Rio de Janeiro, 2016
ENTARDECER
Romildes
de Meirelles
A
tarde cai. Num gesto de agonia
o
céu se tinge de vermelho vivo...
Passa
voando um pássaro furtivo
em
busca de seu ninho. É o fim do dia...
Paira
no ar atroz melancolia!
O
fim da tarde torna-se lascivo,
e
me faz triste, lasso e pensativo
imerso
na mais funda nostalgia.
Nada
perturba a doce mansuetude
do
fim tarde.. é a paz em plenitude
que
anuncia este belo anoitecer.
Para
apagar o seu fulgor insano
o
sol mergulha fundo no oceano...
...
e a mão da noite embrulha o entardecer!
AS
DORES DO MUNDO
Romildes
de Meirelles
Às
vezes, quando imerso em nostalgia,
Pressinto
no olhar o amargo pranto,
busco
o arrimo seguro da poesia,
enxugo
os olhos e feliz eu canto.
Mas
quando a noite é tenebrosa e fria
e
eu me agasalho sob um quente manto,
penso
que passa, para meu espanto,
em
minha rua uma criança esguia,
magra,
despida, a tiritar de frio,
vejo
um futuro tétrico e sombrio
para
nosso universo moribundo
e
sinto na alma tantos amargores,
que
até penso, que herdei todas as dores
que
existem espalhadas pelo mundo.
O
RISO DA CRIANÇA
Romildes
de Meirelles
Sei
que foi Deus quem fez toda a beleza,
fez
tudo que há de mais belo neste mundo:
Deus
fez a Lua, o Sol, o mar profundo,
Deus
fez o lago, o rio e a correnteza,
Deus
fez o luar, a mata, a Natureza,
fez
bela flor nascer do lodo imundo,
fez
nosso solo rico e tão fecundo,
e
do Universo fez toda a grandeza.
Eu
sei que Deus fez tudo que há na Terra,
toda
a beleza que este mundo encerra,
no
Sol, na Lua, no Universo infindo!
Porém
Sua obra mais perfeita e bela,
a
mais sublime e mais bonita tela,
é
o esplendor de uma criança rindo!
O
ABORTO
Romildes
de Meirelles
Dentro
do ventre um grito angustiado:
Não
me mates, mãezinha, por favor,
deixa
eu nascer, sou fruto de um amor
e
se por esse amor eu fui gerado,
Por
que morrer assim, assassinado,
sem
ter culpa, inocente, mãe!? Que horror!
Inda
sou tenro e frágil como a flor,
então
por que, meu Deus, ser abortado?
Quero
viver, mãezinha, em teu regaço
quero
ser embalado por teu braço
e
nos teus olhos ver do amor o brilho.
Por
que renegas a maternidade?
Por
que rejeitas a felicidade
de
um dia me chamares de: MEU FILHO!?...
MEU
CANTO
Romildes
de Meirelles
Onde
passei ao longo dos caminhos,
fui
semeando sonho, amor, poesia.
Semeei
lindos sonhos onde havia
desilusões,
angústias, descaminhos.
Amor
eu dei a quem de amor sofria,
repus
de volta pássaros nos ninhos,
cobri
de afagos beijos e carinhos
a
quem jamais tivera uma alegria.
Com
voz cheia de música e de verso
eu
vou entoando um canto no universo,
espalhando
a beleza, o amor e a calma.
Por
entre os povos, parto assim cantando
e
com música e versos vou deixando,
em
cada canto, um pouco de minha alma.
DESILUSÃO
Romildes
de Meirelles
Lutei,
não posso mais, a luta cansa!...
No
altar da vida as armas eu deponho.
Busquei
concretizar todo o meu sonho
num
mar tempestuoso, sem bonança.
Sempre
lutei, meu Deus, com confiança,
com
bravura e denodo, hoje me imponho
esta
derrota e vejo bem tristonho
que
nem mais busco a bem-aventurança.
De
que vale lutar contra o destino,
se
lutei qual antigo paladino
nesta
batalha atroz de todo dia?
Lutei
com persistência qual um monge,
vendo
meu sonho cada vez mais longe
"numa
eterna esperança que se adia!"
QUANDO
EU MORRER
Romildes
de Meirelles
Quando
eu morrer, dispensarei lamento,
não
quero ir triste para a cova fria,
quero
levar, comigo, a voz do vento
cantando
versos cheios de harmonia.
Quero
que tenha, o meu sepultamento,
mulheres,
vinhos, risos e alegria,
nada
de choro nem de hipocrisia,
tristezas
falsas em meu passamento!...
Porém
quando você, mulher querida,
cerrar
meus olhos frios, já sem vida
para
a final partida deste mundo,
note
bem uma coisa singular:
repare
que em meu derradeiro olhar
seu
vulto ficou preso lá no fundo!...
O
PÁSSARO E EU
Romildes
de Meirelles
Preso
à gaiola um pobre passarinho
entoa
em trinos linda melodia.
Seu
canto é triste, cheio de agonia,
são
lembranças do espaço, a mata e o ninho!
Mas
ele canta ali, mesmo sozinho,
sua
tristeza e sua nostalgia
e
em breves notas tece a sinfonia
que
suave se espalha no caminho.
Como
poeta eu sou igual às aves
se
canto meu amor em tons suaves
ou
canto minha vida em tons tristonhos.
Qual
o pássaro estou amargurado,
pois
vivo igual a ele enclausurado,
preso
à gaiola de meus próprios sonhos.
ESSA
MULHER
Romildes
de Meirelles
Essa
mulher que vejo diariamente,
às
vezes cedo no raiar do dia,
outras
à tarde no tocar plangente
do
sino anunciando a Ave Maria.
Essa
mulher povoa a minha mente
e
faz do meu viver uma alegria:
faz
o tempo passar rapidamente
sempre
que está em minha companhia.
Quando
sorri meu coração se inflama
só
de pensar: Essa é a mulher que me ama
e
será todo meu seu coração.
E
vou seguindo-a quando tenho ensejos
unicamente
para pôr meus beijos
nos
passos que ela deixa pelo chão.
SÓ
Romildes
de Meirelles
Sigo
da vida este áspero caminho
da
meta que o destino me traçou.
Entre
os escolhos, palmilhando vou,
pisando
em pedras, cardos e em espinho.
Quase
no fim da estrada agreste, sou
o
anacoreta que ficou sozinho,
sem
parentes e amigos. Que restou
de
quem, a muitos, deu tanto carinho?
Só
este vulto pálido e encurvado,
que
hoje se encontra só e abandonado,
entregue
à sorte negra, má, falaz.
Já
se fecharam todos os abrigos,
eu
sigo só sem encontrar amigos...
...
té minha sombra não me segue mais!
A
VELA
Romildes
de Meirelles
Uma
pequena vela... ó que lição bonita
esta
modesta luz, nos traz, bruxuleante!
Feita
em cera, envolvendo uns poucos fios, crepita
com
fraca luz que brilha apenas breve instante.
Dura
bem pouco... a vela está agonizante!
A
luz tremeluzente enfraquece e se agita.
Seu
viver é fugaz... logo queima o barbante,
acaba
a cera... e está sua vida finita.
Em
pouco tempo deu, o círio, a breve vida
pela
luz. Tudo findo! A missão foi cumprida.
A
alaranjada chama agora não reluz...
Como
invejo, meu Deus, o destino da vela!
Quisera
fosse igual o meu fadário ao dela:
ver
todo o corpo meu se transformar em luz!...
ACREDITEI
SER DEUS
Romildes
de Meirelles
Passei
a adolescência em busca da alegria
com
mulheres, com vinho, a cata permanente
do
prazer de viver. E, assim, sempre na orgia,
gastei
a minha vida em farras diariamente.
Mas
o tempo, que rege a nossa vida, guia
nossa
alma em direção, às vezes, diferente
da
meta original. Se a minha alma crescia
melhorava
meu corpo e também, minha mente.
Um
dia eu encontrei um anjo dedicado
que
tornou meu viver, por Deus, abençoado
e
me cobriu de luz com os encanto seus.
Mas
meu grande prazer se completou, enfim,
Quando
meus filhos vi. Pois juro, foi assim,
que
me tornando pai, acreditei ser Deus
TEU
RETRATO
Romildes
de Meirelles
Se
Rafael te retratasse um dia
seria
então a mais bonita tela
de
uma mulher encantadora, bela
de
corpo, e alma cheia de magia.
O
teu perfil de deusa, pintaria
com
as mais lindas cores da aquarela.
Dourava
a boca que ao sorrir revela
pérolas
brancas de ourivesaria;
punha
em teus lábios pétalas de flor,
pintava
os seios túmidos de amor;
e
terminando, em linhas sedutoras,
punha
em teus olhos brilhos de luar
refletidos
no verde azul do mar
e,
em teu riso, crepúsculos e auroras.
CEGO
Romildes
de Meirelles
Eu
já não vejo o despontar do dia
Nem
quando o sol se esconde no ocidente,
não
vejo a luz da lua alvinitente,
iluminando
a noite longa e fria.
Não
vejo as cores como outrora eu via
nem
o desabrochar da flor ridente,
já
não vejo o oceano onipotente
lançar-se
em fúria contra a penedia.
Já
não enxergo as coisas que eu mais quero,
porém
sou forte e não me desespero
nem
deixo que em meus olhos role o pranto,
pra
isto, guardo fundo na lembrança
o
encantador sorriso da criança
e
o vulto da mulher que eu amo tanto.
A
LÁGRIMA
Romildes
de Meirelles
Quimicamente
a lágrima consiste
de
alguns sais; a cor é cristalina;
sendo
de gosto um tanto alcalina,
mas
d’água pura pouco, talvez diste.
Para
o poeta a lágrima existe
como
uma pérola, dádiva divina,
encerrando
em uma gota pequenina
todo
o mistério de uma vida triste!..
Há
lágrimas que correm pela face
sendo
visíveis, sem qualquer disfarce;
outras,
secretas, do imo nos refolhos,
quando
emanadas do âmago do peito
é
o coração em pranto liquefeito
a
escorrer lentamente pelos olhos!...
FIM
DE ESTRADA
Romildes
de Meirelles
Nessa
comprida estrada da existência,
que
venho palmilhando em dura lida,
já
levei muitas lutas de vencida
também
derrotas tive com freqüência.
Hoje
me pesa toda a experiência
amealhada
ao longo desta vida.
Se
já amarguei o fel da decaída,
aspirei
das vitórias muita essência.
Porém
agora já no fim da estrada,
toda
a porta em que bato está fechada
e
torna - se mais áspero o terreno.
E
assim na vida tudo hoje me assombra
até
na árvore se eu busco a sombra:
"a sombra é
triste e o fruto tem veneno".
TRISTEZA
Romildes
de Meirelles
Na
tristonha penumbra ao fim do dia,
na
hora que o sol se esconde no poente
e
a escuridão da noite lentamente
envolve
a terra em doce nostalgia;
Quando
os amenos sons da Ave Maria
vibram
pelo ar como canção plangente;
quando
os sinos badalam docemente
espalhando
uma triste melodia,
meu
pensamento volta-se ao passado,
teu
belo vulto vejo emoldurado
dentro
de um halo de fulgor divino.
Na
tristeza dolente que me invade
sinto
meu peito encher-se de saudade
ouvindo
o triste repicar do sino.
-
e o dia morre sem deixar saudade!...
Romildes
de Meirelles
As
nuvens se engalanam com mil cores
pra
anunciar o despontar do dia...
Vem
a manhã... é tudo luz... magia
da
Natureza... passarada... flores...
mas
estou só, e triste, e sem amores.
Não
vejo as luzes, tudo é nostalgia
dentro
em mim... esqueci minha alegria
de
existir, vivo imerso em cruas dores.
A
tarde chega fresca e radiosa,
mas
para mim a tarde é fria e umbrosa,
nem
vejo do poente a claridade.
Um
vento frio me corta como açoite
anunciando
que chegou a noite...
...
e o dia morre sem deixar saudade!
HELENA
(minha querida esposa)
Romildes
de Meirelles
O
amor que tenho a ti, minha querida,
guardá-lo
não consigo no meu peito.
É
amor sincero, para toda a vida
e
que a nenhuma lei está sujeito.
É
a explosão de minha alma embevecida
que
se vê neste amor quase perfeito;
são
lembranças de vida já vivida
são
sobras da paixão em nosso leito
que
fazem te adorar como te adoro;
por
isto, quando rezo a Deus, imploro
pra
que Ele guarde amor tão verdadeiro.
É
tão grande este amor que te dedico
que
pra guardá-lo, imaginando eu fico,
é
pequeno até mesmo o mundo inteiro.
CEGO
Romildes
de Meirelles
Não
queira conhecer o sofrimento
daquele
que não vê. É uma tortura
imaginar
a cor na mente escura
que
vê o mundo apenas pardacento.
Não
poder enxergar, do firmamento,
o
passeio do sol, na curvatura,
nem
o brilho da estrela que fulgura
ou
a beleza do sol no nascimento.
Já
que não posso ver com precisão,
pois
vou ficando aos poucos sem visão,
eu
fico ouvindo o murmurar das cores
e
na triste renúncia desta vida,
escuto
na minha alma dolorida
o
silencioso renascer das flores.
O
SONETO
Romildes
de Meirelles
A
poesia parece com as flores:
Os
seus versos são pétalas formosas
Os
sonetos são verdadeiras rosas
E
a beleza de imagens, são as cores;
Quando
a poesia fala-nos de amores,
São
miosótis, lírios e mimosas;
As
trovas são as flores graciosas,
São
pequeninos cofres de primores;
As
saudades são versos só de dor,
Porém
quando os versos são de amor,
São
flores com que as aves fazem ninhos!...
Que
este soneto leve até tua alma
O
perfume, a beleza e toda a calma
De
um punhado de rosas sem espinhos.
O
POETA NÃO MORRE
Romildes
de Meirelles
Para Eno Theodoro
Wanke
Parte
um poeta!... Luto na poesia!...
Mas
não termina a vida do escritor,
do
artista da palavra, trovador
e
poeta que dá-nos a alegria,
de
seus versos, cantando todo o amor
que
lhe vai na alma, e o canta com mestria.
Não,
não morre o poeta. Este escultor
da
palavra, do amor, e da harmonia,
há
de viver por toda a eternidade
deixando
aqui apenas a saudade
entre
as palavras que podemos vê-las,
compondo
estrofes lindas com seus versos,
que
se amontoam pelo céu dispersos
no
rastro luminoso das estrelas.
SENTIMENTOS
DAS FLORES
Romildes
de Meirelles
Eu
descobri nas flores sentimentos
sentem
saudade. amor, melancolia,
tristeza,
orgulho, paz e alegria
e
sofrem, porém sofrem sem lamentos...
Elas
fenecem envoltas em tormentos,
por
saudade, tristeza ou nostalgia;
mas
se sentem prazer, em louçania
transformam
todos os seus sentimentos!...
Lembras
do dia em que te dei uma rosa?!
Quando
a pegaste, ficou mais formosa
ao
sentir de suas mãos a suavidade;
mas
a saudade que tu me doaste,
ao
perceber, tristonha, que a deixaste,
está
morrendo, aos poucos, de saudade!...
NO
JAZIGO DO POETA
Romildes
de Meirelles
Ao saudoso Poeta
FRANCISCO IGREJA
— Vem coveiro, mostrar por piedade
onde
descansa meu querido amigo;
quero
prestar ao pé de seu jazigo
o
meu último preito de amizade.
Eu
quero ver seu derradeiro abrigo
e
matar em meu peito esta saudade;
se
foi a morte uma fatalidade,
foi
para nós poetas um castigo.
— Eis, senhor, nesta
cova escura e fria
jaz
o poeta e toda sua poesia.
— Aqui?! Aqui?! Oh,
não, mentes, coveiro;
Não
nesta cova pequenina, abjeta,
pois
pra conter os versos do poeta
até
mesmo é pequeno o mundo inteiro!
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