Romildes de Meirelles

Salvador,  BA, 1924
Rio de Janeiro, 2016


ENTARDECER
Romildes de Meirelles

A tarde cai. Num gesto de agonia
o céu se tinge de vermelho vivo...
Passa voando um pássaro furtivo
em busca de seu ninho. É o fim do dia...

Paira no ar atroz melancolia!
O fim da tarde torna-se lascivo,
e me faz triste, lasso e pensativo
imerso na mais funda nostalgia.

Nada perturba a doce mansuetude
do fim tarde.. é a paz em plenitude
que anuncia este belo anoitecer.

Para apagar o seu fulgor insano
o sol mergulha fundo no oceano...
... e a mão da noite embrulha o entardecer!
  


AS DORES DO MUNDO
Romildes de Meirelles

Às vezes, quando imerso em nostalgia,
Pressinto no olhar o amargo pranto,
busco o arrimo seguro da poesia,
enxugo os olhos e feliz eu canto.

Mas quando a noite é tenebrosa e fria
e eu me agasalho sob um quente manto,
penso que passa, para meu espanto,
em minha rua uma criança esguia,

magra, despida, a tiritar de frio,
vejo um futuro tétrico e sombrio
para nosso universo moribundo

e sinto na alma tantos amargores,
que até penso, que herdei todas as dores
que existem espalhadas pelo mundo.



O RISO DA CRIANÇA
Romildes de Meirelles

Sei que foi Deus quem fez toda a beleza, 
fez tudo que há de mais belo neste mundo:
Deus fez a Lua, o Sol, o mar profundo,
Deus fez o lago, o rio e a correnteza,

Deus fez o luar, a mata, a Natureza,
fez bela flor nascer do lodo imundo,
fez nosso solo rico e tão fecundo,
e do Universo fez toda a grandeza.

Eu sei que Deus fez tudo que há na Terra,
toda a beleza que este mundo encerra,
no Sol, na Lua, no Universo infindo!

Porém Sua obra mais perfeita e bela,
a mais sublime e mais bonita tela,
é o esplendor de uma criança rindo!

  

O ABORTO
Romildes de Meirelles

Dentro do ventre um grito angustiado:
Não me mates, mãezinha, por favor,
deixa eu nascer, sou fruto de um amor
e se por esse amor eu fui gerado,

Por que morrer assim, assassinado,
sem ter culpa, inocente, mãe!? Que horror!
Inda sou tenro e frágil como a flor,
então por que, meu Deus, ser abortado?

Quero viver, mãezinha, em teu regaço
quero ser embalado por teu braço
e nos teus olhos ver do amor o brilho.

Por que renegas a maternidade?
Por que rejeitas a felicidade
de um dia me chamares de: MEU FILHO!?...



MEU CANTO
Romildes de Meirelles

Onde passei ao longo dos caminhos,
fui semeando sonho, amor, poesia.
Semeei lindos sonhos onde havia
desilusões, angústias, descaminhos.

Amor eu dei a quem de amor sofria,
repus de volta pássaros nos ninhos,
cobri de afagos beijos e carinhos
a quem jamais tivera uma alegria.

Com voz cheia de música e de verso
eu vou entoando um canto no universo,
espalhando a beleza, o amor e a calma.

Por entre os povos, parto assim cantando
e com música e versos vou deixando,
em cada canto, um pouco de minha alma.

  

DESILUSÃO
Romildes de Meirelles

Lutei, não posso mais, a luta cansa!...
No altar da vida as armas eu deponho.
Busquei concretizar todo o meu sonho
num mar tempestuoso, sem bonança.

Sempre lutei, meu Deus, com confiança,
com bravura e denodo, hoje me imponho
esta derrota e vejo bem tristonho
que nem mais busco a bem-aventurança.

De que vale lutar contra o destino,
se lutei qual antigo paladino
nesta batalha atroz de todo dia?

Lutei com persistência qual um monge,
vendo meu sonho cada vez mais longe
"numa eterna esperança que se adia!"

  

QUANDO EU MORRER
Romildes de Meirelles

Quando eu morrer, dispensarei lamento,
não quero ir triste para a cova fria,
quero levar, comigo, a voz do vento
cantando versos cheios de harmonia.

Quero que tenha, o meu sepultamento,
mulheres, vinhos, risos e alegria,
nada de choro nem de hipocrisia,
tristezas falsas em meu passamento!...

Porém quando você, mulher querida,
cerrar meus olhos frios, já sem vida
para a final partida deste mundo,

note bem uma coisa singular:
repare que em meu derradeiro olhar
seu vulto ficou preso lá no fundo!...

  

O PÁSSARO E EU
Romildes de Meirelles

Preso à gaiola um pobre passarinho
entoa em trinos linda melodia.
Seu canto é triste, cheio de agonia,
são lembranças do espaço, a mata e o ninho!

Mas ele canta ali, mesmo sozinho,
sua tristeza e sua nostalgia
e em breves notas tece a sinfonia
que suave se espalha no caminho.

Como poeta eu sou igual às aves
se canto meu amor em tons suaves
ou canto minha vida em tons tristonhos.

Qual o pássaro estou amargurado,
pois vivo igual a ele enclausurado,
preso à gaiola de meus próprios sonhos.

  

ESSA MULHER
Romildes de Meirelles

Essa mulher que vejo diariamente,
às vezes cedo no raiar do dia,
outras à tarde no tocar plangente
do sino anunciando a Ave Maria.

Essa mulher povoa a minha mente
e faz do meu viver uma alegria:
faz o tempo passar rapidamente
sempre que está em minha companhia.

Quando sorri meu coração se inflama
só de pensar: Essa é a mulher que me ama
e será todo meu seu coração.

E vou seguindo-a quando tenho ensejos
unicamente para pôr meus beijos
nos passos que ela deixa pelo chão.

  

Romildes de Meirelles

Sigo da vida este áspero caminho
da meta que o destino me traçou.
Entre os escolhos, palmilhando vou,
pisando em pedras, cardos e em espinho.

Quase no fim da estrada agreste, sou
o anacoreta que ficou sozinho,
sem parentes e amigos. Que restou
de quem, a muitos, deu tanto carinho?

Só este vulto pálido e encurvado,
que hoje se encontra só e abandonado,
entregue à sorte negra, má, falaz.

Já se fecharam todos os abrigos,
eu sigo só sem encontrar amigos...
... té minha sombra não me segue mais!

  

A VELA
Romildes de Meirelles

Uma pequena vela... ó que lição bonita
esta modesta luz, nos traz, bruxuleante!
Feita em cera, envolvendo uns poucos fios, crepita
com fraca luz que brilha apenas breve instante.

Dura bem pouco... a vela está agonizante!
A luz tremeluzente enfraquece e se agita.
Seu viver é fugaz... logo queima o barbante,
acaba a cera... e está sua vida finita.

Em pouco tempo deu, o círio, a breve vida
pela luz. Tudo findo! A missão foi cumprida.
A alaranjada chama agora não reluz...

Como invejo, meu Deus, o destino da vela!
Quisera fosse igual o meu fadário ao dela:
ver todo o corpo meu se transformar em luz!...




ACREDITEI SER DEUS
Romildes de Meirelles

Passei a adolescência em busca da alegria
com mulheres, com vinho, a cata permanente
do prazer de viver. E, assim, sempre na orgia,
gastei a minha vida em farras diariamente.

Mas o tempo, que rege a nossa vida, guia
nossa alma em direção, às vezes, diferente
da meta original. Se a minha alma crescia
melhorava meu corpo e também, minha mente.

Um dia eu encontrei um anjo dedicado
que tornou meu viver, por Deus, abençoado
e me cobriu de luz com os encanto seus.

Mas meu grande prazer se completou, enfim,
Quando meus filhos vi. Pois juro, foi assim,
que me tornando pai, acreditei ser Deus




TEU RETRATO
Romildes de Meirelles

Se Rafael te retratasse um dia
seria então a mais bonita tela
de uma mulher encantadora, bela
de corpo, e alma cheia de magia.

O teu perfil de deusa, pintaria
com as mais lindas cores da aquarela.
Dourava a boca que ao sorrir revela
pérolas brancas de ourivesaria;

punha em teus lábios pétalas de flor,
pintava os seios túmidos de amor;
e terminando, em linhas sedutoras,

punha em teus olhos brilhos de luar
refletidos no verde azul do mar
e, em teu riso, crepúsculos e auroras.




CEGO
Romildes de Meirelles

Eu já não vejo o despontar do dia
Nem quando o sol se esconde no ocidente,
não vejo a luz da lua alvinitente,
iluminando a noite longa e fria.

Não vejo as cores como outrora eu via
nem o desabrochar da flor ridente,
já não vejo o oceano onipotente
lançar-se em fúria contra a penedia.

Já não enxergo as coisas que eu mais quero,
porém sou forte e não me desespero
nem deixo que em meus olhos role o pranto,

pra isto, guardo fundo na lembrança
o encantador sorriso da criança
e o vulto da mulher que eu amo tanto.

  

A LÁGRIMA
Romildes de Meirelles

Quimicamente a lágrima consiste
de alguns sais; a cor é cristalina;
sendo de gosto um tanto alcalina,
mas d’água pura pouco, talvez diste.

Para o poeta a lágrima existe
como uma pérola, dádiva divina,
encerrando em uma gota pequenina
todo o mistério de uma vida triste!..

Há lágrimas que correm pela face
sendo visíveis, sem qualquer disfarce;
outras, secretas, do imo nos refolhos,

quando emanadas do âmago do peito
é o coração em pranto liquefeito
a escorrer lentamente pelos olhos!...



FIM DE ESTRADA
Romildes de Meirelles

Nessa comprida estrada da existência,
que venho palmilhando em dura lida,
já levei muitas lutas de vencida
também derrotas tive com freqüência.

Hoje me pesa toda a experiência
amealhada ao longo desta vida.
Se já amarguei o fel da decaída,
aspirei das vitórias muita essência.

Porém agora já no fim da estrada,
toda a porta em que bato está fechada
e torna - se mais áspero o terreno.

E assim na vida tudo hoje me assombra
até na árvore se eu busco a sombra:
"a sombra é triste e o fruto tem veneno".



TRISTEZA
Romildes de Meirelles

Na tristonha penumbra ao fim do dia,
na hora que o sol se esconde no poente
e a escuridão da noite lentamente
envolve a terra em doce nostalgia;

Quando os amenos sons da Ave Maria
vibram pelo ar como canção plangente;
quando os sinos badalam docemente
espalhando uma triste melodia,

meu pensamento volta-se ao passado,
teu belo vulto vejo emoldurado
dentro de um halo de fulgor divino.

Na tristeza dolente que me invade
sinto meu peito encher-se de saudade
ouvindo o triste repicar do sino.



- e o dia morre sem deixar saudade!...
Romildes de Meirelles

As nuvens se engalanam com mil cores
pra anunciar o despontar do dia...
Vem a manhã... é tudo luz... magia
da Natureza... passarada... flores...

mas estou só, e triste, e sem amores.
Não vejo as luzes, tudo é nostalgia
dentro em mim... esqueci minha alegria
de existir, vivo imerso em cruas dores.

A tarde chega fresca e radiosa,
mas para mim a tarde é fria e umbrosa,
nem vejo do poente a claridade.

Um vento frio me corta como açoite
anunciando que chegou a noite...
... e o dia morre sem deixar saudade!



HELENA
(minha querida esposa) 
Romildes de Meirelles

O amor que tenho a ti, minha querida,
guardá-lo não consigo no meu peito.
É amor sincero, para toda a vida
e que a nenhuma lei está sujeito.

É a explosão de minha alma embevecida
que se vê neste amor quase perfeito;
são lembranças de vida já vivida
são sobras da paixão em nosso leito

que fazem te adorar como te adoro;
por isto, quando rezo a Deus, imploro
pra que Ele guarde amor tão verdadeiro.

É tão grande este amor que te dedico
que pra guardá-lo, imaginando eu fico,
é pequeno até mesmo o mundo inteiro.




CEGO
Romildes de Meirelles

Não queira conhecer o sofrimento
daquele que não vê. É uma tortura
imaginar a cor na mente escura
que vê o mundo apenas pardacento.

Não poder enxergar, do firmamento,
o passeio do sol, na curvatura,
nem o brilho da estrela que fulgura
ou a beleza do sol no nascimento.

Já que não posso ver com precisão,
pois vou ficando aos poucos sem visão,
eu fico ouvindo o murmurar das cores

e na triste renúncia desta vida,
escuto na minha alma dolorida
o silencioso renascer das flores. 



O SONETO
Romildes de Meirelles

A poesia parece com as flores:
Os seus versos são pétalas formosas
Os sonetos são verdadeiras rosas
E a beleza de imagens, são as cores;

Quando a poesia fala-nos de amores,
São miosótis, lírios e mimosas;
As trovas são as flores graciosas,
São pequeninos cofres de primores;

As saudades são versos só de dor,
Porém quando os versos são de amor,
São flores com que as aves fazem ninhos!...

Que este soneto leve até tua alma
O perfume, a beleza e toda a calma
De um punhado de rosas sem espinhos.




O POETA NÃO MORRE
Romildes de Meirelles

Para Eno Theodoro Wanke

Parte um poeta!... Luto na poesia!...
Mas não termina a vida do escritor,
do artista da palavra, trovador
e poeta que dá-nos a alegria,

de seus versos, cantando todo o amor
que lhe vai na alma, e o canta com mestria.
Não, não morre o poeta. Este escultor
da palavra, do amor, e da harmonia,

há de viver por toda a eternidade
deixando aqui apenas a saudade
entre as palavras que podemos vê-las,

compondo estrofes lindas com seus versos,
que se amontoam pelo céu dispersos
no rastro luminoso das estrelas.



SENTIMENTOS DAS FLORES
Romildes de Meirelles

Eu descobri nas flores sentimentos
sentem saudade. amor, melancolia,
tristeza, orgulho, paz e alegria
e sofrem, porém sofrem sem lamentos...

Elas fenecem envoltas em tormentos,
por saudade, tristeza ou nostalgia;
mas se sentem prazer, em louçania
transformam todos os seus sentimentos!...

Lembras do dia em que te dei uma rosa?!
Quando a pegaste, ficou mais formosa
ao sentir de suas mãos a suavidade;

mas a saudade que tu me doaste,
ao perceber, tristonha, que a deixaste,
está morrendo, aos poucos, de saudade!...




NO JAZIGO DO POETA
Romildes de Meirelles

Ao saudoso Poeta FRANCISCO IGREJA

Vem coveiro, mostrar por piedade
onde descansa meu querido amigo;
quero prestar ao pé de seu jazigo
o meu último preito de amizade.

Eu quero ver seu derradeiro abrigo
e matar em meu peito esta saudade;
se foi a morte uma fatalidade,
foi para nós poetas um castigo.

Eis, senhor, nesta cova escura e fria
jaz o poeta e toda sua poesia.
Aqui?! Aqui?! Oh, não, mentes, coveiro;

Não nesta cova pequenina, abjeta,
pois pra conter os versos do poeta
até mesmo é pequeno o mundo inteiro!



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