Renã Leite Corrêa Pontes

Quinari, AC, 1967



O SONETO
Renã Leite Corrêa Pontes

Inspirado em David, de Michelangelo.

Senhor da arte em metro, sem defeito,
da expressão do verbo, na medida,
gênese  humana, precursor da vida,
David de letras, oração aceita.

És a lira de Mozart, a canção
inefável, vernácula, garrida,
rei bondoso que nutre de comida
e cultura, mas não constrói prisão.

À beleza dos céus, dás a beleza
ao jacinto, ao jade e à turquesa,
e as pedras caras que Parnaso usara.

És o bem do altruísmo e do empenho.
tens os olhos que inspiram, que eu não tenho,
presos na face de uma deusa rara.



AB ÍMO PECTÓRE
Renã Leite Corrêa Pontes

Passar um ponto além das reticências,
chegar ao infinito imaginário,
fazer poema feito um relicário,
beber na fonte das leis e ciências,

usar capelo, alçar-se as excelências,
mandar foguete tripulado a Marte,
ser sucessor de Niemeyer na arte
do domínio das curvas e valências.

Deixar escritos ao longo de mil anos,
posses, projetos, ilações, legado
para salvar os jovens do egoísmo,

tudo seria apenas transgenia.
mandar de aeronave um ser alado,
sem humildade... de nada serviria.



ÚLTIMO POEMA
Renã Leite Corrêa Pontes

Depois deste soneto, ao ser cremado,
vou retornar ao fino pó dos pós.
e ao liberar meu coração alado,
nada mais quero, do que quereis vós.

quero voar num vento delicado,
para ajuntar-me ao pó dos meus avós,
e abandonando o nosso horrendo estado,
fluir-me em gás num vento de mil nós.

E ganhar cor de poeira vermelha,
ser da Divina fogueira, a centelha,
da chama que dá vida ao universo.

Só rogo a Deus que na hora “postuma”,
não haja entreve de coisa nenhuma:
quero escrever o meu mais lindo verso.



PANACEIA
Renã Leite Corrêa Pontes

A Graciliano Ramos.

Quando retorno à noite ao meu lugar
e testemunho o expirar do dia,
ali me entrego a minha poesia,
erguendo em versos sacros meu altar.

lá, todo mal que alguém toleraria,
minha justiça nega tolerar,
desde a matança por razão vulgar,
a menor forma de xenofobia.

Mas agradeço a Deus um dom também,
ver sonetos nas gotas que transpiro,
fazendo a noite terminar-se bem,

convertendo este tédio em terapia:
se não domo o vernáculo - me atiro -
o meu calvário, eu não suportaria.



CRUZEIRO
Renã Leite Corrêa Pontes

À memória de Platão do Acre

Pairando acima das constelações
da nossa vertical magistratura,
em meio ao povo, sem fazer figura;
eis nobre exemplo para as gerações.

ainda em sendo um jovem advogado,
a ditadura em plena ebulição;
fez frente a luta em prol do cidadão,
este é, quem sabe, o seu maior legado.

ligado aos pobres e aos povos seringueiros,
às letras, ao clero e aos cargos cimeiros,
urdiu uma invulgar biografia.

Negou guarda ao poder, por um decênio.
teu nobre exemplo, de homérico gênio,
por nada neste mundo eu perderia.



METADE
Renã Leite Corrêa Pontes

Dispensando-me o olhar da piedade,
os que te veem passando nesta rua,
não te imaginam ao meu lado, nua,
jurando amar-me pela eternidade.

hoje, passas por mim acompanhada,
de uma jovem tal como figuras,
naquela foto me fazendo juras,
que hoje, para ti, não dizem nada.

Alheia aquele amor por ti jurado, 
passas e eu passo para o outro lado,
fingindo a transcendência dos meus ais,

mas, só Deus sabe como me mantenho:
a metade do amor que por ti tenho,
te torna a mais querida entre as mortais.



NÓS
Renã Leite Corrêa Pontes

À dona Socorrinha.

Se nos virem passar, não será mais,
com passos largos, firmes do caminho,
mas, passaremos plenos de carinho,
nós, dois velhinhos: como nossos pais,

dois... de mãos dadas pela estrada fora,
sob um céu matizado azul-marinho;
uns não verão mais teu vigor de outrora,
outros dirão: como ele está velhinho!

Mas, pouco importa o vacilar dos passos,
irei contigo - à pluma de um sorriso -
lembrando a vez que te levei nos braços,

mais além dos problemas, dos assuntos.
se nossos passos fossem ao paraíso,
pedia a Deus para chegarmos juntos.



AMAR VOCÊ
Renã Leite Corrêa Pontes

É desabar rendido ao teu abraço,
com frisson louco, em grave e agudo tom,
encontrar céu e terra em teu regaço,
sem querer despertar de um sonho bom.

Gastar-me de te amar - perdida a hora -
conter a mão tremente a tua falta,
não fazer planos, me perder no agora,
esperar-te com ânsia à noite alta.

Amar-te em pelo é crer na eternidade,
por um segundo de felicidade,
inundar-te de amor porque é preciso,

ser água... e, ao me ebulir de amor por dentro,
ar que respiro, em teu enlace encontro,
o caminho mais curto ao paraíso.



SONETO DO AMIGO
Renã Leite Corrêa Pontes

A Antônio Orleilson Maia de Lima

Por algo errado que aprendi contigo,
ontem querido e hoje abandonado,
sacudindo as lembranças do passado,
fui buscando-te amigo em outro amigo.

lembrando o tempo em que eras bom comigo,
sentado calmamente... do meu lado...
descubro em outro amigo apresentado,
em novo amparo, o teu olhar antigo.

Mesmo um bicho espantado igual a mim
é capaz de gostar do início ao fim
e tomar uma falta por castigo.

um amigo, quem lhe pode explicar?
bate asas ao ver outro chegar,
deixando o amigo em busca de outro amigo.



CAMONIANO
Renã Leite Corrêa Pontes

A Claudio de Souza Pereira

O mundo segue seu curso confuso:
amigos têm prazo determinado!
por isso mesmo sendo censurado,
fazer amigos poucas vezes uso,

porque  parece-me que o amor difuso,
dadivoso, fraterno e consagrado,
tem sido torpemente profanado,
por toda sorte de peçonha e abuso.

Amigo que me torne a natureza,
mais afável e repleta de beleza,
existe... em meu poema, em minha prece.

não sou iconoclasta resolvido,
mas, por aquele amigo que hei perdido,
pagaria a fortuna que eu tivesse.



A POESIA
Renã Leite Corrêa Pontes

A um poeta se pega pelo ouvido.

A poesia tem uma razão,
nas nossas vidas tem valor infindo,
um bem dado por Deus, num dia lindo,
para complementar a criação.

tem o poder de resgatar do chão,
nas castas sociais interferindo,
a condição humana refletindo:
a mais sublime forma de oração!

Poesia é um dom que se cultiva,
virgem casta, desnuda e seletiva,
Monalisa que nunca teve amante.

embora saia pouco à luz do dia,
julguei ter-te encontrado. Oh! Poesia,
na Beatriz que inspirara a Dante.



OÁSIS E DESERTOS
Renã Leite Corrêa Pontes

A Miguel Scarcello

Um vinho e um pão francês, neste deserto,
mais valia  que a prata do universo.

O que já fora coisa garantida,
na cordilheira que alimenta o lago,
hoje é promessa de um futuro vago,
sem as geleiras que garantem a vida,

nas águas cristalinas que, em cascatas,
por entre as pedras vão serpenteando,
ora revoltas, ora em curso brando,
preambulando as vidas abstratas.

E, um solitário peixe em meio ao rio,
um cavalo no campo seco e frio,
uma mulher que não é de ninguém.

todos dependem destas águas claras:
as matas verdes, as flores e as searas,
e alguém distante que a mulher quer bem.



DESERTOS E OÁSIS
Renã Leite Corrêa Pontes

Um Deus de amor da morte me há poupado,
em meio a tempestades no deserto.
sem venturança de oásis perto,
o medo, meu vizinho, mora ao lado.

lucro o calor que esta areia gera,
escuto vozes, sinto-me enjoado:
da expressão de mansidão do gado,
da esperança em céu de além quimera.

Transmudo a rota rumo ao vento sul,
de céu mais quente quanto mais azul,
diviso templos de ouro de tolos.

se Deus me desse acesso ao compromisso,
que me emplumasse a alma... para isso,
confessaria as culpas dos meus dolos.



A MEU IRMÃO SUICIDADO
Renã Leite Corrêa Pontes

Em plena madrugada estou desperto,
tantas noites por ti tenho chorado,
reclamando-te o rosto, irmão amado,
que de beijos, por mim, já foi coberto.

ceifa que a sorte tem-me arrebatado:
meu companheiro, meu amigo certo,
quintessência na antítese do perto,
        mesmo assim o irmão mais adorado.       

Peno a causa dos teus, dos meus motivos, 
elo indelével de um laço afetivo,
de par em par se arrastam os dias meus.

sendo lenho lançado à correnteza,
eu queria salvar-te, com certeza,
mas, que fazer, querido? Eu não sou Deus!



ARTE DA GUERRA
Renã Leite Corrêa Pontes

O ensaio do jogo é a brincadeira mais séria.

Arte da guerra, morte anunciada,
ausência de mercúrio na ferida,
caminho sem retorno, cuja ida,
foi pleito de uma mente perturbada.

arma e dinheiro em prol da tirania,
mal que atravessa séculos sem cura;
economia de uma ditadura,
fósforo mofo de uma chama fria.

Órfã de mãe, madrasta das culturas;
ao pranto do oprimindo, enquanto juras,
conjuras a esperança por inteiro.

o jovem que o amor deixou de lado,
planta sementes de ódio cultivado,
rega de sangue e morte o travesseiro.



CONDENAÇÃO DO NÃO SER
Renã Leite Corrêa Pontes

Aos desempregados.

Quando me fere o teu sorriso agro,
ante a minha impotência, eu sofro e engulo
o meu critério, meu juízo nulo,
e o sal que escorre no meu rosto magro.

volta-me a azia, perco a fé, me anulo,
quando me feres com tua confiança,
quase chorando como uma criança,
por teus esforços de retorno chulo.

Pedi a Deus fortuna em teu caminho,
mas, os homens faltaram ao juramento:
não nasceu flor no roseiral de espinho,

desta terra socada por mil cascos,
devido as letras deste parlamento
e um defeito de gene em teus carrascos.



VISÕES
Renã Leite Corrêa Pontes

Intentando esquecer-te coração,
esqueci-me de mim e, por desgosto,
em tudo eu vejo o teu divino rosto,
teus olhos tristes, cheios de emoção.

e quando, em sonho, o toque da tua mão
vem percorrer a minha, por suposto,
fico a lembrar do muito que eu te gosto,
com sempiterna e singular paixão.

Palavras não definem o quanto eu amo;
os céus fogem de mim quando eu te chamo,
dizendo apenas que a paixão contida

será, no céu vivida, em outra vida.
mas, para mim, viver no céu seria,
apenas poder ver-te todo dia.



ÚLTIMO TRIBUTO
Renã Leite Corrêa Pontes

No andar de cima, num delgado leito,
amei uma mulher perdidamente.
janela aberta para o sol nascente,
o sol resplandecia no seu peito.

pescoços para trás, na ação cadente,
pés calcados no chão do parapeito,
ninguém jamais amou daquele jeito,
se alguém disser que amou é porque mente.

Depois riu, me abraçou, se fez calada,
partiu muda, no fim da madrugada,
como se nada houvesse acontecido,

levou consigo todo o amor que eu tinha,
deixou comigo esta saudade minha.
e nunca mais eu me senti querido.



LEGADO
Renã Leite Corrêa Pontes

Eu gosto de poema nota vinte,
de envergadura, com roupagem fina,
capaz de, em alto estilo, e com requinte,
roubar-me e arrebatar-me da rotina.

eu gosto do poema conseguinte.
dou preferência a versão latina,
com rima rica e a pausa alexandrina,
encadeada no verso seguinte.

Amo um poema quando me arrebata,
que, compensando da pressa que mata,
cheira a bacante carregando o vinho,

deixando marcas na vida da gente,
no estilo de papai, que sorridente,
soltava uma moeda em meu bolsinho.



NATAL
Renã Leite Corrêa Pontes

A meu afilhado Raimundo Nonato, in memoriam.

Santa Bíblia de Deus, livro imponente,
levai neste natal, por caridade,
a fé, a consciência e a humildade,
a todo coração, do amor carente.

Lembrai que Deus amou a humanidade,
e deu ao pobre mundo, de presente,
exemplo de humildade onipotente,
a bem que o mundo fosse de igualdade.
      
Dizei que é Natal entre os cristãos,
mas que além disto... todos são irmãos!
porque nascemos deste amor profundo.

Pedi ao mundo guerrilheiro a paz,
dizei que os céus já não suportam mais
tanta injustiça neste aflito mundo.



A PESTE
Renã Leite Corrêa Pontes

Ao meu cunhado Hirofumi Hamaguchi.

Fronte a Judia, desaguando em dique,
a velha Quinari de antigamente,
de casebres de palha - em paus a pique -
cobria os sonhos meus e a minha gente

laboriosa, lembro direitinho,
lá, todo filho tinha o seu ofício.
ninguém sentava à beira do caminho,
dando sorte ao azar, refém do vício.

Éramos negros, brancos e alguns “nipos”,
jovens e velhos de diversos tipos,
todos, cumprindo o seu dever, contentes,

mas, a peste assolou a nossa vida.
moléstia para nós desconhecida:
não há trabalho para as novas gentes.



DESENCONTRO
Renã Leite Corrêa Pontes

Respiro o teu Dior, teu cheiro fixado,
curtido no meu corpo, e nunca te amei.
cultivo uma estação de flores do passado,
mil beijos que eu te dei, mas nunca te beijei.

a falta de você me deixa perturbado,
insone e sem porquê, levanto muito cedo,
carente de escutar o barulhinho ledo
das filhas que eu te dei, mas nunca me hás amado.

Juravas não me amar em crises de ciúme...
dizias não dormir sentindo o meu perfume...
agora que esqueci teu rosto que amei tanto,

a tua voz, teu cheiro e o teu andar felino,
agora que encontrei em outra o meu destino,
tu voltas para mim, como que por encanto.



NOLÍ ME TANGERE
Renã Leite Corrêa Pontes

De todo o meu cenário tomas parte,
mas dividir-te já não me convêm.
devido a isto, foi que... para o bem,
para o teu bem eu tive que deixar-te.

ser teu marido, muito me convinha;
por isto não medi dedicação,
em prol da tua nobre e santa mão,
de corpo “e alma” te fizeste minha.

Porém, no lar em que eras tão amada,
vivias pesarosa e ensimesmada,
devido ao peso desta vocação.

remorsos vêm a mim porque blasfemo,
ao disputar-te com o Deus supremo,
o meu pecado não terá perdão.



SE EU FOSSE UM SACERDOTE
Renã Leite Corrêa Pontes

A José do Carmo Carile

Se eu fosse um sacerdote, em meus sermões,
não falaria em dízimo ou dinheiro,
cantaria um poeta verdadeiro
e passaria além das convenções.

não renderia culto às tradições,
mas abonava o gesto hospitaleiro,
de quem se dá ao bem, de corpo inteiro,
e rezaria os Versos de Camões.

Pregaria o silêncio como norma
e só nos lares permitia a reza,
mas para dar exemplo de beleza,

declamaria dois poemas meus,
todos sonetos, que é a melhor forma,
de, sem silêncio, se achegar a Deus.



A MULHER
Renã Leite Corrêa Pontes

Caprichada nos traços do semblante,
desenhada com tinta perfumada,
entalhe feito por artista amante,
com voz e tudo, não lhe faltou nada.

trouxe no abraço a força de um gigante,
até na ausência pode ser notada.
seu contato da pele delicada
pode elevar ao nono céu de Dante.

A mulher deu ao mundo a vida e o brilho
e realiza nos sonhos de um filho,
seu projeto de sujeição da dor.

no bem do filho... ela faz-se eleita,
com devoção telúrica perfeita,
manifesta na carne o Deus de amor.



ENTALHE À AMAZÔNICA
Renã Leite Corrêa Pontes

Vou entalhar a golpes de martelo,
na tábua de carvalho da esplanada,
o teu “retrato”, em letra esbranquiçada,
no meu poema mais castiço e belo

e augusto... o luso mais verde-amarelo.
borda fresada e ricamente ornada.
vou esculpi-lo, na ogival chapada,
com arte sem padrão nem paralelo.

Vou definir-te como és, cem por cento,
depois, num transe de arrebatamento,
imaginar te ver sorrindo inteira.

e, envernizando o teu nome encravado,
quero, por fim, amor, meu anjo amado,
deixar-te eternizada na madeira.




Um comentário:

  1. Parabéns pelo blog em que os sonetos se tornam eternos. Conheci através das queridas poetas Carmo Vasconcelos e Regina Coeli e me encantei. Salvei no lugar onde guardo meus tesouros literários. Aplaudindo, deixo o meu abraço. Maria Luiza Bonini - Facebook

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