Por Vasco de Castro Lima



Vasco de Castro Lima





Estimar o soneto não é parar no tempo! Conservar não é sinônimo de retroagir. Ser fiel à tradição não é contrariar o processo histórico da poesia, mas resguardar a sensibilidade, apoiar a arte.

Para quem gosta de contemplar o azul-celeste da poesia, nada mais agradável que estar junto de um bom soneto. Nosso espírito se curva, reverente, diante de seus quatorze versos, como alguém que se abriga à sombra amiga de urna árvore copada e florida, ou se deixa embalar pelo sussurro da água cristalina de uma fonte.
Sua música esplêndida é portadora de mensagens mágicas, de imediato compreendidas por todos.

Estrela de primeira grandeza na constelação poética, não tem sido, apenas, como dissemos, alvo eqüidistante de apologistas e detratores. Tem sido, também, objeto de desapreço e ataques injustificáveis por parte de poetas aparentemente bem-intencionados, ou inocentes, que temeram ou temem haja o soneto ultrapassado o limite de tolerância que já lhe deram, inúmeras vezes.

Os poetas de todas as escolas e tendências, até o advento do modernismo, aceitaram e praticaram o soneto, respeitando-lhe as regras formais que constituem o seu fundamento e a sua própria razão de ser.

Os modernistas, ao contrário, na sua grande maioria, desprezam-no, descobrem-lhe males irreparáveis, defeitos de nascença e desenvolvimento, desgastes do uso e do tempo, demonstrações de velhice caduca.

Assumem atitudes professorais e desandam, pretensiosamente, a desentortar supostas impropriedades e vícios que só eles vêem, deficiências que só eles localizam.
Não se bastam com a sua poesia; precisam fazer do soneto uma pantomima revolucionária, porque tudo tem de ser do seu gosto.
Entretanto, é baldado esse mister inócuo.

Florejaram e reflorejam dedicações enternecidas a esse poema. Existiram poetas que só escreveram sonetos, como Herédia! Antero de Quental e Olavo Bilac o distinguiram com particular afeição, tanto que a grande maioria de suas produções poéticas é composta de sonetos.

Os que criticam o soneto, tacham-no de velho e ultrapassado. Ora, de acordo com a advertência de Agostinho de Campos, "ninguém obriga ninguém a compor sonetos".

Ademais, qual é a forma de poesia mais antiga? A do soneto "Ouvir estrelas" (com metro e rimas), de Bilac, ou a do "Cântico do Arco", em hebraico (sem metro e sem rimas), do rei David?
Pois bem, os atuais cultores do verso livre simplesmente repetem, imitam a forma três vezes milenar dos salmos de David. Os poemas denominados "modernos" são, pelo menos morfologicamente, similares ao "Cântico do Arco".

Quanto à oportunidade histórica da poesia chamada "concreta", ou "figurada", o absurdo é de igual força. Os seus adeptos se julgam vanguardeiros, quando ela remonta ao ano 324 a.C., cultivada por Símias de Rhodes. Participou, mesmo, da decadência grega e da decadência romana.

O poeta Rodrigues Crespo lembra isto muito bem e acrescenta: — "Em suma, do balanço criterioso das velharias e novidades poéticas, registradas pela história da literatura universal, resulta que moderno mesmo é o soneto, é a trova. O verso medido e rimado, que românticos, parnasianos e simbolistas usaram, é de invenção muito mais recente do que o verso branco e amétrico das poesias hebraica e siríaca, que floresceram no período arcaico ou anteclássico da literatura".

Não há arte nova, ou, antes, modernista. As barbas de Abraão e de Moisés são mais recentes que as novidades do modernismo e do pós-modernismo.
A Arte não envelhece nunca. É sempre jovem. Quem não admira, ainda hoje, as culminâncias do gênio grego?
A poesia, naturalmente, não deve ficar mumificada, mas, também, não é de se elogiar um salto do aticismo parnasiano, ou lírico, ou simbolista, para as extravagâncias da poesia hoje chamada moderna.

Tenhamos presentes estas palavras de Povina Cavalcanti:
— "A poesia nunca se ausentou da humanidade. São os homens que, por vezes, perdem o poder de interpretá-la. Não é a poesia, pois, que desaparece; é a linguagem dita poética, que não tem força de conter a poesia". (...) "Dá-se com a poesia o que se dá com a reza. Lida uma oração, sem sentimento, ou com espírito profano, a prece perde todo o seu efeito. Se, entretanto, ela é recitada contritamente, com emoção e sinceridade, inunda-se a alma de um tal eflúvio celestial que nos transporta a regiões do inefável e do sobrenatural".

Massaud Moisés registra o seguinte:
"Alguns poetas tomam consciência de que, tanto podem criar poesia de valor dentro dum esquema inteiramente livre de qualquer pressuposto, como empregando o soneto na sua forma-padrão (duas quadras e dois tercetos) e acrescentando-lhe as alterações que julgaram indispensáveis ao seu objetivo de comunicar poesia".

E o próprio professor e ensaísta lhes oferece sua opinião a respeito:
"Tudo depende de terem algo de novo para dizer. E se este "novo" se formaliza, se concretiza no soneto, não há por que fugir da evidência e procurar um sucedâneo falso e inadequado. Se, como sabemos, o conteúdo poético "nasce" com a expressão correspondente, rebelar-se contra determinada forma ou arredá-la do arsenal expressivo disponível, significa admitir uma impossível separação entre a forma e o conteúdo, e atentar contra o próprio mecanismo da criação poética. Talvez se possa dizer, inclusive, que o ressurgimento do soneto na modernidade venha duma como resposta ao caos e ao extremado liberalismo vigentes. Ou como se fosse a busca dum necessário retorno ao equilíbrio voluntariamente perdido, a fim de contrabalançar a dispersão que conduz a encruzilhadas ou a becos sem saída, quando não a estéreis exercícios de "liberdade" criadora. O soneto, universo fechado como um ovo, prestar-se-ia bem para esse reencontro, graças ainda à sua congênita aliança com a música. Seja por isso, seja por uma espécie de obediência a atavismos incoercíveis, seja simplesmente para variar, o certo é que o soneto continua firme nos dias de hoje".

O soneto, pois, não tem idade! Os sete séculos que conta de existência, não pesam sobre sua vida maravilhosa. 
Parece que é mesmo definitivo. O mínimo que se pode dizer é que se trata de um velho-moço de saúde invejável!







(Das páginas 121 a 123 de “O Mundo Maravilhoso do Soneto”, de Vasco de Castro Lima)





2 comentários:

  1. O Soneto pra ser soneto requer técnica e apuro poético seja na sua forma e melodia e seja talvez por isso que os modernistas por não consegui-lo tentam menosprezar e colocar à margem como algo ultrapassado, velho e fora de moda, mas quem conhece e quem sabe o que é um soneto sempre o avaliará de uma forma que o valorizará como poesia da mais alta qualidade, passe os anos que passar.

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  2. Até na prosa Vasco de Castro Lima incorpora a alma do soneto. Que dignificante!
    Sonetos sobreviverão, ficarão um tanto quanto menosprezados, massacrados pelo modernismo e após, mas resistirão como resistiram até os dias de hoje. Ave, SONETO!

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