Diz a Delta Larousse, no verbete
"Arcádia": “Arcádia, em gr. Arkadia, nome da Grécia, no centro de
Peloponeso. Região de pastores, a Arcádia guardara sua primitiva população de
pelasgos. As cidades (Mantinéia, Orcômena, Tégea) agruparam-se em
confederações, depois entraram na Liga Aquéia e lhe deram seu chefe mais
ilustre, Filopêmene. / Lit. Em poesia, outrora chamava-se "Arcádia" a
um país imaginário de felicidade bucólica, evocado pelos poetas renascentistas
(Sannazaro, Montemayor, Sidney)".
O Lello Universal acata esses dados, mas,
em aditamento. oferece outros, que podem ser assim resumidos, o que fazemos,
apenas, a título de ilustração:
No verbete "Pelasgo":
"Língua dos Pelasgos e que se falava ainda, ao que parece, no século V,
antes da nossa era, na costa da Trácia, no sul da Propôntida e em certas ilhas
como Imbros e Lemnos, onde, em 1885, apareceu uma famosa inscrição, aliás ainda
não interpretada".
No verbete "Pelasgos": "Povo
antiquíssimo que ocupou, nos tempos pré-históricos, a Grécia, o Arquipélago, o
litoral da Ásia Menor e a Itália. Esta população primitiva nunca constituiu,
sem dúvida, uma nação definida; foi expulsa ou reduzida à escravidão pelos
Helenos. Antes da conquista dos seus territórios pelos Gregos, os Pelasgos,
agricultores e pacíficos, haviam erguido em torno das suas cidades muralhas
ciclópicas, formadas por enormes blocos de pedra, indestrutíveis, apesar de
construídas sem cimento. Admite-se geralmente que os antigos trácios, frígios,
lídios, etruscos, epirotas, iiírios, italiotas (samnitas, oscos, etc.) e os
Albaneses atuais são ramos mais ou menos cruzados dos Pelasgos"
"O nome de Arcádia — escrevem Antônio
Cândido e J. Aderaldo Castello — evoca a região da Grécia em que se localizou convencionalmente
o modelo ideal da vida rústica; e os membros daquela associação tomaram
pseudônimos e se chamaram de pastores, tratando de pastoras as suas personagens
femininas".
Houve a célebre Arcádia Romana, criada em
1690, tendo raízes no romance pastoril, em prosa e verso, de Jacopo Sannazaro (1456-1530),
"no qual a vida campestre é idealizada como verdadeiro estado de
poesia".
O ARCADISMO EM PORTUGAL
O Arcadismo (ou neoclassicismo), derradeira
manifestação da literatura clássica portuguesa, teve como doutrina reformar o
gosto literário.
Os reformadores se reuniram na
"Arcádia Lusitana", ou "Arcádia Ulissiponense", que foi
fundada em 1756, tendo como modelo a Arcádia Romana. Suas reuniões se
realizavam nas praças e nos bosques.
Por que Arcádia Ulissiponense? É o mesmo que
Olisiponense, forma correta, relativo ou pertencente a Lisboa; lisbonense. E o Lello
Universal nos explica a origem da palavra: "Segundo a fábula, Ulisses, nas
suas viagens ou "errores", veio ao território ibérico do litoral do
Atlântico e fundou no Tejo uma cidade, “Olisipo", hoje Lisboa".
Surgiu a Arcádia Lusitana, para sepultar o
"seiscentismo", seja, o barroco literário de origem espanhola,
substituindo-o pela imitação dos clássicos latinos e gregos. Horácio, Virgílio
e Ovídio (latinos), Anacreonte, Píndaro e Teócrito (gregos) voltaram a brilhar
com seus gênios imortais. E até os clássicos “quinhentistas" portugueses,
como Camões, Sá de Miranda e Rodrigues Lobo, foram revalorizados, passando a
ser objeto da mesma devoção.
Foi idealizada em 1756 e fundada no ano
seguinte, por Anjo Diniz da Cruz e Silva (1731-1799) e Manuel Nicolau Esteves Negrão,
e lá estava expresso na introdução do seu estatuto: “O grande desejo que temos
de ver renascida em Portugal aquela áurea simplicidade, bom gosto e delicadeza,
que já viu florescer nos escritos dos seus autores do século XVI (que para
Portugal é o século de ouro) nos moveu a fundar nesta Corte um erudito Congresso...”
Antônio Diniz foi poeta de pouco
merecimento. Formado em Direito, viveu longos anos no Brasil. Celebrizou-se,
apenas, por ter servido na Alçada que julgou e condenou os Inconfidentes
Mineiros.
A Arcádia teve uma vida intensa, de 1757 a
1760, e realizou sua última sessão em 1770, segundo Fidelino Figueiredo, ou 1774,
conforme a Delta Larousse. A ela, pertenceram Bocage, Nicolau Tolentino e
outros poetas do período de transição do Classicismo para o Romantismo. Também
participaram poetas brasileiros que comungavam do mesmo ideal literário.
O emblema da Arcádia Lusitana era um lírio
branco, símbolo da Imaculada Conceição. E a divisa representada pela expressão latina
"Inutilia truncat", significando o desejo de banir tudo o que fosse
supérfluo em termos literários.
Adotavam os árcades nomes pastoris, como
"Elpino Nonacriense" (Antônio Diniz da Cruz e Silva); "Alcino
Micênio' (Reis Quita); "Lícidas Cintio" (Manuel de Figueiredo);
"Córidon Erimanteu" (Correia Garção); "Cândido Lusitano"
(Francisco José Freire); "Fábio" (Joaquim de Foyos); "Almeno
Sincero” (Esteves Negrão).
Segundo dizia Garção, "o poeta não
pode perder os antigos de vista, mas, seguindo este rumo, pode largar velas à
sua fantasia e voar até descobrir novos mundos. Feliz aquele não imita, mas
excede o original".
Cabe aqui lembrar que "Filinto
Elísio" (1734-1819) — padre
Francisco Manuel do Nascimento — tornou-se líder de uma capela poética": o
grupo da Ribeira das Naus, adversário da Arcádia Lusitana.
Em 1790, foi fundada a "Nova
Arcádia", ou "Academia das Belas-Artes de Lisboa", pelo Conde de
Pompeiro e por José de Vasconcelos e Sousa, dela fazendo parte Bocage
("Elmano Sadino”), José Agostinho de Macedo ("Elmiro Tagideu"),
Curvo Semedo ("Belmiro Transtagano"), Pato Moniz ("Alino")
e o brasileiro Domingos Caldas Barbosa ("Lereno").
O ARCADISMO NO BRASIL
O Arcadismo, no Brasil, começou em 1768,
com Cláudio Manuel da Costa, vindo até 1836, quando as bases do Romantismo foram
lançadas por Gonçalves de Magalhães.
Clóvis Monteiro lembra o seguinte: —
"Em verdade a literatura brasileira já nasceu clássica e erudita no século
XVII, quando se achava em pleno triunfo o Culteranismo na Europa. Foi culteranista,
como a portuguesa, até os meados do século XVIII: daí por diante, até o advento
da Escola Romântica, desenvolveu-se em consonância com o Arcadismo, que era
animado em Portugal, como na Itália, de espírito reacionário, tendente a
prestigiar os verdadeiros princípios da Escola Clássica. Culteranismo e Arcadismo
representam, pois, modalidades do Classicismo".
Movimento acima de tudo poético,
salientou-se o Arcadismo Brasileiro pela formação de um conjunto harmônico, o
principal da nossa história literária, aparecendo como elementos principais
Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, Inácio de Alvarenga Peixoto,
Manuel Inácio da Silva Alvarenga, Basílio da Gama (poeta épico do
"Uruguai", aliás "Uraguai", publicado em Lisboa no ano de
1769), e Frei José de Santa Rita Durão (poeta épico do "Caramuru",
também editado em Lisboa, em 1781).
Estrearam entre 1768 e 1795, com exceção de
Alvarenga Peixoto, que não publicou livro. A não ser Gonzaga, que nasceu em Portugal,
todos nasceram em Minas Gerais. Por outro lado, menos Basílio, estudaram em
Coimbra.
Ronald de Carvalho, referindo-se a esse
punhado brilhante de poetas, adotou a designação de "Escola Mineira".
José Veríssimo chamou “Plêiade Mineira". Outros falam, simplesmente, em “Grupo
Mineiro".
Levando-se. em conta o significado usual de
"Escola Literária", que implica na existência de uma doutrina comum e
de um chefe, constelação poética não deve receber tal designação. Doutrina
comum houve — a do neoclassicismo, ou arcadismo. Não porém, um chefe, muito
embora Cláudio Manuel da Costa exercesse uma certa ascendência, pelo menos
sobre Tomás Antônio Gonzaga.
Cláudio foi, no Brasil, o primeiro a
demonstrar idéias neoclassicistas. Um exímio sonetista e o representante máximo
do Arcadismo entre nós. Tomás Antônio Gonzaga não pode ombrear-se a ele, em
matéria de soneto, mas é, sem dúvida, um dos maiores poetas brasileiros do
século. José Basílio da Gama, eis aí um lídimo poeta, inclusive bom sonetista.
Alvarenga Peixoto, pela beleza de seus sonetos esparsos, brilhantes, esbatidos
de vaga nostalgia, está relacionado entre os grandes poetas de sua geração.
Silva Alvarenga e Santa Rita Durão, que, parece, não escreveram sonetos, fizeram-se,
igualmente, autores de decassílabos luminosos, bem feitos, embora não se possa
situá-los no mesmo nível de seus companheiros.
O forte desses poetas é o lirismo. E não se
pode pôr em dúvida que eles exerceram influência sobre os nossos românticos e parnasianos.
Aliás, no Arcadismo mineiro, Sílvio Romero já vê sinais de proto-romantismo, ou
seja, transição do Classicismo para Romantismo.
No Rio de Janeiro, foi a "Arcádia
Ultramarina" a que gozou de maior renome, a que mais influiu sobre a
literatura, embora pouco se saiba de positivo a seu respeito. Teria sido
fundada em 1780 (segundo uns) ou 1783 (segundo outros), pelos poetas Manuel
Inácio da Silva Alvarenga e José Basílio da Gama, sob o patrocínio do Vice-Rei
Dom Luís de Vasconcelos e Sousa e do Duque Dom José Justiniano Mascarenhas
Castelo Branco.
Dela foram membros atuantes, entre outros:
Inácio José de Alvarenga Peixoto
("Alceu" e "Eureste Fenício"); Tomás Antônio Gonzaga
("Dirceu"); José Bonifácio, o Velho ("Américo Elísio");
Cláudio Manuel da Costa ("Glauce Satúrnio"); José Basílio da Gama
("Termindo Sirpílio"); Manuel Inácio da Silva Alvarenga ("Alcindo
Palmireno"); Domingos Caldas Barbosa (“Lereno”); José Mariano da Conceição
Veloso; Manuel Arruda Câmara; João Pereira da Silva; Antônio Cordovil; Baltasar
da Silva Lisboa; Frei José de Santa Rita Durão.
Ainda no Rio de Janeiro, houve a
"Sociedade Literária". cujas atividades se iniciaram em 6 de junho de
1786, e cujos estatutos, aprovados pelo Vice-Rei Luís de Vasconcelos e Sousa,
foram redigidos por Manuel Inácio da Silva Alvarenga, seu principal fundador.
Curioso é o que diz, a respeito, a Delta
Larousse: "Afirma-se que essa Sociedade seria a Arcádia Ultramarina
reestruturada. Seus sócios principais foram Manuel Inácio da Silva Alvarenga, Mariano
José Pereira da Fonseca (depois Marquês de Maricá) e João Manso. Com a mudança do vice-rei, o novo titular, Conde de
Resende, interrompeu os trabalhos da Sociedade, em 1794, e, seis meses depois,
dissolveu-a,
por ver, naquela reunião de literatos, atividades políticas decorrentes do
movimento da Inconfidência Mineira.
Já José Veríssimo dá outra versão ao
assunto: Ele "nega a existência da Arcádia Ultramarina, dizendo que há
confusão dos historiadores entre ela e a Sociedade Literária, que teve duas
fases”.
O GRUPO MINEIRO
O "Grupo Mineiro", ou
"Plêiade Mineira", floresceu entre 1750 e 1830, na Capitania mais
rica e mais populosa do país, ensaiando, por assim dizer, os primeiros passos
no sentido da nossa autonomia literária e também política. Era natural que, ao
lado da riqueza, se desenvolvesse, igualmente, a cultura. E assim, por uma
questão de lógica, o centro cultural da colônia deixou as praias para galgar as
montanhas. Vila Rica, São João del Rei e Sabará passaram a ser estrelas de
primeira grandeza da intelectualidade brasileira.
A civilização do ouro nos legou figuras
insignes de nossas artes, destacando-se (1738-1814) Antônio Francisco Lisboa (o
“Aleijadinho”), na escultura e na arquitetura; Manuel da Costa Ataíde, na
pintura; e essa coleção de poetas do "Grupo Mineiro".
Honestamente, não se pode negar que o
movimento marcou a transição da literatura portuguesa para a brasileira. E
trouxe, no seu bojo, outro movimento: o de emancipação, a que se chamou
"Inconfidência Mineira".
Diz-nos Ronald de Carvalho, relembrando,
ainda, as lutas que tivemos de travar: "Os alicerces de uma nova
nacionalidade se _desenhavam nitidamente; a voz do povo já se fazia escutar com
acentos e timbres diferentes". (....) "Os doutos e os eruditos
estavam ainda presos a Portugal, mas a plebe, o "vulgo profano"... tinha
os olhos voltados para a terra natal, para a dura gleba tão espoliada pelos
senhores de ultramar". (....) "Alguns homens, mais idealistas que
práticos, tomaram a dianteira de um movimento separatista". (....)
"Quem fez a Revolução Francesa não foi Voltaire, com as suas sátiras, nem
Rousseau, com os seus romances: foi a fome, com as suas dores e misérias. O
povo brasileiro padecia, é verdade, mas ainda não resolvera num projeto de
revolução seus desejos de viver melhor e mais fartamente. Eis porque o gesto
cavalheiresco dos José Maciel e dos Tiradentes falhou lamentavelmente no
patíbulo e nos presídios... que a África, inóspita e selvagem, abriu aos
desterrados".
Mas, mesmo sacrificados pelos sonhos de
cores políticas da Conjuração, os seus principais componentes nos deixaram
obras notáveis.
Pertenciam, quase todos, como vimos, à
Arcádia Ultramarina. E alguns foram muito bons sonetistas.
Esse grupo não se afastou do Arcadismo. Ao
contrário, continuou a ser dele parte integrante. As feições predominantes, no
seu lirismo, foram a bucólica e a amorosa.
Vamos desfilar, a seguir, produções de
maior significação dos integrantes mais destacados do Grupo.
José Basílio da Gama (1741-1795),
neoclássico, tanto na poesia lírica como na épica, revelou-se poeta de largos
vôos. É autor do poema épico "Uruguai", aliás "Uraguai", de
cinco cantos, em versos decassílabos brancos, focalizando a luta que
portugueses e espanhóis moveram contra jesuítas e índios no Sul (Sete Povos das
Missões), e contendo episódios brilhantes, como a morte da heroína Lindoia,
mulher do cacique Cacambo. Ë, realmente, uma página antológica.
O poema parece anunciar o Romantismo. O seu
herói é Gomes Freire de Andrade, que divide as honras com o cacique. Este morre
no acampamento incendiado. A índia se suicida, deixando-se morder por uma
serpente venenosa. E morta, não perdeu sua beleza:
... Inda conserva o pálido semblante,
um não sei quê de magoado e triste,
que os corações mais duros enternece...
Tanto era bela no seu rosto a morte!
José Basílio da Gama foi, também, um
excelente sonetista, como se vê pelo seu soneto conhecido sob o titulo
"Marfisa", que, na antologia "Poesia Barroca", de Péricles
Eugênio da Silva Ramos, traz o título: "A uma Senhora natural do Rio de
Janeiro, onde se achava então o autor":
Já,
Marfisa cruel, me não maltrata
saber
que usas comigo de cautelas,
que
inda te espero ver, por causa delas,
arrependida de ter sido ingrata.
Com
o tempo, que tudo desbarata,
teus
olhos deixarão de ser estrelas;
verás
murchar no rosto as faces belas,
e
as tranças de oiro converter-se em prata:
Pois
se sabes que a tua formosura,
por
força há de sofrer da idade os danos,
por
que me negas hoje esta ventura?
Guarda
para seu tempo os desenganos,
gozemo-nos
agora, enquanto dura,
já
que dura tão pouco a flor dos anos.
______
Verso
1
— Marfisa: o nome surge no "Orlando Furioso", de Ariosto, c. XVIII,
99. (Péricles Eugênio da Silva Ramos)
É de José Basílio da Gama, igualmente, o
bonito soneto "A uma Senhora" (que o autor conheceu no Rio de Janeiro
e viu depois na Europa):
Na idade em que eu, brincando entre os
pastores,
andava pela mão e mal andava,
uma ninfa comigo então brincava,
da mesma idade e bela como as flores.
Eu, com vê-la, sentia mil ardores;
ela punha-se a olhar e não falava.
Qualquer de nós podia ver que amava,
mas quem sabia então que eram amores?
Mudar de sítio à ninfa já convinha:
foi-se a outra ribeira; e eu só, naquela
fiquei sentindo a dor que na alma tinha.
Eu, cada vez mais firme; ela mais bela.
Não se lembra ela já de que foi minha;
eu ainda me lembro que sou dela!...
______
Nota de Péricles Eugênio da Silva Ramos, em sua "Poesia Barroca", pág. 270:
—"Recolhido por Joaquim Norberto de
Sousa Silva, provavelmente por intermédio de Carlos Augusto de Sá, segundo
supõe José Veríssimo, que o deu à estampa nas "Obras Poéticas", 1903,
pág. 226, e que julga este soneto "talvez o mais belo" de
Basílio".
Reproduzimos, também de José Basílio da
Gama, o soneto “A resignação",
escrito "por ocasião de ser o autor condenado pelo Tribunal da
Inconfidência ao degredo de África":
Temam
embora a morte os que aferrados
aos
grossos cabedais, que possuíam,
nunca
tão de repente presumiam
que
lhes fossem das mãos arrebatados.
Sintam
deixar com a vida os começados
muros
de altos palácios, que erigiam;
a
cara esposa, os filhos, que cresciam;
os
brandos leitos; os tremós dourados.
Que
eu, sem bens e sem casa, vagabundo,
mal
coberto com o manto da indigência,
já
não temo da morte o horror profundo.
No
que me tira não me faz violência,
que
o melhor modo de sair do mundo
é
cheio, ou de miséria ou de inocência.
De sua terra natal, São José do Rio das
Mortes (hoje Tiradentes, MG), José Basílio da Gama veio para o Rio de Janeiro,
onde começou a estudar no colégio dos Jesuítas. Em 1759, o marquês de Pombal
(1699-1782) baixou o decreto que baniu do território do Brasil e das colônias
os membros da Companhia de Jesus. Só do Brasil saíram mais de 600 padres.
Basílio, que era apenas noviço, foi beneficiado pela própria lei e, assim,
permaneceu no país, passando a estudar no seminário episcopal de São José. Logo
após, entretanto, seguiu para Portugal e lá viveu isolado, com receio de ser
preso.
Os jesuítas o ajudaram a ir para Roma, onde
se alistou entre os acadêmicos da Arcádia Romana, adotando o nome arcádico de
Termindo Sipílio. Voltou a Portugal em 1767 e veio para o Brasil. No ano
seguinte (1768), regressou a Lisboa, sendo detido por ordem de Pombal e
denunciado como jesuíta. Conquistou a liberdade, mas, para isso, teve de
assinar um documento em que se comprometia a embarcar, no prazo de seis meses,
para Angola.
Salvou-o, porém, a poesia. Coincidiu que
Maria Amália, filha do marquês de Pombal, se casou; e o poeta publicou um
epitalâmio, contando, inclusive, suas agruras e implorando a ajuda do poderoso
governante. A sentença foi cancelada e Basílio passou a gozar das graças de
Pombal, que o nomeou seu secretário.
Em 1771, recebeu carta de nobreza e
fidalguia e, em 1774, nomeado oficial da Secretaria do Ministério do Reino.
Manteve-se fiel a Pombal, não obstante a
queda do prestígio deste, a partir de 1776, quando o rei D. José caiu
gravemente enfermo, morrendo em 1777.
Tomás Antônio Gonzaga (1744-1809)
escreveu "Marília de Dirceu", primeiro grande momento do lirismo
brasileiro e, talvez, nesse particular, o livro mais apreciado da nossa língua.
Lirismo ingênuo e burguês. É a história dos amores do poeta de 38 anos pela
brasileirinha de 16 anos, Maria Dorotéia Joaquina de Seixas, a sua
"Marília", de quem era noivo, já de casamento marcado, quando foi
preso e banido da pátria, vivendo e morrendo em Moçambique (Africa).
Nasceu no Porto (Portugal), de pai
brasileiro e mãe portuguesa, filha de inglês. Mas, diz José Veríssimo:
"Foi o Brasil que o fez poeta, e é isto que o naturaliza brasileiro".
Na verdade, mesmo sendo português de
origem, muitos o consideram, provavelmente, o mais brasileiro dentre os poetas
de seu tempo. E, sem desdouro para Basílio da Gama, revelou-se o mais
equilibrado neoclássico da poesia arcádica, em nosso país.
Formado em Direito pela Universidade de
Coimbra. Era Ouvidor em Vila Rica, onde, na casa de residência a que, oficialmente,
fazia jus, viveu de 1784 a 1789.
Gonzaga também se distinguiu como poeta
satírico. Já se admite, hoje, geralmente, ter sido ele o autor principal das famosas
"Cartas Chilenas" (1789). Cláudio Manuel da Costa teria sido co-autor
desse poema: "Chilenas" equivale a "Mineiras", uma vez que
Chile é disfarce de Minas Gerais. Santiago é dissimulação de Vila Rica.
Marília, a menina-moça, morava na Casa
Grande, do hoje Largo de Marília, mas costumava deixá-la para passar dias em
casa de sua tia D. Ana Cláudia, casada com Antônio Saião. A casa de D. Cláudia
era parede-meia com a do Ouvidor. Das janelas desse casarão começou o namoro de
Dirceu e Marília. Mas, Gonzaga vira Maria Dorotéia, pela primeira vez, em casa
do Dr. Bernardo da Silva Ferrão, "advogado e grã-fino de leituras".
Maria Dorotéia era uma menina de poucas
letras, coisa natural naquele tempo, principalmente na idade dela.
Para que a musa "tolinha" pudesse
compreendê-lo, Gonzaga — apesar de árcade culto e talentoso de Vila Rica —
esmerava-se em escrever com a maior naturalidade e singeleza possíveis,
superando o formalismo da escola com suas inesquecíveis liras.
E Marília, que a princípio troçava dos
amores daquele quarentão apaixonado, passou a receber presentes e versos do
poeta. Os versos simples e amorosos que Gonzaga lhe oferecia, acabaram por
envaidecê-la; e, afinal, a mocinha consentiu no namoro, tendo a tia por
medianeira. E o namoro, que passou a ser "acompanhado de perto" por
toda Vila Rica, transformou-se em amor sincero e, logo depois, em noivado.
Diga-se amor sincero muito mais da parte dela, como o futuro veio a provar.
Aliás, o estilo adotado tão
inteligentemente por Gonzaga, florido de simplicidade e formosura, e que era
aceito com certa surpresa pelos demais "árcades", constituiu-se, para
o poeta, num estratagema de maravilhoso efeito, chegando mesmo Jorge de Lima a
considerá-lo o verdadeiro precursor do romantismo no Brasil.
Quando da prisão do poeta, a noiva quis
acompanhá-lo ao exílio, no que foi proibida pela família. Já em Moçambique,
Gonzaga demonstrou desejo de que Marília para lá viajasse, sendo o pedido
negado pelo mesmo motivo: a total objeção da família.
Algum tempo depois, Gonzaga, interpretando
mal os sentimentos da noiva brasileira, ou julgando-a, talvez, uma ingrata,
casou-se com a luso-africana Juliana de Sousa Mascarenhas, uma senhora de cor,
muito rica e pouco instruída. Era "herdeira da casa moçambicana mais
opulenta em transações de escravatura", segundo Jorge de Lima.
Ainda são de Jorge de Lima (Revista
"Letras Brasileiras", de maio de 1943, editada pela "A
Noite"), estas palavras escritas com uma pitada de ironia: — "Gonzaga
triunfou economicamente. Velhice amparada em negócios de escravidão humana.
Castro Alves nunca soube disto".
Por seu lado, Marília, em Vila Rica,
continuou fiel ao noivo exilado, dedicada aos seus trabalhos domésticos,
criando os sobrinhos e jamais se esquecendo do poeta.
Sua vida foi, pois, uma admirável lição de
amor. Morreu solteira, em sua terra natal, aos 79 anos de idade.
Gonzaga, como afirma António Cândido,
"em nossa literatura é dos maiores poetas, dentre os sete ou oito que
trouxeram alguma coisa à nossa visão do mundo; e, nas literaturas românticas do
tempo, forma, sem deslustre, ao lado de um Bocage".
"Marília de Dirceu", em que
"há muito de confissões pessoais", é composto de três partes: a
primeira, publicada em Lisboa, em 1792; a segunda, em 1799; e a terceira é de
publicação póstuma.
"Liras", é o título geral das
poesias. Dirceu era o nome arcádico de Gonzaga; e Marília o nome poético de
Maria Dorotéia. Foi o primeiro livro de poesias brasileiras traduzido para um
idioma estrangeiro, no caso o francês (Paris, 1824).
Gonzaga publicou poucos sonetos. Oferecemos,
a seguir, das "Liras", um primoroso soneto em que nos fala de seu
modo de ser e de agir, como magistrado íntegro que era, em Vila Rica:
Obrei
quanto o discurso me guiava,
ouvi
aos sábios quando errar temia;
aos
bons no gabinete o peito abria,
na
rua a todos como iguais tratava.
Julgando
os crimes, nunca os votos dava
mais
duro, ou pio do que a Lei pedia;
mas
devendo salvar ao justo, ria,
e
devendo punir ao réu, chorava.
Não
foram, Vila Rica, os meus projetos
meter
em férreo cofre cópia de ouro
que
farte aos filhos, e que chegue aos netos:
outras
são as fortunas, que me agouro;
ganhei
saudades, adquiri afetos,
vou
fazer destes bens melhor tesouro.
Como prova da riqueza de sua lírica,
apresentamos este outro soneto, extraído das "Obras Completas"— Ed.
Rodrigues Lapa:
Mudou-se enfim Lidora, essa Lidora
por quem mil vezes fé me foi jurada.
Que vos detém, ó céus, que castigada
ainda não deixais tão vil traidora?
Não haja piedade; sinta agora
a dita sem remédio em mal trocada;
pois, se assim não sucede, fica ousada
para ser outra vez enganadora.
Vingai, ó justos céus... mas ah! que digo?
Que maltrateis Lidora? — O sentimento
privou-me do discurso; eu me desdigo.
Não, não vibreis o raio violento;
pois sei que a compaixão do seu castigo
há de aumentar depois o meu tormento.
Inácio José de Alvarenga Peixoto (1744-1793).
Formado em Coimbra. Ouvidor no Rio das Mortes. Casou-se, em São João del Rei,
com D. Bárbara Heliodora Guilhermina da Silveira Bueno (1759-1819), tendo
nascido dessa união Maria Efigênia, cognominada "princesa do Brasil",
pela sua beleza invulgar.
Em 1780, abandonou a magistratura, vivendo
abastado, com os lucros da mineração e da lavoura. Foi um dos chefes da
conspiração chamada "Inconfidência Mineira". Para legenda da bandeira
revolucionária, propôs o verso de Virgílio "Libertas quae sera tamen"
(Écloga, I, v. 27).
D. Bárbara ficou famosa pelo seu ânimo
varonil, amparando a fé vacilante do marido.
Condenado à morte e com seus bens
confiscados, Alvarenga Peixoto teve a pena comutada em degredo perpétuo.
Exilado para Angola (África), lá faleceu, velho e esquecido.
É autor de cerca de vinte sonetos
conhecidos, entre os quais "Estela e Nize", que está transcrito em
outro capítulo deste volume, "Os sonetos brasileiros mais populares".
Relembramos, aqui, outro soneto do imaginoso poeta, por ele escrito em 1786,
quando a filha, Maria Efigênia, completava sete anos. Domingos Carvalho da
Silva, em alguns trabalhos, inclusive num artigo publicado em "O Estado de
São Paulo" de 12.8.1961, sob o título "História de um Soneto",
atribui sua autoria a Bárbara Heliodora, que era, também, poetisa talentosa:
Amada
filha, é já chegado o dia,
em
que a luz da razão, qual atocha acesa,
vem
conduzir a simples natureza:
é
hoje que o teu mundo principia.
A
mão, que te gerou, teus passos guia;
despreza
ofertas de uma vã beleza,
e
sacrifica as honras e a riqueza
às
santas leis do Filho de Maria.
Estampa
na tua alma a Caridade,
que
amar a Deus, amar aos semelhantes,
são
eternos preceitos da Verdade.
Tudo
o mais são idéias delirantes;
procura
ser feliz na Eternidade,
que
o mundo são brevíssimos instantes.
____
NOTA — O 1.° verso do
2.° quarteto: "a mão, que te gerou, teus passos guia..."
pode,
realmente, dar lugar a uma dúvida. Pelo menos à primeira vista, teria um
sentido mais natural "a mãe, que te gerou..."
Isto
atribuiria uma certa força à tese de Domingos Carvalho da Silva, sobre a
autoria do soneto, embora Alvarenga Peixoto, mesmo sendo, como pensamos, o
verdadeiro autor, pudesse escrever, também, "a mãe que te gerou",
referindo-se, não a ele, lógico, mas à própria Bárbara Heliodora. Nesse caso,
estaria fazendo alusão a uma terceira pessoa, "a mãe". De qualquer
maneira, não nos cabe discutir se, no original escrito em 1786, estava "a
mão" ou "a mãe".
Na
"Antologia Brasileira", do Prof. Eugênio Werneck (pág. 419); em
"Os 150 mais célebres sonetos da língua portuguesa", de José Schiavo
(pág. 34); e até na "Vida e Obra de Alvarenga Peixoto" (1960, pág.
39), está, mesmo, "mão", e não "mãe".
Registramos
mais este soneto de Alvarenga Peixoto:
Ao
mundo esconde o Sol seus resplendores,
e
a mão da Noite embrulha os horizontes;
não
cantam aves, não murmuram fontes,
não
fala Pã na boca dos pastores.
Atam
as Ninfas, em lugar de flores,
mortais
ciprestes sobre as tristes frontes;
erram,
chorando, nos desertos montes,
sem
arcos, sem abavas, os Amores.
Vênus,
Palas e as filhas da Memória,
deixando
os grandes templos esquecidos,
não
se lembram de altares nem de glória.
Andam
os elementos confundidos:
ah,
Jônia, Jônia, dia de vitória
sempre
o mais triste foi para os vencidos!
______
NOTA — Neste soneto — Julga
o Prof. Rodrigues Lapa — Alvarenga fala de sua própria derrota por outro candidato ao amor de D.
Joana Isabel, presumivelmente José Anastácio da Cunha, também poeta e lente de
Matemática Universidade de Coimbra, uma das "mais pujantes genialidades"
da cultura portuguesa. Anastácio aparece por volta de 1774 na vida de D. Joana
Isabel.
(Péricles Eugênio da Silva Ramos)
Cláudio Manuel da Costa (1729-1789) foi
outro expoente do “Grupo Mineiro", e um dos maiores poetas do período
colonial, autor do poema "Vila Rica", enaltecendo os feitos dos
bandeirantes e a fundação de Vila Rica. Poema rigorosamente arcádico, compõe-se
de dez cantos, em versos decassílabos de rima emparelhada.
Nasceu nas proximidades de Vila do Ribeirão
do Carmo, que, desde 1745, "passou a ser a cidade episcopal de
Mariana". Seus pais viviam de lavoura e mineração.
Foi ótimo sonetista, a ponto de João
Ribeiro achar que nas Literaturas Latinas era superado, apenas, por Petrarca e
Camões. Na opinião de Alberto de Oliveira, Cláudio foi o maior sonetista da
língua, em todo o espaço aberto entre Camões e Bocage. Alceu Amoroso Lima
revela que foi Cláudio Manuel da Costa "o primeiro escritor brasileiro
citado numa história universal da literatura, na obra de Bouterwek".
Cláudio chegou a preconizar a fundação de
uma Academia, em Vila Rica, "Colônia Ultramarina", para repetir a
"Arcádia Romana".
Formado em Direito canônico, pela
Universidade de Coimbra. Foi Secretário do Governo da Capitania de Minas.
Tímido e triste, foi colhido nas malhas da
conspiração mineira, suicidando-se quando se encontrava preso na Casa dos Contos,
em Vila Rica.
Tinha uma vida respeitável e deixou muitos
bens. Mas, seu nome há de ficar imortalizado, acima de tudo, como sonetista. O
Prof. Eugênio Werneck escreveu em sua "Antologia Brasileira":
"Almeida Garret fá-lo rival de Metastásio; e Camilo Castelo Branco
considera-o, sob muitos aspectos, superior a Bocage, o consagrado mestre do
soneto em português".
Muito embora bebesse nas fontes arcádicas,
sua poesia está cheia de paisagens brasileiras. E seu lirismo é rico de beleza,
elegante e sonoro.
Eis
o soneto "Nize" (XIII):
Nize?
Nize? onde estás? Aonde espera
achar-te
uma alma que por ti suspira,
se
quanto a vista se dilata e gira,
tanto
mais de encontrar-te desespera?
Ah!
se ao menos teu nome ouvir pudera
entre
esta aura suave, que respira!
Nize,
cuido que diz; mas é mentira.
Nize,
cuidei que ouvia; e tal não era.
Grutas, troncos,
penhascos da espessura,
se o meu bem, se a
minha alma em vós se esconde,
mostrai, mostrai-me
a sua formosura!
Nem
ao menos o eco me responde!
Ah!
como é certa a minha desventura!
Nize?
Nize? onde estás? aonde? aonde?
Mais
um soneto desse grande poeta:
Não
se passa, meu bem, na noite e dia,
uma
hora só, que a mísera lembrança
te
não tenha presente na mudança
que
fez, para meu mal, minha alegria.
Mil
imagens debuxa a fantasia,
com
que mais me atormenta e mais me cansa:
pois
se tão longe estou de uma esperança,
que
alívio pode dar-me esta porfia!
Tirano
foi comigo o fado ingrato,
que
crendo, em ti roubar, pouca vitória,
me
deixou para sempre o teu retrato:
eu
me alegrara da passada glória,
se,
quando me faltou teu doce trato,
me
faltara também dele a memória!
A
poesia de Cláudio Manuel da Costa, equilibrada entre o Barroco e a Arcádia, com
muitas auras do quinhentismo, atinge um nível bastante elevado:
Ai,
Nize amada! se este meu tormento,
se
estes meus sentidíssimos gemidos
lá
no teu peito, lá nos teus ouvidos
achar
pudessem brando acolhimento;
como
alegre em servir-te, como atento
meus
votos tributara agradecidos!
Por
séculos de males bem sofridos
trocara
todo o meu contentamento.
Mas
se na incontrastável pedra dura
do
teu rigor não há correspondência,
para
os doces afetos de ternura;
cesse
de meus suspiros a veemência;
que
é fazer mais soberba a formosura
adorar
o rigor da resistência.
_______
NOTA — O soneto, dos
mais musicais de Cláudio, ostenta figuras de palavras e aliterações, sábia distribuição de tônicas e versos amplamente
sugestivos, como os dois últimos da segunda quadra.
(Péricles Eugênio da Silva Ramos)
Dele,
outro expressivo soneto (XXXII):
Se
os poucos dias, que vivi contente,
foram
bastantes para o meu cuidado,
que
pode vir a um pobre desgraçado,
que
a idéia de seu mal não acrescente!
Aquele
mesmo bem, que me consente,
talvez
propício, meu tirano fado,
esse
mesmo me diz que o meu estado
se
há de mudar em outro diferente.
Leve,
pois, a fortuna os seus favores;
eu
os desprezo já; porque é loucura
comprar
a tanto preço as minhas dores:
se
quer que me não queixe a sorte escura,
ou
saiba ser mais firme nos rigores,
ou
saiba ser constante na brandura.
_______
NOTA — "O Poeta
receia o próprio bem futuro, pois a lembrança deste o atormentará depois".
(Péricles Eugênio da Silva Ramos)
No
soneto que se segue, "o humor do poeta enegrece a natureza":
Que
tarde nasce o Sol, que vagaroso!
Parece
que se cansa de que a um triste
haja
de aparecer: quanto resiste
a
seu raio este sítio tenebroso!
Não
pode ser que o giro luminoso
tanto
tempo detenha: se persiste
acaso
o meu delírio! se me assiste
ainda
aquele humor tão venenoso!
Aquela
porta ali se está cerrando;
dela
sai um pastor: outro assobia,
e
o gado para o monte vai chamando.
Ora,
não há mais louca fantasia!
Mas
quem anda, como eu, assim penando,
não
sabe quando é noite, ou quando é dia.
Finalmente, mostramos este soneto onde
"a natureza toda se abala com a morte de Nize. Tal solidariedade entre
pessoas e seres, várias vezes explorada por Cláudio, assume neste soneto belos
tons" (Observação de Péricles Eugênio da Silva Ramos):
Parece,
ou eu me engano, que esta fonte
de
repente o licor deixou turvado;
o
céu, que estava limpo, e azulado,
se
vai escurecendo no horizonte:
Por
que não haja horror, que não aponte
o
agouro funestíssimo, e pesado,
até
de susto já não pasta o gado;
nem
uma voz se escuta em todo o monte.
Um
raio de improviso na celeste
região
rebentou : um branco lírio
da
cor das violetas se reveste;
será
delírio! não, não é delírio.
Que
é isto, pastor meu? que anúncio é este?
Morreu
Nize (ai de mim), tudo é martírio.
OUTROS POETAS
Paralelamente ao "Grupo Mineiro",
surgiram outros poetas de menor importância. Na poesia satírica, João Pereira
da Silva, Antônio Mendes Bordalo, Costa Gadelha; e na poesia lírica, Domingos
Vidal Barbosa, Domingos Caldas Barbosa, Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha.
O Padre Domingos Caldas Barbosa
(1738-1800), autor de modinhas e lundus enfeixados em sua "Viola de
Lereno", foi um cantor de grande popularidade, apontado como um dos mais
destacados poetas que antecederam a época do Romantismo.
De Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha,
nascido no Amazonas e falecido no Pará (1769-1811), é este soneto, dedicado
"À mameluca Maria Bárbara".
O "título-dedicatória" deste
soneto é: "À mameluca Maria Bárbara, mulher de um soldado, cruelmente
assassinada no caminho da Fonte do Marco, perto da cidade de Belém, porque
preferiu a morte à mancha de infiel ao seu esposo".
Se acaso aqui topares, caminhante,
meu frio corpo já cadáver feito,
leva, piedoso, com sentido aspeito,
esta nova ao esposo aflito, errante.
Dize como de ferro penetrante
me viste, por fiel, cravado o peito,
lacerado, insepulto, e já sujeito
o feio tronco ao corvo altivolante.
Que de um monstro inumano, lhe declara,
a mão cruel me trata desta sorte;
porém que alívio busque à dor amara,
lembrando-se que teve uma consorte
que, por honra da fé, que lhe jurara,
à mancha conjugal prefere a morte.
(Das
páginas 526 a 543 de “O Mundo Maravilhoso
do Soneto”, de Vasco de Castro
Lima)
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