murmuraram já o que a minha voz murmura:
e tu guardas em ti, tesouro de algum rei,
recordações de outro prazer, de outra amargura.
Tudo o que sei me faz sofrer — tudo o que
sei!
Mas, meu amigo, o que eu ignoro me tortura!
Quis dar-te o esquecimento: e apenas
encontrei,
para trazer-te, o meu amor como água pura.
Eu quisera apagar, no teu, qualquer olhar;
quebrar, como um espelho, o brilho singular
da saudade no fundo esquivo de tua alma;
sorver num beijo só tuas recordações,
possuir-te a mocidade ardente, grave e
calma...
E ouço, em teu coração, bater mil corações!
PAUL
BOURGET (1852-1935)
"Resignado"
(Trad.
de Carlindo Lellis)
Forte e dourada, a luz desta manhã de estio
colma em brilhos de sol a esmeralda
radiante
dos bosques onde vaga o profundo amavio
posto em cântico de ave, estranho e
eletrizante.
Da borboleta inquieta — asas de um fugidio
íris de brilho e sol — à novilha distante,
tudo, ante a grande luz primaveril envio,
tudo, feliz, palpita e vibra a cada
instante.
Eu arrasto, no entanto, assim como num fado
cruel, o meu pesar e esta estranha agonia,
e a eles nem esta luz da primavera aquece.
E não esquecerei as traições do passado
bem como, agora, a Terra, ao fulgor deste
dia,
a frieza do inverno, e o horror da neve
esquece?
HENRI
DE RÉGNIER (1864-1936)
“Racine”
(Trad.
de Modesto de Abreu)
Racine terminou a tarefa encetada:
cotovelos na mesa, ofega, triunfante.
Com ruído intermitente, em seu pulso
possante,
à pena já não morde a página arranhada.
De ferino epigrama, ou sátira, ou piada,
achou a ponta acerba ou o traço irritante?
Não, cuidado mais nobre o deixou ofegante
e ele, ansioso, relê a cena terminada.
Seu olhar, cuja arguta expressão o define,
e dele fez dizer: "o pérfido
Racine",
é pensativo, nobre e cheio de meiguice.
Porque testemunhou — esplêndida ironia! —
os adeuses que a Tito esquivo dirigia
a amorosa, a sensual rainha Berenice.
HENRI
DE RÉGNIER (1864-1936)
"Molière"
(Trad.
de Modesto de Abreu)
O criado gatuno, o patrão furioso,
o idiota, o marquês, o lambão, o pedante,
o boticário, tudo era-lhe precioso,
do miserável pária ao Júpiter Tonante.
A intriga e a confusão, o gesto donairoso
e a cabriola, a ironia e o riso esfuziante
e o saco de Scapin, e até, indecoroso,
o Turco obeso, com seu rúbido turbante.
Porém, alta comédia ou farsa de ribalta,
de tudo que criou seu gênio incomparável,
fez a verdade, sob a inspiração mais alta.
Para viver, no entanto, este gênio imortal,
que recebeu da glória o ósculo inefável,
necessitou de ser saltimbanco e jogral!
EDMOND
HARAUCOURT (1856-1941)
"A
Eleita"
(Trad.
de Durval Mendonça)
Desejei um amor tão voraz e sem pejo,
insaciável de carne, a sorver sangue em
festa,
selvagem, a exalar um cheiro de floresta
que fremisse ao prazer e ao delírio de um
beijo.
Então, leve e
felino, este corpo que almejo
surge, espargindo odor
que me excita e requesta,
ondulante e
sensual. Todo o meu ser se apresta
para entregar-se ao teu na
glória do desejo.
E passaste por mim sem me ver e te amei,
eras a prometida e jamais te alcancei,
seguiste teu destino ao calor de outros
braços.
Um duplo anseio pôs meus passos sobre os
teus;
minha vida foi tua e teus sonhos os meus:
mas eu te esquecerei e apagarei teus
passos.
EDMOND
HARAUCOURT (1856-1941)
"A
Deus"
(Trad.
de Wenceslau de Queiroz)
Se é verdade que tu, ó Deus, Juiz Supremo,
existes, mas a quem blasfemei; se é verdade
que devo um dia, inerme e nu, na Eternidade,
esperar a teus pés o meu castigo extremo:
tu, ó Deus, perdoarás o meu grito blasfemo,
tu, ó Deus, perdoarás a minha iniqüidade,
pois sabes que, na Dor, a Dúvida me invade
e não me escuta o Céu quando por terra eu
gemo.
Sabes — e tu somente! — o fundo desta chaga
que
toda a minha vida em pranto e sangue alaga;
sabes tu só, só tu, meu desespero
eterno...
Ninguém sondou meu mal — mal secreto e
profundo!
Porque fiz sempre rir meu pranto neste
mundo
e sempre enchi de luz e de anjos meu
Inferno!
EDMOND
HARAUCOURT (1856-1941)
"O
cavalo do Fiacre"
(Trad.
de Álvaro Reis)
Dia e noite a correr sob o vento gelado,
quer o sol esbraseie e o aguaceiro redobre,
com esforço assoprando as narinas, o pobre
cavalo vai trotando, eterno torturado!
Feia crina pendente e encrespada lhe
encobre,
como grossa cortina o pescoço alongado;
e o arreio, a ferralhar, traz-lhe o dorso
esfolado,
e o freio, a retinir, segue-o, qual triste
dobre.
É doce o seu olhar, como é seu pensamento!
Testa baixa, ele vai; ruminando do crime
o perdão, e da dor o nobre esquecimento!
Todos, ante esse herói que se afadiga
tanto,
passam sem ver sequer a alimária sublime,
que, se acaso homem fosse, até seria um
santo!
(Das
páginas 267 a 311 de “O Mundo Maravilhoso
do Soneto”, de Vasco de Castro Lima)
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