SONETO
ALADO COM CAVALO BRANCO
Virgílio
Maia
Trovejante
trovão troou no céu,
a
treva transformando em claro dia;
transumano
contraste sucedeu,
transmudando
pavor em alegria.
Foi
aquilo verdade ou foi um sonho,
realidade
vera ou fantasia,
quando
inteiro Sertão tremeu medonho,
obedecendo
antiga profecia?
Ao
perpassar das éguas e das nuvens,
em
crescente o cavalo pôs-se alado,
guerreiro
fez-se, ao Norte e no passado.
Mastigando
luares de marfim
na
tarde foi -se, galopando aléns,
entre
talos de doce gergelim.
(Extraído
de PALIMPSESTO & outros sonetos. Fortaleza: Casa de José de
Alencar, 1996. 125 páginas (Col. Alagadiço Novo)
Fonte:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/ceara/virgilio_maia.html
ALVENARIA
Virgílio
Maia
Sobre
pedras se eleva este soneto,
em
trabalhosa faina alevantado,
as
linhas definidas no traçado
da
perfeição do prumo e nível reto.
Dentre
tantos eleito, põe-se ereto
rima
por rima, embora recatado;
ao
martelar do metro faz-se alado,
opondo
ao som a luz deste quarteto.
Sobre
andaime de verso e de ciência
necessário
a erguer prova tão dura,
deixa
o pedreiro, alçado, o rés-do-chão.
E
sobranceiro ao mundo, àquela altura,
Vai
concluir, com brava paciência,
A
obra em que balança o coração.
A
SENHA
Virgílio
Maia
(de uma
antiga balada cretense)
Amada
minha, trago estes limões
neste
lenço de seda do Oriente.
Foi
tudo o que obtive estando ausente
em
tantos anos de navegações.
Trago-te
a mim, te entrego os corações
que
flechados e azuis tenho nos braços.
Quero
agora guiar-me por teus passos
e
no teu corpo haurir loucas lições.
Abre
a porta, não vês que sou eu mesmo?
Sei
que o tempo passou enquanto a esmo
doido
amante dos mares perlustrei-os.
Sou
eu, só eu. Abre esta porta, peço,
pois
quem mais saberá deste endereço,
daquele
sinalzinho entre os teus seios?
SOBRE
AQUELA LITOGRAVURA DE EDWARD MUNCH
Virgílio
Maia
Desmesuradamente
anoitecia
sobre
as léguas de fogo do poente.
O
pôr-do-sol que ao cosmo consumia
assaltava
também a minha mente.
Tomado
então pela agorafobia,
vasta
amplidão vazia de repente
me
assombrava se inapelavelmente
se
sobrepunha a noite à luz do dia.
Em
mental torvelinho me imergi
pasmo
de espaços e de espaços mudo,
tentando
não ouvir o que ouvi:
telúrico
bramir pelo infinito.
Rugir
da terra avassalando tudo.
O
Grito enorme, tão enorme Grito.
FOTOS
Virgílio
Maia
Deste
antigo retrato, com firmeza,
meu
avô me interroga bem de perto,
com
aquela usual branda aspereza
que
criança, me punha em desconcerto.
Na
lapela, uma flor, que ele por certo
deixou
emurchecida sobre a mesa
e
do alto colarinho o branco aperto
incomodava-o
um pouco, com certeza.
Tendo
ao lado meu pai, que é filho seu,
certamente
renovam velhos planos
de
terra e gado, açudes e destino.
No
fervor de seus vinte e tantos anos,
miram-me,
mais novos do que eu,
e
assim mesmo, para eles sou menino.
ILUMIARA
Virgílio
Maia
Quem
pintou essas pedras no Sertão,
nessa
tinta que nunca mais se apaga?
E
para quem nosso ancestral pintava
brutas
cenas de caça e aquela mão?
Tais
secretos mistérios estarão
insondáveis
nas cores dessas aras:
candelabros
ou onças vermelhadas,
mais
figuras que seguem em procissão.
Contou-me
um dia uma mulher velhinha
que
numa noite escura el a passou
se
benzendo de medo pela Pedra.
E
viu, jurou que viu, vinha sozinha,
que
o enorme Gavião se desgarrou
da
pintura, gritando feito a Fera.
A
ARTE DE AUDIFAX RIOS
Virgílio
Maia
Uns
pássaros perfuram, pintalgados,
a
sisudez de uma escultura olmeca
ou
por ossuda mão são levantados
poeirentos
cadáveres da seca.
Sua
arte tudo toca, ceca e meca,
dando
voz, hora e vez aos deserdados,
na
agudeza do lápis que disseca
num
prisma exato os sóis apunhalados.
Não
são pincéis nem tintas, mas gnomos,
que
imprimem a fogo e alma cada risco,
das
cítricas visões expondo os gomos.
Cada
gravura é vida, não se doma,
cada
um dos traços um piau arisco.
E
o retinto nanquim por axioma.
CANUDOS
NÃO SE RENDEU
Virgílio
Maia
Foi
ontem, claro dia de mais sol
(me
haviam dito: tudo se findou:
que
o futuro da gente se acabou,
não
havendo sequer mais um farol).
Nas
foi ontem um dia luminoso:
fui
ao trabalho em alta andaimaria
e
vislumbrei de lá, ao meio-dia,
sobrepujando
um tempo desditoso,
eu
pude ver, não se entregou ainda,
ainda
peleja, a luta não é finda,
belo
Arraial de Sempre onde se viu
ser
o homem possível. Pois foi isto
que
noutro dia me afirmou ter visto
um
operário em construção civil.
UM
BUJÃO DE GÁS
Virgílio
Maia
Prateado,
bojudo, gordo, anão,
num
escuro recanto relegado,
humilde
é Prometeu acorrentado
por
plástica corrente a um fogão.
Traz
no bojo ancestral ignição
ofertada
da chama no azulado,
na
memória assoprando inesperado
espeleológico
arco de um tição.
Reside
nele a flama do carvão,
labareda
eternal em combustão,
homenagem
de fogo a quem ousou:
homem
primevo, rude antepassado,
que
acendendo o futuro, desgrenhado,
num
gesto só o fogo arrebatou.
UM
CATA-VENTO DE BRINQUEDO
Virgílio
Maia
De
extinto cacimbão o cata-vento
puxa
ao meu rosto as águas de outra idade.
Ele
é só um brinquedo, mas vale
pelas
recordações que guardo dentro
do
menino que mora aqui ao lado,
e
sabendo de cor a cor dos ventos,
tem
na ponta da língua, decorados,
uns
gestos infantis de cata-ventos.
Flandre
e ferro somados pela solda:
sendo
brinquedo, brinca no jardim,
à
brisa mais maneira já se alegra.
Brinca
sem compromisso, roda e roda,
se
fingindo irrigante desta terra,
num
faz-de-conta de aguar jasmins.
Fonte:
http://www.jornaldepoesia.jor.br/virgiliomaia.html
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