O
SONETO
Renã
Leite Corrêa Pontes
Inspirado em David,
de Michelangelo.
Senhor
da arte em metro, sem defeito,
da
expressão do verbo, na medida,
gênese humana, precursor da vida,
David
de letras, oração aceita.
És
a lira de Mozart, a canção
inefável,
vernácula, garrida,
rei
bondoso que nutre de comida
e
cultura, mas não constrói prisão.
À
beleza dos céus, dás a beleza
ao
jacinto, ao jade e à turquesa,
e
as pedras caras que Parnaso usara.
És
o bem do altruísmo e do empenho.
tens
os olhos que inspiram, que eu não tenho,
presos
na face de uma deusa rara.
AB
ÍMO PECTÓRE
Renã
Leite Corrêa Pontes
Passar
um ponto além das reticências,
chegar
ao infinito imaginário,
fazer
poema feito um relicário,
beber
na fonte das leis e ciências,
usar
capelo, alçar-se as excelências,
mandar
foguete tripulado a Marte,
ser
sucessor de Niemeyer na arte
do
domínio das curvas e valências.
Deixar
escritos ao longo de mil anos,
posses,
projetos, ilações, legado
para
salvar os jovens do egoísmo,
tudo
seria apenas transgenia.
mandar
de aeronave um ser alado,
sem
humildade... de nada serviria.
ÚLTIMO
POEMA
Renã
Leite Corrêa Pontes
Depois
deste soneto, ao ser cremado,
vou
retornar ao fino pó dos pós.
e
ao liberar meu coração alado,
nada
mais quero, do que quereis vós.
quero
voar num vento delicado,
para
ajuntar-me ao pó dos meus avós,
e
abandonando o nosso horrendo estado,
fluir-me
em gás num vento de mil nós.
E
ganhar cor de poeira vermelha,
ser
da Divina fogueira, a centelha,
da
chama que dá vida ao universo.
Só
rogo a Deus que na hora “postuma”,
não
haja entreve de coisa nenhuma:
quero
escrever o meu mais lindo verso.
PANACEIA
Renã
Leite Corrêa Pontes
A Graciliano Ramos.
Quando
retorno à noite ao meu lugar
e
testemunho o expirar do dia,
ali
me entrego a minha poesia,
erguendo
em versos sacros meu altar.
lá,
todo mal que alguém toleraria,
minha
justiça nega tolerar,
desde
a matança por razão vulgar,
a
menor forma de xenofobia.
Mas
agradeço a Deus um dom também,
ver
sonetos nas gotas que transpiro,
fazendo
a noite terminar-se bem,
convertendo
este tédio em terapia:
se
não domo o vernáculo - me atiro -
o
meu calvário, eu não suportaria.
CRUZEIRO
Renã
Leite Corrêa Pontes
À memória de Platão
do Acre
Pairando
acima das constelações
da
nossa vertical magistratura,
em
meio ao povo, sem fazer figura;
eis
nobre exemplo para as gerações.
ainda
em sendo um jovem advogado,
a
ditadura em plena ebulição;
fez
frente a luta em prol do cidadão,
este
é, quem sabe, o seu maior legado.
ligado
aos pobres e aos povos seringueiros,
às
letras, ao clero e aos cargos cimeiros,
urdiu
uma invulgar biografia.
Negou
guarda ao poder, por um decênio.
teu
nobre exemplo, de homérico gênio,
por
nada neste mundo eu perderia.
METADE
Renã
Leite Corrêa Pontes
Dispensando-me
o olhar da piedade,
os
que te veem passando nesta rua,
não
te imaginam ao meu lado, nua,
jurando
amar-me pela eternidade.
hoje,
passas por mim acompanhada,
de
uma jovem tal como figuras,
naquela
foto me fazendo juras,
que
hoje, para ti, não dizem nada.
Alheia
aquele amor por ti jurado,
passas
e eu passo para o outro lado,
fingindo
a transcendência dos meus ais,
mas,
só Deus sabe como me mantenho:
a
metade do amor que por ti tenho,
te
torna a mais querida entre as mortais.
NÓS
Renã
Leite Corrêa Pontes
À dona Socorrinha.
Se
nos virem passar, não será mais,
com
passos largos, firmes do caminho,
mas,
passaremos plenos de carinho,
nós,
dois velhinhos: como nossos pais,
dois...
de mãos dadas pela estrada fora,
sob
um céu matizado azul-marinho;
uns
não verão mais teu vigor de outrora,
outros
dirão: como ele está velhinho!
Mas,
pouco importa o vacilar dos passos,
irei
contigo - à pluma de um sorriso -
lembrando
a vez que te levei nos braços,
mais
além dos problemas, dos assuntos.
se
nossos passos fossem ao paraíso,
pedia
a Deus para chegarmos juntos.
AMAR
VOCÊ
Renã
Leite Corrêa Pontes
É
desabar rendido ao teu abraço,
com
frisson louco, em grave e agudo tom,
encontrar
céu e terra em teu regaço,
sem
querer despertar de um sonho bom.
Gastar-me
de te amar - perdida a hora -
conter
a mão tremente a tua falta,
não
fazer planos, me perder no agora,
esperar-te
com ânsia à noite alta.
Amar-te
em pelo é crer na eternidade,
por
um segundo de felicidade,
inundar-te
de amor porque é preciso,
ser
água... e, ao me ebulir de amor por dentro,
ar
que respiro, em teu enlace encontro,
o
caminho mais curto ao paraíso.
SONETO
DO AMIGO
Renã
Leite Corrêa Pontes
A Antônio Orleilson
Maia de Lima
Por
algo errado que aprendi contigo,
ontem
querido e hoje abandonado,
sacudindo
as lembranças do passado,
fui
buscando-te amigo em outro amigo.
lembrando
o tempo em que eras bom comigo,
sentado
calmamente... do meu lado...
descubro
em outro amigo apresentado,
em
novo amparo, o teu olhar antigo.
Mesmo
um bicho espantado igual a mim
é
capaz de gostar do início ao fim
e
tomar uma falta por castigo.
um
amigo, quem lhe pode explicar?
bate
asas ao ver outro chegar,
deixando
o amigo em busca de outro amigo.
CAMONIANO
Renã
Leite Corrêa Pontes
A Claudio de Souza
Pereira
O
mundo segue seu curso confuso:
amigos
têm prazo determinado!
por
isso mesmo sendo censurado,
fazer
amigos poucas vezes uso,
porque parece-me que o amor difuso,
dadivoso,
fraterno e consagrado,
tem
sido torpemente profanado,
por
toda sorte de peçonha e abuso.
Amigo
que me torne a natureza,
mais
afável e repleta de beleza,
existe...
em meu poema, em minha prece.
não
sou iconoclasta resolvido,
mas,
por aquele amigo que hei perdido,
pagaria
a fortuna que eu tivesse.
A
POESIA
Renã
Leite Corrêa Pontes
A um poeta se pega
pelo ouvido.
A
poesia tem uma razão,
nas
nossas vidas tem valor infindo,
um
bem dado por Deus, num dia lindo,
para
complementar a criação.
tem
o poder de resgatar do chão,
nas
castas sociais interferindo,
a
condição humana refletindo:
a
mais sublime forma de oração!
Poesia
é um dom que se cultiva,
virgem
casta, desnuda e seletiva,
Monalisa
que nunca teve amante.
embora
saia pouco à luz do dia,
julguei
ter-te encontrado. Oh! Poesia,
na
Beatriz que inspirara a Dante.
OÁSIS
E DESERTOS
Renã
Leite Corrêa Pontes
A Miguel Scarcello
Um
vinho e um pão francês, neste deserto,
mais
valia que a prata do universo.
O
que já fora coisa garantida,
na
cordilheira que alimenta o lago,
hoje
é promessa de um futuro vago,
sem
as geleiras que garantem a vida,
nas
águas cristalinas que, em cascatas,
por
entre as pedras vão serpenteando,
ora
revoltas, ora em curso brando,
preambulando
as vidas abstratas.
E,
um solitário peixe em meio ao rio,
um
cavalo no campo seco e frio,
uma
mulher que não é de ninguém.
todos
dependem destas águas claras:
as
matas verdes, as flores e as searas,
e
alguém distante que a mulher quer bem.
DESERTOS
E OÁSIS
Renã
Leite Corrêa Pontes
Um
Deus de amor da morte me há poupado,
em
meio a tempestades no deserto.
sem
venturança de oásis perto,
o
medo, meu vizinho, mora ao lado.
lucro
o calor que esta areia gera,
escuto
vozes, sinto-me enjoado:
da
expressão de mansidão do gado,
da
esperança em céu de além quimera.
Transmudo
a rota rumo ao vento sul,
de
céu mais quente quanto mais azul,
diviso
templos de ouro de tolos.
se
Deus me desse acesso ao compromisso,
que
me emplumasse a alma... para isso,
confessaria
as culpas dos meus dolos.
A
MEU IRMÃO SUICIDADO
Renã
Leite Corrêa Pontes
Em
plena madrugada estou desperto,
tantas
noites por ti tenho chorado,
reclamando-te
o rosto, irmão amado,
que
de beijos, por mim, já foi coberto.
ceifa
que a sorte tem-me arrebatado:
meu
companheiro, meu amigo certo,
quintessência
na antítese do perto,
mesmo
assim o irmão mais adorado.
Peno
a causa dos teus, dos meus motivos,
elo
indelével de um laço afetivo,
de
par em par se arrastam os dias meus.
sendo
lenho lançado à correnteza,
eu
queria salvar-te, com certeza,
mas,
que fazer, querido? Eu não sou Deus!
ARTE
DA GUERRA
Renã
Leite Corrêa Pontes
O ensaio do jogo é
a brincadeira mais séria.
Arte
da guerra, morte anunciada,
ausência
de mercúrio na ferida,
caminho
sem retorno, cuja ida,
foi
pleito de uma mente perturbada.
arma
e dinheiro em prol da tirania,
mal
que atravessa séculos sem cura;
economia
de uma ditadura,
fósforo
mofo de uma chama fria.
Órfã
de mãe, madrasta das culturas;
ao
pranto do oprimindo, enquanto juras,
conjuras
a esperança por inteiro.
o
jovem que o amor deixou de lado,
planta
sementes de ódio cultivado,
rega
de sangue e morte o travesseiro.
CONDENAÇÃO
DO NÃO SER
Renã
Leite Corrêa Pontes
Aos desempregados.
Quando
me fere o teu sorriso agro,
ante
a minha impotência, eu sofro e engulo
o
meu critério, meu juízo nulo,
e
o sal que escorre no meu rosto magro.
volta-me
a azia, perco a fé, me anulo,
quando
me feres com tua confiança,
quase
chorando como uma criança,
por
teus esforços de retorno chulo.
Pedi
a Deus fortuna em teu caminho,
mas,
os homens faltaram ao juramento:
não
nasceu flor no roseiral de espinho,
desta
terra socada por mil cascos,
devido
as letras deste parlamento
e
um defeito de gene em teus carrascos.
VISÕES
Renã
Leite Corrêa Pontes
Intentando
esquecer-te coração,
esqueci-me
de mim e, por desgosto,
em
tudo eu vejo o teu divino rosto,
teus
olhos tristes, cheios de emoção.
e
quando, em sonho, o toque da tua mão
vem
percorrer a minha, por suposto,
fico
a lembrar do muito que eu te gosto,
com
sempiterna e singular paixão.
Palavras
não definem o quanto eu amo;
os
céus fogem de mim quando eu te chamo,
dizendo
apenas que a paixão contida
será,
no céu vivida, em outra vida.
mas,
para mim, viver no céu seria,
apenas
poder ver-te todo dia.
ÚLTIMO
TRIBUTO
Renã
Leite Corrêa Pontes
No
andar de cima, num delgado leito,
amei
uma mulher perdidamente.
janela
aberta para o sol nascente,
o
sol resplandecia no seu peito.
pescoços
para trás, na ação cadente,
pés
calcados no chão do parapeito,
ninguém
jamais amou daquele jeito,
se
alguém disser que amou é porque mente.
Depois
riu, me abraçou, se fez calada,
partiu
muda, no fim da madrugada,
como
se nada houvesse acontecido,
levou
consigo todo o amor que eu tinha,
deixou
comigo esta saudade minha.
e
nunca mais eu me senti querido.
LEGADO
Renã
Leite Corrêa Pontes
Eu
gosto de poema nota vinte,
de
envergadura, com roupagem fina,
capaz
de, em alto estilo, e com requinte,
roubar-me
e arrebatar-me da rotina.
eu
gosto do poema conseguinte.
dou
preferência a versão latina,
com
rima rica e a pausa alexandrina,
encadeada
no verso seguinte.
Amo
um poema quando me arrebata,
que,
compensando da pressa que mata,
cheira
a bacante carregando o vinho,
deixando
marcas na vida da gente,
no
estilo de papai, que sorridente,
soltava
uma moeda em meu bolsinho.
NATAL
Renã
Leite Corrêa Pontes
A meu afilhado
Raimundo Nonato, in memoriam.
Santa
Bíblia de Deus, livro imponente,
levai
neste natal, por caridade,
a
fé, a consciência e a humildade,
a
todo coração, do amor carente.
Lembrai
que Deus amou a humanidade,
e
deu ao pobre mundo, de presente,
exemplo
de humildade onipotente,
a
bem que o mundo fosse de igualdade.
Dizei
que é Natal entre os cristãos,
mas
que além disto... todos são irmãos!
porque
nascemos deste amor profundo.
Pedi
ao mundo guerrilheiro a paz,
dizei
que os céus já não suportam mais
tanta
injustiça neste aflito mundo.
A
PESTE
Renã
Leite Corrêa Pontes
Ao meu cunhado
Hirofumi Hamaguchi.
Fronte
a Judia, desaguando em dique,
a
velha Quinari de antigamente,
de
casebres de palha - em paus a pique -
cobria
os sonhos meus e a minha gente
laboriosa,
lembro direitinho,
lá,
todo filho tinha o seu ofício.
ninguém
sentava à beira do caminho,
dando
sorte ao azar, refém do vício.
Éramos
negros, brancos e alguns “nipos”,
jovens
e velhos de diversos tipos,
todos,
cumprindo o seu dever, contentes,
mas,
a peste assolou a nossa vida.
moléstia
para nós desconhecida:
não
há trabalho para as novas gentes.
DESENCONTRO
Renã
Leite Corrêa Pontes
Respiro
o teu Dior, teu cheiro fixado,
curtido
no meu corpo, e nunca te amei.
cultivo
uma estação de flores do passado,
mil
beijos que eu te dei, mas nunca te beijei.
a
falta de você me deixa perturbado,
insone
e sem porquê, levanto muito cedo,
carente
de escutar o barulhinho ledo
das
filhas que eu te dei, mas nunca me hás amado.
Juravas
não me amar em crises de ciúme...
dizias
não dormir sentindo o meu perfume...
agora
que esqueci teu rosto que amei tanto,
a
tua voz, teu cheiro e o teu andar felino,
agora
que encontrei em outra o meu destino,
tu
voltas para mim, como que por encanto.
NOLÍ
ME TANGERE
Renã
Leite Corrêa Pontes
De
todo o meu cenário tomas parte,
mas
dividir-te já não me convêm.
devido
a isto, foi que... para o bem,
para
o teu bem eu tive que deixar-te.
ser
teu marido, muito me convinha;
por
isto não medi dedicação,
em
prol da tua nobre e santa mão,
de
corpo “e alma” te fizeste minha.
Porém,
no lar em que eras tão amada,
vivias
pesarosa e ensimesmada,
devido
ao peso desta vocação.
remorsos
vêm a mim porque blasfemo,
ao
disputar-te com o Deus supremo,
o
meu pecado não terá perdão.
SE
EU FOSSE UM SACERDOTE
Renã
Leite Corrêa Pontes
A José do Carmo
Carile
Se
eu fosse um sacerdote, em meus sermões,
não
falaria em dízimo ou dinheiro,
cantaria
um poeta verdadeiro
e
passaria além das convenções.
não
renderia culto às tradições,
mas
abonava o gesto hospitaleiro,
de
quem se dá ao bem, de corpo inteiro,
e
rezaria os Versos de Camões.
Pregaria
o silêncio como norma
e
só nos lares permitia a reza,
mas
para dar exemplo de beleza,
declamaria
dois poemas meus,
todos
sonetos, que é a melhor forma,
de,
sem silêncio, se achegar a Deus.
A
MULHER
Renã
Leite Corrêa Pontes
Caprichada
nos traços do semblante,
desenhada
com tinta perfumada,
entalhe
feito por artista amante,
com
voz e tudo, não lhe faltou nada.
trouxe
no abraço a força de um gigante,
até
na ausência pode ser notada.
seu
contato da pele delicada
pode
elevar ao nono céu de Dante.
A
mulher deu ao mundo a vida e o brilho
e
realiza nos sonhos de um filho,
seu
projeto de sujeição da dor.
no
bem do filho... ela faz-se eleita,
com
devoção telúrica perfeita,
manifesta
na carne o Deus de amor.
ENTALHE
À AMAZÔNICA
Renã
Leite Corrêa Pontes
Vou
entalhar a golpes de martelo,
na
tábua de carvalho da esplanada,
o
teu “retrato”, em letra esbranquiçada,
no
meu poema mais castiço e belo
e
augusto... o luso mais verde-amarelo.
borda
fresada e ricamente ornada.
vou
esculpi-lo, na ogival chapada,
com
arte sem padrão nem paralelo.
Vou
definir-te como és, cem por cento,
depois,
num transe de arrebatamento,
imaginar
te ver sorrindo inteira.
e,
envernizando o teu nome encravado,
quero,
por fim, amor, meu anjo amado,
deixar-te
eternizada na madeira.
Parabéns pelo blog em que os sonetos se tornam eternos. Conheci através das queridas poetas Carmo Vasconcelos e Regina Coeli e me encantei. Salvei no lugar onde guardo meus tesouros literários. Aplaudindo, deixo o meu abraço. Maria Luiza Bonini - Facebook
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