ITÁLIA
A literatura medieval italiana começou a se
projetar nos séculos XI e XII. Mas foi somente no início do século XIII que vulgar
italiano se transformou no idioma de toda a península. Dos diversos dialetos,
prevaleceu, afinal, o que era corrente nas cidades toscanas, principalmente
Florença. Assim, esse dialeto chegou a ser a língua literária da Itália. E, desde os tempos de Dante, Petrarca e Bocaccio,
a Toscana foi o centro da literatura do país.
Século XIII
Como registro digno de nota, lembramos que
na Úmbria, região igualmente situada na zona central da península, nascia,
entre os séculos XII e XIII, um movimento de caráter místico, uma poesia
religiosa, sob os auspícios do próprio São Francisco de Assis (1182-1226), fundador da ordem religiosa dos
franciscanos.
Segundo depoimento de Klabund, "o
primeiro poeta importante que compôs em italiano foi São Francisco de
Assis". Produziu muitos cânticos, porém só um chegou até nós: o
"Cantico al sole" (o "Cântico ao Sol", 'ou às
"Criaturas"), que compôs quase ao morrer.
Manuel Bandeira observa, a respeito, o
seguinte: — "Nessa poesia religiosa Deus perdia o seu aspecto de
terribilidade e tornava-se mais vizinho dos que o procuravam com pureza de alma
e fervor. A prática ascética substituía-se pela caridade. O "Cântico ao
Sol", do Santo, é uma espécie de salmo simples e ardente, escrito em metro
irregular, no qual ele bendiz todas as criaturas de Deus: o sol e a lua, o ar e
a água, a terra e o fogo. e até a mesma morte corporal, chamando-lhes irmão ou
irmã".
Santo Tomás de Aquino (1225-1274), o
"Doutor Angélico", autor da "Summa Theologiae", "o
livro padrão da filosofia da Igreja”, é, também, o autor de vários hinos
religiosos, rimados, que constituem valores altos da poesia dogmática da Idade
Média. Po-demos, dentre eles, destacar "Pange, língua, gloriose",
cujas estrofes finais formam o "Tantum ergo", dos mais cantados,
ainda hoje, em todas as igrejas católicas do mundo. Foi canonizado em 1323 e
proclamado doutor da Igreja em 1567.
*
O pensamento medieval se revelava, na
ocasião, através de manifestações do saber teológico e científico e, bem assim,
através dos estudos retóricos. Estes, como frutos da experiência dos últimos
séculos da literatura latina. Tal cuidado pela perfeição literária veio
refletir-se nas obras de muitos escritores, dentre os quais temos de,
obrigatoriamente, citar, como, aliás, já o fizemos, os nomes de Dante, Petrarca
e Bocaccio. Estes grandes mestres escreveram suas obras, também, no mais puro
florentino (Florença, terra natal de Dante, era a capital do grão-ducado de
Toscana).
*
As obras literárias, em italiano,
apareceram com atraso, mas esse fato não deve ser tomado como deficiência ou
retardamento espiritual e intelectual do povo. Houve uma causa muito forte: a
longa resistência da língua latina, que era, até então, a língua nacional. Não
podemos, outrossim, deixar de considerar que, quando nasceu a literatura
italiana, deparou-se ela com duas literaturas vulgares já em franco
desenvolvimento: a provençal e a francesa, de cuja influência não se livrou com
facilidade.
A literatura francesa ("langue
d'oil") teve larga difusão na Itália. Mas também a lírica provençal
("langue d'oc"), como vimos em outro capítulo deste livro,
difundiu-se, principalmente, nas cortes do norte da península, onde os
trovadores da Provença foram recebidos e acolhidos com entusiasmo.
Diga-se que, na Itália, na primeira metade
do século XIII, foram fundadas diversas confrarias de trovadores. Apareceram,
entre outros, os trovadores italianos Marquês, Alberto Malaspina, um dos
senhores de Lunigiana; o bolonhês Rambertino Buvalelli; o veneziano Bartolomeo
Zorzi; os genoveses Bonifazio Calvo e Lanfranco Cigala; e o mantuano Sordello
de Goito, o mais famoso de todos, falecido em 1270, aproximadamente, e que
Dante recorda na "Divina Comédia".
Frederico II também reuniu, em Palermo, uma
outra "corte", formada por trovadores provençais e italianos.
O povo siciliano, entretanto, não
compreendia bem a poesia provençal; e, assim, os cortesãos, como já
salientamos, trataram de formar uma língua que estivesse ao alcance de todos.
Teria de ser, de acordo com o projeto, uma língua para unificar e firmar uma
literatura integralmente italiana.
Mario Sansone registra que "os
sicilianos procuraram formar um tipo comum de linguagem, eliminando dos seus
dialetos os idiotismos mais acentuados e moldando a língua comum no latim e no
provençal". (....) "Os poetas revelam acentos vivos e pessoais e dão
nova vida à maneira tradicional, prestando atenção aos motivos de origem
popular, embora conservando a esquiva distinção própria dos literatos".
A primeira escola de poesia destinada a
criar, como conseqüência, uma tradição literária, na Itália, foi, pois, a escola
poética siciliana. Representou o primeiro movimento de cultura nacional. Daí o
seu valor, a sua importância. Os participantes não eram, apenas, da Sicília,
porém de toda a Itália, principalmente do sul, e muitos deles viviam e
escreviam na corte de Frederico II.
O Soneto, vimos, nasceu por esse tempo, na
Sicília. É de se notar que os escritores de todo o país compunham suas obras
poéticas, em vulgar; cada qual, entretanto, no dialeto da própria cidade, ou
província. Eles sabiam que, assim agindo, jamais conseguiriam alcançar um
intercâmbio cultural. A solução seria serirem-se apenas de uma língua comum. E,
então, perceberam que a escola siciliana, com a sua nova linguagem, estava em
condições de aglutinar o pensamento e as obras de todos os artistas da prosa e
do verso. Já possuía um tipo lingüístico italiano, capaz, não apenas de
escrever poesia, mas, igualmente, de formar uma cultura literária. A adesão foi
geral.
Não vingou, ainda dessa vez, a língua
literária da Itália, mas aos sicilianos pertence o mérito de terem sido os
primeiros a fazer tal experiência.
Como mostramos em capítulo anterior deste
livro, depois da batalha de Benevento, em 1266, houve a decadência da dominação
sueva. E a poesia dos sicilianos começou a diminuir seu entusiasmo na Itália
meridional. Reviveu, contudo, na Toscana, que passou a ser, definitivamente, o
ponto de convergência da cultura e da poesia. Um grupo de poetas deu
continuidade à lírica dos sicilianos, através do dialeto toscano.
Guittone de Arezzo (1230-1294) era, então,
o mais famoso dos poetas da Toscana. A princípio, fez versos à moda provençal,
mas, logo a seguir, deu os primeiros impulsos para a criação de uma poesia
verdadeiramente italiana. Foi ele o primeiro literato italiano que fugiu à
imitação estrangeira. E teve, ainda, a seu favor, o privilégio de armar a
estrutura definitiva do Soneto, como explicamos, detalhadamente, no início da
obra.
Guido Guinizelli (1240-1276), em
Bolonha, criou a Escola do "Dolce Stil Nuovo", que muito contribuiu
para o desenvolvimento do soneto.
Esse "novo estilo" trouxe, para o
campo da poesia, uma série de inovações. Nos seus fundamentos se encontra uma
concepção moderna do amor e da mulher. Em meios de elevada cultura, desenvolve
os traços aristocráticos da poesia siciliana, ao mesmo tempo em que exprime o
pensamento filosófico propagado nas rodas intelectuais de Bolonha e,
principalmente, em Florença. "A mulher — diz Mario Sansone — é criatura
angelical, cujas perfeições, emanando das suas virtudes e da sua harmoniosa
suavidade e beleza, levam a alma até Deus, libertando-a de qualquer miséria e
fealdade terrena".
Conceitos como este — acrescenta Sansone —
"não traduzem, por si próprios, a nova poesia; eles devem ser considerados
unicamente elementos doutrinais e psicológicos, que favorecem a formação de
novos estados de alma, nos quais o amor já não é impassível ou apaixonado ato
de homenagem, mas sentimento elevadíssimo, que abre o caminho à doçura da
contemplação mais serena e da meditação mais nobre".
Uma nova caracterização de poesia. A
finalidade era, mesmo, no seu íntimo, distinguir o "poeta" do
"trovador". O poeta haveria de ter um destino muito maior, e não o de
um simples artífice do verso.
Guido Guinizelli foi, portanto, um dos
renovadores da poesia lírica de sua pátria. Seu trabalho, aliás, repercutiu no
círculo poético a que pertencem a "Vita Nuova" e a "Divina
Comédia", de Dante, esta redigida no dialeto toscano. Guinizelli é autor
de uma célebre canção, "Ao coração gentil recolhe sempre amor", que
"se tornou o programa e o compêndio doutrinal da escola".
Recorde-se, de passagem, que Dante imitou o
estilo harmo-nioso e suave de Guido Guinizelli e o chamou de poeta
"sábio" (o "Saggio"), dando-lhe, ainda, o título de
"pai de todos os poetas que têm sabido rimar doces e encantadoras canções
de amor" (Henri Hauvette, "Littérature italienne" — Paris,
1906). Guinizelli, que deixou um punhado de sonetos delicados e formosos, não
teve discípulos à sua altura; o único que dele se aproximou foi o toscano Guido
Cavalcanti.
Guido Cavalcanti (1255-1300), de
nobre família güelfa, era amigo de Dante. Escreveu canções, baladas e sonetos
amorosos. Na "Coleção dos antigos poetas italianos", editada muito
mais tarde, no ano de 1527, em Florença, se encontram suas produções. Cavalcanti,
apesar de não ter o valor cultural de Guinizelli, foi a mais insinuante figura
dentre os novos poetas. Inspirava-se no canto popular melhor que qualquer outro
poeta de seu grupo.
Seguiram-se. depois, na escola, os poetas,
também toscanos, Lapo Gianni, Dino Frescobaldi, Gianni Alfani, Cino de Pistoia e Dante
Alighieri, o maior de todos.
Entre os séculos XIII e XIV, viveram alguns
poetas que rece-beram as classificações de "realistas " e
"burgueses".
O de maior relevo entre os versejadores
"realistas é Cecco Angiolieri
(1260-1312), melancólico e humorístico, que escreveu 130 sonetos sobre amor
lascivo. Divulgou, prodigamente, em versos, sua vida infeliz de cigano e, com
ardente sensualidade, exaltou a sua mulher. Becchina, filha de um sapateiro. Não
gostava do pai, velho e avarento, cuja morte esperava ansiosamente. Ficou
famoso face a uma polêmica que manteve com Dante Alighieri, contra o qual
escreveu sonetos satíricos.
O mais conhecido dos "burgueses"
é Folgore
de San Gimignano. que viveu até os primeiros decênios do século XIV.
Menos expressivo que Angiolieri, escreveu sonetos para grupos de jovens 'que se
entregavam a uma vida de folguedos e divertimentos".
Dante Alighieri (1265-1321) — o
"Homero da Idade Média", nasceu em Florença, descendente de família
nobre, "embora já bastante decaída em poder e riqueza".
Mario Sansone declara que lhe faltam
notícias certas da mocidade do poeta, porém não titubeia ao afirmar: "Por
mérito de Dante, a literatura italiana chega a ser expressão da nação e, ao
mesmo tempo, da humanidade contemporânea, tornando-se — de literatura sobretudo
imitativa — original e fundando uma grande tradição. Além disso, Dante é o
herdeiro dos esforços de sicilianos e de toscanos, para a criação de uma língua
literária; e, levado pelo vigor do seu gênio para além das próprias doutrinas,
põe termo às tentativas feitas para a constituição duma língua literária
convencional, afirmando, com a autoridade da sua obra, o predomínio do
florentino (toscano). Assim, ele fornece à Itália o instrumento maior da sua
unificação ideal — que era, então, e nem podia deixar de ser, a unidade da sua
cultura — iniciando a subida da literatura italiana ao nível de literatura
européia, dominadora, dentro em breve, embora mais nova que todas, das suas
coirmãs neolatinas ".
Dante, ainda pequeno, ficou órfão de pai, e
sua mãe lhe deu um preceptor sábio, Brunetto Latini. Seguiu, provavelmente,
"os cursos dos moços das boas famílias citadinas, estudando as artes do
"trívio" e do "quadrívio", e, com certeza, conheceu a
música e a pintura". (Trívio era, na Idade Média, a divisão inferior das
artes liberais, a qual abrangia a gramática, a retórica e a dialética; e
quadrívio o conjunto das quatro disciplinas matemáticas, que eram aritmética,
geometria, música e astronomia — segundo a definição do "Novo Dicionário
da Língua Portuguesa", de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira).
Quanto às notícias da juventude, podemos
tirá-las do primeiro livro "Vita Nuova", onde conta o seu amor por
Beatriz. O próprio poeta nos narra que, aos nove anos de idade (1274), conheceu
Beatriz (1266-1290), então uma menina de oito anos, filha de Folco Portinari.
Foi ela quem lhe inspirou os primeiros versos. Tão precoce amor tomou conta de
seu destino, um amor platônico bem ao gosto da "escola do dolce stil
nuovo".
Dante conta, ainda, que voltou a ver
Beatriz quando ele tinha 18 anos e ela 17: "Recebeu de Beatriz a saudação,
penhor de secreta correspondência de amor. A alma de Dante concentrou-se numa
suave contemplação, em que' a jovem se lhe apresentava conforme o conceito do
"doce estilo novo". Para se subtrair às indiscrições dos malévolos, o
poeta fingiu interessar-se, não por Beatriz, mas por outras mulheres. Porém, o
engano ultrapassou as próprias in-tenções de Dante, e Beatriz, desdenhosa,
negou-lhe a saudação. Embora pesaroso, Dante não deixou por isso de amá-la e de
alimentar no coração o sentimento de pureza e elevação que a imagem da donzela
lhe suscitava". Estas expressões são de Mario Sansone, que continua:
"Aconteceu que Dante adoeceu gravemente; o medo da morte iminente fez-lhe
pressentir o falecimento de Bea-triz, e, no delírio, pareceu-lhe ver a sua alma
subir ao céu, num coro de anjos, enquanto ele invocava o nome da amada, entre
soluços. O presságio foi verdadeiro: pouco depois Beatriz faleceu e Dante
consumiu a alma e os olhos numa dor que parecia não ter conforto e abranger a
cidade e a natureza inteira".
Beatriz se casou com Simone dei Bardi e
morreu com 24 anos.
Depois de 1290, já morta Beatriz,
dedicou-se, o poeta, aos estudos de filosofia e da maior parte das Ciências do
seu tempo. E, em 1295, iniciou sua carreira política e também de magistrado. Em
1300, chegou ao mais alto cargo da Comuna, o Priorado.
Dante se casou em 1292 (dois anos após a
morte de Beatriz), com Gemma Donati, da qual teve três filhos: Pietro, Jacopo,
Antonia (que, possivelmente, foi uma freira que tomou o nome de Soror Beatriz,
em Ravena). A esses três filhos talvez se deva acrescentar um quarto, de nome
Giovanni.
A partir de 1302, sua vida tornou-se muito
dolorosa, em decorrência de acontecimentos políticos. Em 27 de janeiro, foi
condenado a pagar uma multa de 5.000 florins pequenos, ao degredo por dois anos
e à interdição perpétua dos cargos públicos, "sob a injusta acusação de
corrupção e perturbação da paz". Não tendo para essa multa, nem se
apresentado para se justificar, foi, por isso, as 10 de março, "de novo
condenado, à revelia, a ser queimado vivo (a igne comburatur sic quod
moriatur").
Começou aí o lamentável período do exílio.
O poeta andou vagueando por toda parte, quase mendigando. Bartolomeo della
Scala lhe ofereceu o primeiro amparo em Verona. Em 1306 era hóspede Malaspina.
Em 1314, quando faleceu o papa Clemente V, escreveu aos cardeais, pedindo-lhes
que escolhessem um papa italiano capaz de restituir a Roma a sede e a glória do
Papado, que lhe pertenciam por vontade de Deus". Era o período do chamado cativeiro
de Babilônia", quando, "abandonada Roma, os papas residiram em
Avinhão, debaixo da tutela dos reis de França".
Em 1315, recusou-se a voltar a Florença (ou
a Bolonha), por anistia, achando muito humilhantes as condições que lhe foram
impostas., ainda mais sendo ele um inocente. Retomou a estrada tortuosa do
exílio, passando, de novo, por Verona e outros lugares. Envelheceu precocemente,
consumido pelas desilusões, pelas desventuras e pelos estudos. E, aos 56 anos,
em 14 de setembro de 1321, quando regressava de uma viagem a Veneza, morreu o
grande desterrado. Sepultado na igreja dos franciscanos, em Ravena, Dante
desceu à cova, deixando, para a Itália e para o mundo, a imagem de uma
extraordinária personalidade humana; a lembrança de um ser quase divino que
sabia enfrentar com vigor os problemas da natureza, da ciência, da retórica, da
lingüística e da poesia, e também os problemas da política, da religião, da
filosofia e da moral; enfim, deixando a força misteriosa de um gênio talhado
para vencer, triunfalmente, passo a passo, minuto a minuto, ao lado de outros
excelsos luminares da Humanidade, o caminho estrelado, inexorável, eterno, dos
séculos.
A "Vita Nuova" é um pequeno livro
de 42 capítulos, em prosa e verso, dedicado ao amigo, poeta Guido Cavalcanti.
Contém 24 sonetos. Dante narra seu amor por Beatriz, desde o primeiro dia em
que a viu, até pouco depois da morte da musa. Nesse livro, há sonetos amorosos
de alto nível, cheios de sua paixão ideal e quase mística. Foi composto, com
certeza, entre 1292 e 1293; portanto, após o falecimento de Beatriz. Seu título
significa "vida juvenil" ou "vida renovada", por efeito do
amor por Beatriz. Apenas esta obra não foi escrita no exílio.
Ainda Sansone: "Ninguém sentiu como
Dante, na sua sublime adolescência, a ascensão da alma para Deus, por
intermédio de um prodígio feminino de beleza e de pureza. A natureza, quando
aparece, não vive por si, das suas cores e da sua vida, mas é cenário luminoso
dessa perfeita elevação do espírito. Por isso, justamente, a "Vita
Nuova" foi comparada aos devocionários e às lendas sagradas
medievais".
Transcrevemos palavras de Dom Francisco de
Aquino Corrêa, retiradas de uma conferência que pronunciou em Cuiabá, em 24 de
novembro de 1921, na comemoração, feita naquela cidade, do sexto centenário da
morte do poeta:
"Dante não foi um santo, foi um poeta
enamorado; mas procurou amar com elevação e, o que é mais, fez desse amor um
aguilhão dourado para o próprio aperfeiçoamento". (....) "Em
"Vita Nuova", nos conta a história desse amor ideal, que, comparada a
outras congêneres, mais parece entretecida com os lírios brancos da alvorada e
as violetas nostálgicas do sol-posto". (....) "Não é o amor que leva
o paladino a torneios e batalhas sangrentas; é o amor que eleva o poeta, nas
justas sublimes do espírito contra as paixões que o assaltam. É um amor que a
própria Virgem Maria lhe envia do céu, para o salvar da brenha sombria do
mundo".
Sobre o seu mais conhecido soneto, que logo
adiante transcrevemos, numa versão de C. Tavares Bastos, o
arcebispo-acadêmico-poeta diz o seguinte: "Relede-me o soneto mavioso, em
que o poeta nos deixou o célebre retrato de Beatriz, naquelas mesmas páginas da
"Vita Nuova", que foram, como sabeis, o cântico dos cânticos da sua
alma de moço. Soletrai todos esses quatorze versos e não encontrareis aí uma
palavra sequer, um adjetivo, um nada, que, nem de leve, se refira à formosura
material do seu modelo. Mas é a gentileza, é a honestidade, é a brandura, é a
humildade, é a complacência, é a bondade, é, numa palavra, a virtude de
Beatriz, que o trovador celebra nessas estrofes impregnadas de suave
poesia".
As "Rimas" formam poemas de
Dante, sem ordem certa e sem indicação de datas, contendo líricas juvenis de
amor e poesias que falam de suas paixões terrenas.
Publicou obras em latim, como "Il
Convivio" ("O Banquete"), um tratado enciclopédico, político,
que constaria de 15 livros, dos quais Dante só escreveu os primeiros quatro,
obra apresentada como uma continuação da "Vita Nuova"; "De
vulgari eloquentia", em que o poeta se propõe "procurar qual deva
ser, na sua expressão mais alta, a língua literária da Itália"; "De
Monarchia", tratado político, em três volumes, escrito entre 1312 e 1313,
e que representa "o momento mais desenvolvido do seu pensamento
político"; as "Epístolas", em número de 13; as
"Éclogas", explicando a Giovanni del Virgilio, professor da
Universidade de Bolonha, "as Razões por que escreveu a "Divina
Comédia" em vulgar e por que recusou o convite de ir a Bolonha".
A obra-prima de Dante Alighieri é a
"Divina Comédia", "um poema didático-alegórico, narrando a
viagem imaginária do poeta durante sete dias, a partir do dia 8 de abril de
1300, ano do jubileu, através do Inferno, Purgatório e Paraíso". O poema
está dividido em três partes: cada uma é composta por 33 cantos, em tercetos de
versos decassílabos; e à primeira parte se junta um canto de introdução.
Semeada de episódios horríveis e alegres, é
uma epopéia cristã, cujos personagens principais são Virgílio, Beatriz e o
próprio Dante. O autor escolheu Virgílio para seu guia ao Inferno e ao
Purgatório; porém, ao visitar o Paraíso, preferiu a companhia de Beatriz. Em
1313, foram publicadas as duas primeiras partes, e o "Paraíso" teve publicação póstuma, feita pelos filhos do poeta.
Dante deu, à obra, o nome de
"COMÉDIA", mas Giovanni Bocaccio (1313-1375) chamou-a
"DIVINA", epíteto que nunca mais perdeu. Esclareça-se, a propósito,
que o novo e consagrado nome 'DIVINA COMÉDIA" apareceu, pela primeira vez,
em 1555, numa edição impressa.
O espírito humano, poucas vezes, concebeu
uma obra tão bela e tão significativa. É o poema de maior glória da humanidade.
Escrevendo-o no dialeto popular (o toscano), Dante, com a "Divina
Comédia", fundou propriamente a literatura italiana.
Mario Sansone escreveu, ainda, o seguinte,
a respeito do imortal poema:
“Longe de conceber a "Comédia"
como simples obra de poesia, como a entendemos nós, modernos, Dante quis, ao
contrário, prestar um grande serviço aos seus contemporâneos, e sentiu-se, a
pouco e pouco, investido de uma missão divina (o seu é o poema no qual
"intervieram o céu e a terra"); a sua maior obra foi a própria missão
de toda a sua vida. Depois do encantamento do amor por Beatriz, no decênio de
1293 a 1303, mais ou menos, Dante atravessou um período de crise, afastando-se
da elevação espiritual em que vivera até então, para entrar no tumulto da vida
política, dos ódios partidários e entregar-se a amores e formas de vida
totalmente diferentes dos da sua mocidade e dos quais encontramos traços nas
"Rimas".
Mais tarde, vergada ao peso do exílio, sua
alma sentiu a necessidade de voltar à primitiva pureza. Dentro do poeta,
"tomou forma, então, a concepção de uma obra que, exprimindo a sua
elevação do pecado ao conforto religioso, marcasse o caminho da reconquista de
Beatriz e a viagem da alma da obscuridade da terra à luz do céu".
Sobre a "Divina Comédia", não nos
furtamos ao prazer de citar mais algumas palavras de Dom Aquino Corrêa: —
"Tudo nela traz, efetivamente, o cunho genial da criação e da
originalidade. Ao poeta foi mister criar tudo, até a própria língua. Ao tempo
em que ele escrevia, o vernáculo italiano mal ensaiava ainda o vôo da vida, na
crisálida informe dos seus múltiplos e grosseiros dialetos. Foi Dante quem lhe
deu essas asas de borboleta, com todas as cores brilhantes do arco-íris, e com
esse ritmo doce e musical. Naquele tempo, desde o céu da Provença até o mar da
Sicília, onde cantaram sereias, palpitava, numa revoada harmoniosa de cotovias,
o espírito jovial dos trovadores". (....) "Assim nasceu a
"Divina Comédia", poema que não sabeis, ao certo, como chamar-lhe, se
comédia ou tragédia, ou drama, ou epopéia, mas que é tudo isso e mais ainda;
poema sagrado no qual, como bem diz o poeta, colaboraram o céu e a terra, isto
é, a revelação e a razão, a fé e a ciência, os anjos e os homens, a luz dos
intermúndios infinitos e a treva eterna da geena ". (....) "É o
exilado singular que, perseguido na terra, refugiou-se no além e, feito
andarilho estupendo do infinito, de lá nos trouxe, nas páginas de um poema, as
credenciais da sua imortalidade. É o Colombo do além-mundo".
Século XIV
Francesco Petrarca (1304-1374).
Imortalizado por uma grande obra poética, escrita em latim e no dialeto
toscano, a fama de Petrarca, durante dois séculos, sobrepujou à de Dante. Vive
e viverá sempre através de sua lírica, principalmente dos sonetos, dedicados a
Laura de Noves.
O poeta nasceu em Arezzo (Toscana), a 20 de
julho de 1304. Sua mãe foi Eletta Canigiani, com quem passou a meninice, no
vale do Arno. Em 1311, o pai (Petracco) transferiu-se para Avinhão (França), em
busca de uma situação melhor para a família. Fran-cesco estudou em Carpentras,
próximo a Avinhão. A fim de estudar Direito, foi mandado para Montpellier e,
depois, para Bolonha (Itália), de 1320 a 1326. Não terminou, porém, a carreira,
preferindo dedicar-se aos estudos literários. Ao voltar para Avinhão, em 1326,
"tomou as ordenações menores", entregando-se à literatura dos
clássicos latinos.
Em 6 de abril de 1327, uma sexta-feira da
Paixão, na Igreja de Santa Clara, em Avinhão, viu, pela primeira vez, Laura de
Noves, aristocrata provençal nascida em 1308, filha de Audiberto de Noves, e
casada com Hugues de Sade, em 1325. Laura, que morreu em 1348, no mesmo dia em
que completava 40 anos, deixando onze filhos, foi a inspiradora da poesia de
Petrarca, um amor platônico que ele cultivou para sempre.
O poeta, em 1333, viajou pela França,
Flandres e Alemanha, sem qualquer objetivo, apenas para ver coisas novas, prova
de seu espírito irrequieto. Em 1337, visitou Roma; voltou a Avinhão; e depois
se retirou para Vaucluse.
No mesmo dia, 19 de setembro de 1340,
recebeu dois convites para ser coroado Poeta: um da Universidade de Paris, e
outro do Senado de Roma. Escolheu Roma e, depois de responder, durante três
dias, em Nápoles, a um interrogatório do rei Roberto de Anjou, foi julgado
digno da grande honra e coroado Poeta, no Capitólio, pelo Senador de Roma, Orso
dell'Anguillara.
Regressou à França e, em Selvapiana, perto
de Parma, concluiu, em 1342, o seu poema "África", que já havia
adiantado em Vaucluse. No período de 1342 a 1353, quando viveu em Avinhão e
Vaucluse, viajou à Itália duas vezes, uma delas como embaixador do papa
Clemente VI. Aliás, a exemplo de Dante, preconizou a volta do papado, de
Avinhão para Roma.
Em 1353, cinco anos após a morte de Laura,
deixou a França, definitivamente. Foi para Milão, a chamado do Cardeal Giovanni
Visconti, servindo inúmeras vezes como embaixador, em incumbên-cias junto a
diversos príncipes. Papas, cardeais e príncipes prestigiaram o poeta, já
admirado em todos os países europeus. E, nesse período, até 1361, pôde terminar
muitas obras que iniciara no retiro de Vaucluse. Em 1361, esteve em Pádua e, em
1362, em Veneza. Viveu os últimos anos entre Pádua e Arquà, sendo esta sua
morada preferida, de 1370 até a morte, em 19 de julho de 1374. Morreu em sua
mesa de trabalho, repetimos, com a fronte caída sobre um manuscrito latino que
estava lendo.
Petrarca deixou dois filhos: Giovanni
(1337), que lhe deu desgostos; e Francesca (1343), segundo Mario Sansone e
também Jamil Almansur Haddad, ou Tullia, segundo Marques da Cruz. Este
historiador acrescenta: a filha de Petrarca se casou com o milanês Francesco de
Brossano, que "extorquiu o poeta, como um de seus testamenteiros". E
Sansone nos conta que "Petrarca, ao morrer, vivia com a "filha
natural" Francesca, seu marido Franceschino de Brossano e uma neta".
Laura morreu 21 anos depois que Petrarca a
viu pela vez primeira. E o poeta sobreviveu a Laura 26 anos. Os imortais
sonetos "à la Vita" e "à la Morte de Madonna Laura", quase
todos compostos na França (Vaucluse), segundo G. M. Gatti ("Littérature
Italianne"), formam um verdadeiro relicário de belezas peregrinas.
A poesia de Petrarca desabrochou na Itália
e se estendeu aos países ocidentais, com o enlevo e a força de um destino
maravilhoso. Seus sonetos podem ser considerados o ponto alto da literatura
sentimental de todos os tempos. Divinizando a mulher amada, conseguiu a mais
esplêndida vitória da imaginação lírica. Os poemas que escreveu, principalmente
os sonetos, formam um autêntico roseiral de ternura, êxtase, amor.
Sua musa foi o objeto de um amor casto,
cuja história haverá de atravessar os séculos. Aquele encontro casual, na
Igreja de Santa Clara, provocou, no coração do poeta, um incêndio de paixão
para toda a vida, uma chama de esplendor para cada poema. Não a esqueceu jamais
e, mesmo depois de morta, era o motivo único de sua inspiração. Laura foi como
que a deusa de uma religião, a religião
melancólica de um amor sem esperança. Nesse piedoso culto, seus poemas foram o
missal bendito a que o poeta acrescentava, cada dia, a oração de um soneto ou o
salmo de um verso.
No templo de tal religião, Laura era uma
imagem beatífica e impassível, e o poeta um devoto tímido que se julgava
indigno de adorá-la. Petrarca emudecia, perturbava-se na sua presença; mas se
abrasava sofrendo, cantava chorando, quando ela estava ausente.
A presença de Laura — uma aurora para o
poeta — era escassa e quase indiferente. Sua ausência — um ocaso de tormentos —
era constante e quase alucinadora.
Nenhum desejo sensual ou arrebatamento
obsceno. Muito e muito amor transbordante de alegria e desalento. O amor
platônico de Petrarca era uma ilha espiritual batida pelas ondas encapeladas do
mar dissoluto e erótico de sua época.
Quando se fala em soneto, vem logo à
recordação o nome de Petrarca. O poeta espanhol Fernando de Herrera,
contemporâneo de Camões, assim se referiu à vitalidade que Petrarca imprimiu ao
soneto:
— "Devemos a Francesco Petrarca o
lustre e a elegância dos sonetos, porque foi ele o primeiro que os lavrou bem e
os levantou ao mais alto cimo da formosura e da perfeição da poesia, adquirindo
naquele gênero, e principalmente no amatório, fama tão gloriosa que em
espírito, pureza, doçura e graça é considerado o primeiro e último dos nobres
poetas, e, sem dúvida, se não sobrepujou, igualou os escritos mais ilustres
gregos e latinos".
Jamil Almansur Haddad confirma isto, assim,
em "O Cancioneiro de Petrarca":
"Jamais tivemos como no Cancioneiro, o
quadro de uma alma tão poderosa e inexoravelmente possuída pelo amor. O poeta
vive pelo amor e para o amor; faz dele o alvo de todas as suas
aspirações". (....) "O amor é o sonho, o estímulo, a esperança e o
alento, a alegria e o triunfo. Mas é também a aflição e a mágoa, o desespero e
a angústia, a loucura, o tédio, a morte... as palavras balbuciadas sem saber, o
pranto que em silêncio e na solidão lhe umedece as faces. Enquanto Laura vivia
(....) era mulher e santa; mulher pela perfeição de seus dotes físicos: olhos
divinamente verdes, cabelos divinamente louros, talhe divinamente esbelto;
santa pelo esplendor das qualidades do espírito: a virtude incorruptível, (....)
visão de maravilha e beatitude, alameda cortada em direção do céu. E à morte de
Laura, lastima-se e desespera-se...".
Laura morreu, deixando "para Petrarca
um tormento enorme e para o mundo a lembrança de um dos mais luminosos idílios
terrestres e a posse de um dos mais límpidos tesouros da lírica
universal".
Giovanni Bocaccio (1313-1375),
nascido em Paris, um semi-francês, deixou inúmeras obras em vulgar e em latim,
mas a única que não está esquecida é o "Decameron" (1350-1353),
coletânea de cem contos, uma das obras-primas da literatura italiana.
Malicioso. sensual, imoral, conta-se que Bocaccio, arrependido da
licenciosidade de seus escritos, tentou queimá-los, sendo obstado por Petrarca,
seu amigo dileto.
Foi, também, poeta inspirado. Amou a
princesa Maria, filha natural do rei Roberto de Anjou. Chamava-a
"Fiammetta", tendo escrito, em 1343, o romance em prosa "Elegia
de Madonna Fiammetta". Ela, porém, depois de haver correspondido à paixão
do poeta, trocou-o por outros amores.
Segundo Mario Sansone, "morreu em
pobreza triste, mas nobremente suportada, o mais sorridente e cordial cantor da
vida que possui a literatura italiana".
Século XV
Renascimento ou Renascença, foi um movimento
nascido para reviver a cultura clássica greco-latina, que a Idade Média
esqueceu.
Após a tomada de Constantinopla pelos
turcos, no ano de 1453, muitos eruditos emigraram para a Itália, onde,
conseqüentemente, passaram a ser cultivadas, com ardente entusiasmo, a pureza
filológica, a história, a filosofia, a arte, a poesia. E a difusão dos
manuscritos antigos foi facilitada pela invenção da imprensa, ocorrida no
princípio do século XIV, e mais tarde aperfeiçoada por Gutenberg (Johannes
Gensfleisch), impressor alemão (Mogúncia, 1397-1468), considerado "o pai
da arte tipográfica mecânica".
Veio o Grupo Toscano, liderado por Lorenzo
de Medici, "o Magnífico" (1449-1492), lírico admirável
que deu grande impulso à renovação da poesia em vulgar. Pai do Papa Leão X
(Giovanni de Medici). Protetor das artes e das letras. Muito bom sonetista.
A esse Grupo pertenceu, também, Luigi
Pulci (1432-1484), excepcional poeta humorístico e grande mestre do
verso. Sua obra-prima é "Morgante", poema em 28 cantos.
Houve, ainda, o Grupo Napolitano, cujo
maior poeta foi Jacopo Sannazaro (1456-1530). Escreveu o "Cancioneiro”
petrarquesco, inspirado por Carmosina Bonifácio e Cassandra Marchese; mas sua
melhor obra, que alcançou sucesso em toda a Europa, é a "Arcádia" (1502-1504), em prosa e
verso, 12 capítulos, com a qual criou o gênero pastoril. Suas éclogas e sonetos
são notáveis.
Século XVI
No século XVI, a poesia atingiu um grau
quase de perfeição. A obra-prima dessa época foi o poema Orlando Furioso",
de Ludovico
Ariosto (1474-1533), composto de 46 cantos em oitavas, fruto de 30 anos
de trabalho. É inspirado nas lutas entre cristãos e sarracenos, e considerado
um poema perfeito. À última edição publicada por ele, em 1532, dedicou cuidados
especiais em relação à língua.
Viveu, feliz, ao lado de Alessandra
Benucci, com quem se casara secretamente, talvez em 1515. Foi bom sonetista.
Maquiavel (Niccoló
Machiavelli) (1469-1527) historiador, comediógrafo e político. Secretário e
embaixador da república de Florença (1498). Como poeta, escreveu duas comédias
de grande licenciosidade. "Mandrágora" é a mais conhecida. Mas, sua
principal obra (1513) é o tratado "O Príncipe", onde fixou a
"análise realística de uma sociedade política", e onde "conta o
que um chefe de estado deve realmente fazer para subsistir".
Em Maquiavel não existe o problema moral.
Apenas "descreve o que sempre fazem os dirigentes políticos sem
confessá-lo".
Nessa obra, defende o aforismo: "os
fins justificam os meios".
A palavra "maquiavelismo" passou
a significar, em todas as línguas, política habilmente inescrupulosa,
velhacaria, astúcia e crueldade. Maquiavel, porém, "não mandou que fosse assim — honestamente verificou que era assim"...
Não se destacou, apenas, como um pensador,
mas, também, como um artista. Compôs cantos carnavalescos, relatos históricos
em versos e escreveu, inclusive, sonetos.
*
Foram notáveis as manifestações literárias
do século XVI, realizando-se, assim, a conquista da RENASCENÇA, quando as
letras italianas reviveram a era clássica. Basta lembrarmos os poetas líricos
de inspiração petrarquista, da época: Pietro Bembo, Miguel Ângelo Buonarroti, Giovanni
della Casa, Anibal Caro, Vittoria Colonna, Pietro Aretino, Torquato Tasso.
Pietro Bembo (1470-1547),
Cardeal e latinista eminente, secretário do Papa Leão X (1513). Reformador do
gênero lírico, voltou à pura imitação de Petrarca e às formas tradicionais do
soneto, do madrigal e da canção. Para ele, o dialeto devia chegar a uma perfeição
semelhante à da língua latina. Era considerado príncipe da prosa e do verso.
Miguel Ângelo (Michelangelo
Buonarroti) (1475-1564) um dos maiores artistas de todos os tempos, nos
terrenos da pintura, da escultura e da arquitetura, e ninguém o igualou na
cidade das concepções. Mas, também, literariamente se destacou, sendo um dos
grandes poetas da Itália.
Produziu belos sonetos inspirados pela
angústia religiosa e pelo amor. E aos sessenta anos de idade, ainda e sempre
apaixonado por Vittoria Colonna, "a divina", escreveu na ardência do
seu amor platônico, os mais inspirados sonetos líricos da época.
A musa que ele imortalizou e que também
escrevia sonetos, transformou-o de escultor em poeta.
Vittoria Colonna — marquesa de
Pescara (1492-1547), filha de Fabrízio, condestável do reino de Nápoles. Poetisa
excelente e inteligência marcante do século XVI. Em 1509, casou-se com Fernando
d'Avalos, marquês de Pescara, morto em combate, em 1525. Era uma apaixonada do
marido, cuja morte chorou em poemas considerados admiráveis. Tem um lugar de
destaque no quadro da poesia feminina da Itália. Grande amiga de Miguel Ângelo,
mas as relações, entre ambos, não ultrapassaram as raias do amor platônico. Ela
definiu assim os seus contatos com o grande artista: "amizade estável e
firmíssimo afeto". Escreveu 352 sonetos.
Pietro Aretino (1492-1557) compôs
sonetos, embora mais festejado como autor das "Cartas" (6 vols.) e
dos "Diálogos", repletos de licenciosidades. De Veneza, dominou
príncipes, fidalgos, imperadores, cardeais e papas, que precisavam comprar, com
ouro, o seu silêncio.
Além de livros de prosa satírica, escreveu
"Sonnetti lussuriosi" ("Sonetos voluptuosos"), com 16
produções licenciosas (1525), compostos para os desenhos pornográficos de
Giulio Romano.
Seu cinismo e seu talento fizeram com que
fosse chamado, ora "o infame", ora o "Flagelo dos
Príncipes", ora "o divino Aretino".
Giovanni Della Casa (1503-1556). Seus
sonetos são originais, porque, contrariando o costume da época, fugiu à
influência de Petrarca.
Torquato Tasso (1544-1595) é a
"última voz poética da Renascença italiana" e um dos grandes poetas
da Itália e da Europa. Aos 18 anos (1562), ainda estudante, escreveu o famoso
poema épico "Rinaldo".
Sua obra principal, concluída em 1575, é a
epopéia romanesca "Jerusalém Libertada" (1580), em vinte cantos,
oitava rima, celebrando a conquista do Santo Sepulcro pelos cristãos comandados
por Godofredo de Bulhão. O poema narra fatos ocorridos em 1099, quando do cerco
da cidade santa.
Tasso viveu na corte do duque de Ferrara,
Afonso II d'Este, onde passou os anos mais venturosos de sua vida.
Críticas levantadas contra a
"Jerusalém Libertada" abalaram suas suscetibilidades artísticas e
religiosas. Começou, então, a sentir sintomas de desequilíbrio mental, agravado
até à loucura. Afonso II mandou recolhê-lo ao Asilo Sant'Ana, em Ferrara,
detenção que durou sete anos, durante os quais o poeta gozou períodos de
perfeita lucidez, escrevendo, então, trabalhos literários. Solto, porém não de
todo restabelecido, levou vida errante, não tendo mais descanso seu espírito
atormentado. Morreu no convento Santo Onofre, em Roma.
Ainda conseguiu refazer seu poema,
dando-lhe o título de "Jerusalém Conquistada", mas essa versão (1593)
está hoje esquecida. Há uma lenda, aceita por Goethe, segundo a qual a reclusão
de Tasso teria sido castigo à sua paixão por uma das irmãs de Afonso II:
Leonor, ou Lucrécia. Há, também, quem a atribua a motivos políticos.
Clemente VIII resolveu que ele fosse
distinguido com a coroa de Poeta, no Capitólio, a exemplo do que havia acontecido
com Petrarca, mas o poeta morreu antes que a solenidade tivesse lugar.
Suas poesias líricas, sob o título de
"Rime", datam de 1592-1593. Não obstante, a obra de mais puro
lirismo, ele já a havia escrito em 1573: a comédia pastoril "Aminta".
Na opinião de Péricles Eugênio da Silva
Ramos, Torquato Tasso transfundiu no soneto, classicamente, "a suavidade
de Virgílio e a elegância requintada de Horácio".
Século XVII
O século XVII marcou, na literatura
italiana, a época do Barroco, uma renovação que se propunha contrariar a
"Retórica" de Aristóteles. Seria a nova arte poética. Foi muito menos
brilhante que o século anterior, mas, ainda assim, salvaram-se, e bem, Marino e
Campanella.
Giambattista Marino (1569-1625),
"corifeu dos poetas seiscentistas”, teve uma vida acidentada. Em 1600, foi
obrigado a fugir sua terra natal, Nápoles, onde estava preso, pela segunda vez,
devido à sua vida libertária. Refugiou-se em Roma, sob a proteção do cardeal
Pietro Aldobrandini. De 1608 a 1615, viveu em Turim, na corte de Carlo Emanuele
I, protetor dos artistas e literatos. Ali publicou seu primeiro livro
"Murtoleida" , com sonetos mordazes e satíricos dirigidos ao poeta
genovês Gaspare Murtola, que atentou contra sua vida e que, como ele, foi
secretário do duque.
Seguiu para a França, sendo ali recebido
com entusiasmo, gozando dos favores da corte, e "proclamado príncipe dos
poetas do seu tempo". Em 1623, publicou "Adonis", poema de 20
cantos, 42 mil versos em décimas rimadas, de estilo preciosista, mas de versificação
melodiosa, sobre os amores de Vênus e Adonis, inspirando-se em Ovídio. Em 1624,
voltou a Nápoles, recepcionado triunfalmente, e lá morreu no ano seguinte.
Marino, adepto do Barroco, que na Itália se
chamava "marinismo", publicou, também, apreciável livro de poesias
líricas, "A lira", cujos poemas, principalmente sonetos de fundo
bucólico, são, realmente, dignos de louvor.
Tommaso Campanella (1568-1639). Preso
em 1598, foi salvo face a uma loucura simulada; porém, não obstante pertencer à
ordem dominicana, amargou vinte e sete anos de prisão, em Nápoles, de 1599 a
1626, por ter conspirado contra o domínio espanhol. Nessa altura, para evitar
novas perseguições, Campanella se refugiou em Paris, lá morrendo treze anos
depois.
Nas prisões, escreveu suas principais
obras, inclusive políticas, sendo precursor de teorias modernas.
Sobre sua atuação poética, diz-nos a Delta
Larousse: "Foram posteriormente publicadas suas "Poesie", escritas nos cárceres,
entre as quais há alguns dos mais belos sonetos em língua italiana,
caracterizados pela inspiração filosófica".
Século XVIII
O século XVIII foi mais promissor. A nova
cultura italiana, que surgiu como reação à literatura do século XVII, ficou
assinalada por um fato de grande importância: o lançamento definitivo do
Arcadismo, ou Academia dos "Árcades", que havia sido fundada,
oficialmente, nos estertores dos anos 1600. Uma forte reação contra o
"marinismo".
Um grupo de literatos se reunia com a
ex-rainha Cristina, que renunciara ao trono da Suécia e se instalara em Roma,
"tornando-se protetora faustosa de artistas, e ali morrera em 1689",
segundo Mario Sansone.
Morta Cristina, os literatos deram
continuidade às reuniões e fundaram em 1690, oficialmente, a imortal Arcádia
Romana".
Para chefe da Academia, com o título
pastoral de "custódio geral", foi escolhido Giammario Crescimbeni, de
Macerata (1663-1728), que se conservou no cargo até morrer. O protetor da
Arcádia, "Grão Pastor dos Pastores", foi o Menino Jesus, "que nascera
num estábulo, entre os pastores". As suas leis "foram ditadas, no
latim das doze tábuas", por um dos fundadores, o calabrês Gianvincenzo
Gravina, de Reggiano (1664-1718).
Os literatos mudavam os seus nomes
próprios, a fim de se darem "um sentido grego e pastoral": Crescimbeni,
por exemplo, era "Alfisbeo Cario"; Gravina era "Opico
Erimanteo"; com o nome de "Pastor Albano", foi acolhido o Rei de
Portugal D. João V, "que financiou a construção do Palácio do Bosque
Parrásio, no Janiculo". Os primeiros 30 anos da Arcádia estabeleceram um
entusiasmado regresso ao petrarquismo. O soneto e a canção eram as únicas
formas poéticas adotadas.
Mas, Metastásio (Pietro Antonio Domenico
Trapassi), romano (1698-1782), foi "o verdadeiro poeta da Arcádia".
Escreveu peças teatrais, árias, epitalâmios, cantatas, óperas sagradas; além de
26 melodramas, muitos dos quais serviram de libretos para os compositores.
Também, bom sonetista. Poetou durante 50 anos na corte de Viena, onde morreu.
Aos dez anos de idade, talento precoce, fora adotado por Gravina, que se
incumbiu da sua instrução.
*
Carlo Goldoni (1707-1793),
dramaturgo, propôs-se a restituir ao teatro cômico a sua dignidade, apesar de
haver, antes, escrito para o gênero chamado "commedia dell'arte". Os
costumes de seu tempo foram objeto das peças. Introduziu, na Itália, o estilo
que dominava a comédia burguesa de Molière. Em 1762, passou a residir em Paris,
onde, trinta anos depois, veio a morrer em estado de pobreza extrema, porque
fora cortada pela Revolução uma pensão que recebia.
Sobressaíram-se, também, no século XVIII, Giuseppe
Parini (1729-1799), notável na história da poesia clássica e na
história da cultura italiana; e Vittorio Alfieri (Conde) —
(1749-1803), apresentando indícios da mentalidade moderna e exercendo,
inclusive, grande influência no movimento político que, no século XIX, promoveu
a unificação nacional. Sua poesia pertence ao pré-romantismo. Escreveu sonetos,
que foram reunidos num livro, sob o título "Rime".
Século XIX
O Romantismo é o fenômeno dominante da história
do século XIX.
Vincenzo Monti (1754-1828), já
aos 21 anos entrou para a Arcádia. Renovador de todos os gêneros literários de
seu tempo, foi poeta oficial da corte do Papa e da aristocracia. Imaginação
rica, de cores e ritmos inspirados. Considerado mestre do neoclassicismo
poético italiano. Sua obra-prima, entretanto, é a tradução da “Ilíada".
Ugo Fóscolo (1778-1827),
clássico na forma, implantador do Romantismo na Itália, ensinou aos italianos o
culto religioso da pátria, influindo, também, no ressurgimento nacional.
Fóscolo escreveu odes, elegias, tragédias,
romances. Sua obra mais importante, neste último gênero, intitula-se
"Últimas cartas de Jacopo Ortis" (1802), romance epistolar de fundo
autobiográfico. De todas, porém, a mais perfeita é, segundo os críticos, o
poema clássico "As três Graças".
Destacou-se, ainda, como exímio sonetista,
pois escreveu sonetos apontados entre os mais belos da língua. Em 1799,
publicou os "Sonetos", 12 ao todo. Mesmo nos sonetos amorosos nota-se
a inspiração elegíaca, figurando três deles entre as melhores composições de
toda a lírica italiana: "A Zante", "Pela morte do irmão" e
"À tarde". Nas elegias "Pela morte de Amarite" e "As
recordações" aparecem quatro sonetos de doloroso amor, escritos “pela
morte do pai".
Sílvio Pélico (1789-1854),
dramaturgo, romancista e poeta. Autor de "Francesca da Rimini",
tragédia romântica.
Alessandro Manzoni, (1785-1873)
concorreu enormemente para a vitória das idéias modernas. Romancista, autor
trágico, historiador, poeta lírico. Autor de "Os noivos", um dos
maiores e mais conhecidos romances históricos da literatura universal. Também
foi sonetista.
Giacomo Leopardi (1798-1837), um
dos maiores poetas da Itália, em todos os tempos. Clássico, pela pureza e
sobriedade de expressão. Romântico, pelo lirismo pessoal. Sua poesia foi
classificada por Carducci como "a poesia mais viril do século".
Leopardi, aos 18 anos de idade, já era um
erudito, mas seus estudos, como autodidata "educado na solidão da
biblioteca paterna”, deixaram-lhe a saúde abalada para o resto da vida. Além
disso, para sua maior desventura, tornou-se corcunda e semicego. Morreu
tuberculoso.
Sua produção poética está, quase toda, em
"Cantos", escrita entre 1818 e 1837; e reeditada em 1937, pela
Tipografia Editrici F. Bideri, de Nápoles, com o nome de "Poesie".
Contém 41 poemas de assuntos variados,
inclusive românticos. E traz, entre eles, cinco sonetos "In persona di ser
Pecora Fiorentino Beccaio" (1817), com estrambotes. Como curiosidade,
registramos que todos têm as mesmas rimas repetidas nos quartetos, nos tercetos
e nos estrambotes. Assim: — Nos dois quartetos, as terminações: azza, ella,
ella, azza; nos dois tercetos: ata, ale, accia; e nos estrambotes: accia, one,
one.
Giuseppe Giusti (1809-1850), florentino.
Seu mais famoso poema é "Sant'Ambrogio". Como poeta satírico,
colocou-se a serviço da causa da unificação da Itália. Sonetista de excelentes
qualidades.
Antes de chegarmos a Giosuè Carducci,
queremos registrar, aqui, os nomes de alguns grandes poetas que, mais ou menos
pela mesma época, brilharam com relativa intensidade.
Giuseppe Gioacchino Belli (1791-1863), autor
de mais de dois mil sonetos, impecavelmente clássicos, obra que constitui,
segundo Mario Sansone, "uma sátira bondosa, embora triste, duma sociedade
decrépita, baseada no privilégio e na injustiça"; Giovanni Prati
(1814-1884), versejador fecundo, poeta romântico, cantor do sentimento, autor
de inúmeros sonetos dedicados ao culto da beleza formal; Aleardo Aleardi
(1812-1878), poeta que compartilhou com Prati a simpatia dos jovens e das
mulheres; Giacomo Zanella (1820-1888), sacerdote e poeta imbuído de
espiritualismo religioso, dedicado, na velhice, à poesia lírica e, também, de
inspiração moral e científica.
Não nos podemos esquecer de Edmondo
De Amicis (1846-1908), cujo romance destinado aos jovens,
"Cuore" ("Coração"), e publicado em 1884, deu-lhe uma
popularidade universal. É autor de um interessante soneto, "O garoto à
mesa", que transcrevemos mais adiante.
Século XX
Giosué Carducci (1835-1907), poeta
e crítico, professor de literatura, que lutou com todas as suas forças para
reconduzir à tradição clássica a poesia italiana.
A força de sua poesia reside mais no
lirismo social que no lirismo amoroso ou metafísico.
Foi o último grande representante do
Ressurgimento italiano, exercendo larga influência sobre o mundo intelectual de
sua pátria. Enquanto outros procuravam experiências intelectuais européias, Carducci
se mantinha fiel à tradição do país. Seu gosto pelo classicismo tornou-o
"hostil ao Romantismo monarquista e cristão, e adepto de um republicanismo
ateu", mas nunca se afastou do espírito romântico. O que ele queria
cultivar era o seu mundo clássico, principalmente helênico, "repleto de
felicidade serena e de juventude harmoniosa". Perfeito na forma e em
profundidade.
Prêmio Nobel de Literatura, em 1906.
Sua produção lírica está recolhida em seis
livros. Suas expressões traduzem, com efeitos plásticos, o sentimento que
adorna a alma do poeta. Foi excelente sonetista.
Lorenzo Stecchetti, pseudônimo de
Olindo Guerrini (1845-1916), extraordinário poeta. Sonetista dos mais notáveis
da língua italiana. Publicou, em 1877, um livro de versos sob o título "Póstuma”,
que o tornou famoso. Poesia impregnada de amargura e ironia, à maneira de
Heine. Traduzido para as principais línguas do mundo.
No prefácio de "Póstuma", lembra
J. G. de Araújo Jorge, o poeta "informava que os originais lhe tinham sido
confiados por um jovem poeta que morreu tuberculoso, e que lhe pediu para
publicá-los". E conclui J. G.: — "A beleza lírica dos poemas e a
história fantástica suscitaram debates que consagraram e popularizaram
definitivamente seu nome".
Giovanni Pascoli (1855-1912) foi o
poeta do campo, da vida dura e simples do campo, poeta da paisagem e da vida
familiar, “sempre vistas através das recordações da infância". Também foi
um festejado poeta latino, "premiado nas competições internacionais de
Amsterdão".
Salvatore Di Giacomo (1860-1934), poeta
que pintava alegres cenas populares, usando, exclusivamente, o dialeto de
Nápoles.
Cesare Pascarella (1858-1940), autor
de bons sonetos. "Sonetti" (1904).
Gabriele D'Annunzio (1863-1938), a
princípio sofreu influências de Carducci e de Baudelaire. Poeta, dramaturgo,
romancista. Perfeito dominador da língua. Não obstante aqueles conhecidos
matizes de seu "charlatanismo" industrioso e hábil, D'Annunzio, com a
obra que escreveu, invadiu a Europa e o resto do mundo, empolgando a todos. Os
romances têm páginas admiráveis, sendo "O fogo" o mais conhecido e
divulgado.
Lírica cheia de eloqüência, beirando a
verbosidade. Forma esplendorosa, riqueza de musicalidade, sensualismo, luxo de
imagens. Poesia de alto valor, que compreende os quatro livros das "Laudas
do Céu, do Mar, da Terra e dos Heróis" (1903 a 1912).
Excelente sonetista.
D'Annunzio era chamado o
"poeta-soldado", por ter participado da I Grande Guerra, durante a
qual perdeu a vista direita. Foi o mais popular dentre os escritores e poetas
italianos, no início do século XX.
*
A poesia do século XX, na Itália, passou
por transformações diversas. Houve uma poesia lírica, algo pessimista, chamada
"crepuscular", cujos poetas, sem renovação de formas, cantavam,
debilmente, "o pequeno mundo dos valores quotidianos, tradicionais e oitocentistas".
Principais poetas desse grupo:
Sérgio Corazzini (1887-1907), o
poeta mais melancólico da literatura italiana, talvez pressentindo o seu fim
prematuro, pois morreu tuberculoso aos 20 anos de idade; e Marino Moretti
(1883-1915), que descreveu, com ironia e emoção, os ambientes provincianos.
*
Veio o Futurismo (1909), cujo fundador foi Filippo
Tommaso Marinetti (1876-1944), que, como registra Mario Sansone,
"anunciou, juntamente com uma poética nova, uma, moderna concepção da
vida, proclamando-se reformador da poesia, da moral, da política e do ambiente
social. Exaltou a força, a civilização mecânica, a guerra, o nacionalismo e o
espírito de conquista, desprezando a contemplação, o peso da tradição e a
lógica abstrata". Considerado precursor do fascismo, ao qual aderiu,
depois.
*
A mais nova experiência surgida na Itália
foi o "hermetismo", poesia de origem francesa, com precedentes
históricos vinculados ao simbolismo de Mallarmé, Verlaine e Rimbaud. Quanto ao
grupo que o formava, pelo menos parte dele, escondia seu pensamento
antifascista, utilizando metáforas e símbolos só entendidos pelos iniciados.
Fornecemos, a seguir, urna pequena relação
desses poetas, alguns ligados às formas tradicionais e alguns ainda presos ao
grupo dos poetas chamados "crepusculares":
Angelo Orvieto (1869); Francesco
Chiesa (1871); Francesco Gaeta (1879-1927), com
duas coletâneas de sonetos; Ada Negri (1870-1944) também
sonetista; Ugo Setti (1892-1953); Angelo Sílvio Novaro
(1896-1938); Eugenio Montale (1896), o maior poeta do "hermetismo"
italiano; Salvatore Quasimodo (1901-1968),
que também guardou amor à Antiguidade grega; Alfonso Gatto (1909), que
ultimamente se exprimia de maneira melodiosa e simples; Giuseppe Ungaretti
(1888-1970), que reagiu contra a influência dominante de D'Annunzio e que
esteve no Brasil, de 1937 a 1943, lecionando literatura italiana na
Universidade de São Paulo.
O culto do soneto na Itália
O soneto nasceu na Itália, precisamente na
Sicília, de acordo com as conclusões mais dignas de crédito, mais dignas de fé,
a que chegou a maioria dos grandes estudiosos do assunto. Nem haveria pátria
mais merecedora de ser o berço dessa belíssima forma de expressão da poesia.
Acrescente-se que foi Petrarca, também um
italiano, quem consagrou o soneto, não só universalizando-o, como fazendo dele
o maior mensageiro do sentimento, no mundo inteiro.
O soneto “petrarquiano”, apesar de todas as
vicissitudes que lhe foram antepostas, tem resistido aos embates do tempo. E,
ainda hoje, revive seus dias gloriosos, não cedendo a palma a nenhuma outra forma
de poesia, e impondo-se a todas as escolas literárias, principalmente àquelas
que surgiram com a finalidade intencional de derrubá-lo de seu pedestal de ouro.
Dante também cultivou o soneto, na época de
Petrarca. Foram esses dois grandes poetas os iniciadores reais e positivos do
perene culto ao soneto.
E os italianos, de sua parte, foram sempre
fiéis a esse culto, pois que, dentre eles, apareceram, em todas as épocas,
excelentes sonetistas.
Sobre os alicerces tão bem plantados na
Sicília, foi erguido um monumento de arte que deverá suster-se de pé, ereto e
varonil, através dos séculos.
*
Oferecemos, a seguir, uma pequena coletânea
de sonetos escritos por poetas italianos das diversas épocas:
GUIDO
CAVALCANTI (1255-1300)
"A Giovana"
(Trad.
de Martins Napoleão)
Se eu peço a esta mulher que piedade
não seja avessa ao coração gentil,
dizes que sou desconhecido e vil,
desesperado e cheio de vaidade.
De onde te vem tão nova crueldade,
se a quem te vê não mostras ser hostil,
mas sensata e cortês, sábia e sutil,
e feita a modo de suavidade?
Minh'alma tímida e dolente chora
nos suspiros que estão no peito e, assim,
embebidos de lágrimas, vêm fora.
Parece então que um vulto de mulher
pensativa se curva dentro em mim
só para ver meu coração morrer.
CECCO
ANGIOLIERE (1260-1312)
(Trad. de Jorge de Sena)
Se eu fosse fogo, incendiava o mundo.
Se eu fosse vento, desfazê-lo-ia.
E se fosse água, eu inundá-lo-ia.
Se eu fosse Deus, o dava ao demo imundo.
Se fosse Papa, ó que prazer jucundo,
a toda a Cristandade intrujaria.
Se fosse Imperador... o que eu faria?
Decapitava de um só golpe o mundo.
Fosse Morte, meu pai eu atacava.
Se Vida fosse, dele fugiria
e à minha mãe também eu escapava.
Se fosse Cecco, como sou e seria,
as fêmeas boas para mim tomava,
velhas, feias... aos mais eu deixaria.
DANTE
ALIGHIERI (1265-1321)
“Em
louvor de Beatriz”
(Soneto
XV de "La Vita Nuova")
(Versão
de C. Tavares Bastos)
Tão gentil e sinuosa se apresenta
a minha amada, quando a alguém saúda,
que toda língua treme e fica muda,
nem mesmo ousado olhar fixá-la tenta.
Sentindo-se louvada, ela se escuda
na humildade, às lisonjas desatenta;
dom do céu, é um milagre que se ostenta
sobre a face da terra triste e ruda.
Agrada tanto a quem a vê e tanta
doçura infunde o seu olhar de Santa,
que não o crera quem o não sentira;
e dos seus lábios emanar parece
suave fluido de amor que a alma enternece,
qual meiga voz a murmurar: Suspira!
FRANCESCO
PETRARCA (1304-1374)
"Em
vida de Laura" — O poeta "narra o estado em que se encontra,
atribuindo-o a Laura".
(Trad.
de Luiz Delfino)
Paz não tenho, sem ter motivo à guerra:
temo, espero, ardo em fogo, e sou de gelo,
quero subir ao céu e caio em terra,
nada abraço, e o universo ando a contê-lo.
Preso, a prisão não se abre, e não se
cerra:
prendem-me o coração, mas sem prendê-lo,
não me dá vida ou morte, Amor, e erra
minha alma sob o enorme pesadelo.
Odeio-me a mim mesmo, alguém amando,
grito sem boca ter, sem olhos vejo,
quero morrer, e a morte me apavora.
A dor me apraz, e rio-me, chorando:
não quero a morte, a vida não desejo...
Eis o estado em que estou por vós, Senhora.
FRANCESCO
PETRARCA (1304-1374) "Na morte de Laura" — O poeta, "privado de
Laura, não mais fará cantos de amor".
(Trad.
de Luiz Delfino)
Seus olhos que eu cantei ardentemente,
rosto, pés, braços, mãos, já não diviso:
de mim mesmo arrancaram-me, e o juízo,
para os ter, eu fugia à toda gente.
A crespa coma de ouro reluzente,
o lampejar do angélico sorriso
que fazia da terra um paraíso,
não têm mais vida agora, é pó somente.
E
vivo? E calmo, tudo em torno eu olho?
Não tenho mais a luz que amava tanto,
sou
como nau lançada em rude escolho.
Morra também meu amoroso canto;
de lágrimas a lira em luto eu molho:
para chorá-la fique só meu pranto.
FRANCESCO
PETRARCA (1304-1374) "Sobre a morte de Mma Laura"
(Trad.
de Luiz Vicente De-Simoni)
Quebrou-se a alta coluna, e o verde louro,
que davam sombra ao meu pensar cansado:
perdi o que jamais verei achado
do Austro ao Bóreas, do mar índio ao Mouro.
Roubaste, ó Morte, o meu duplo tesouro,
de que ledo eu vivia e assoberbado;
que por reino ou por mando restaurado
não pode ser, nem por diamante ou ouro.
Mas se o destino tem assim disposto,
que posso eu mais senão ter alma opressa,
olhos banhados sempre e baixo o rosto?
Ó nossa vida, que é tão bela à vista!
Como numa manhã vai-se depressa
o que em anos com pena se conquista!
FRANCESCO PETRARCA (1304-1374)
“Introdução aos seus versos"
(Trad. de Waldemar de Vasconcelos)
Vós que ouvistes as minhas poesias,
com que eu nutria outrora o coração
nos juvenis e suspirosos dias,
quando aquele que eu fui tinha ilusão;
se conheceis do amor a reflexão
e o pranto, entre esperanças fugidias,
piedade espero achar, mais que perdão,
para as dores das minhas fantasias.
Agora vejo bem que longamente
em mim falou-se, e ria muita gente,
e de mim mesmo, às vezes, me envergonho.
Amargo fruto que colhi sonhando,
já sei — me arrependendo e envergonhando —
que a sedução da vida é breve sonho.
FRANCESCO PETRARCA (1304-1374) – “Espera
que a fama que obterá compensará o seu atual tormento".
(Trad. de Jamil Almansur Haddad)
Doce ira, doce mal, doce brandura,
doce afã, doce peso que hei sentido,
doce falar tão docemente ouvido
e que é doce de luz ou de aura pura.
Alma, sofre calada o que tortura,
mitiga o doce afã que te há ofendido
com o doce louvor que hás recebido
por esta que é minha única ventura.
Dia virá que suspirando diga
alguém cheio de inveja: Assaz sofrera
este por belo amor e seu enredo.
Outros: Ó sorte dura e tão imiga!
Por que esta doce dama não nascera
pouco mais tarde ou
eu pouco mais cedo?*
*Os que nasceram
depois de Laura lastimarão a sorte do poeta, ao mesmo tempo que lamentarão não
poderem ter sido contemporâneos de Laura e seus encantos.
FRANCESCO PETRARCA (1304-1374) "Alguém
dirá que o Poeta esteja exagerando no seu louvor a Laura; ao poeta parece o
contrário e teme que ela ache desprezível o seu louvor".
(Trad. de Jamil Almansur Haddad)
Talvez suponham que em louvar aquela
que adoro, eu exagere-lhe o perfil,
dizendo-a entre as demais, alta e gentil,
santa, sábia, graciosa, honesta e bela.
Mas eu sinto o contrário; e temo que ela
despreze o meu louvor por ser tão vil,
digna de algo mais alto e mais sutil,
e quem não o acredite venha vê-la.
Então dirá: Aquilo¹ a que este aspira
é de estancar Atenas, como Arpino,
Mantua e Smirna² e uma e outra lira?³
Língua mortal estado tão divino
não pudera cantar. Se amor me inspira
não é por eleição, mas por destino.4
__________
1 O objetivo de cantar Laura dignamente. 2
Maneira metonímica de aludir a Demóstenes, Cícero, Virgílio e Homero. 3 Píndaro
e Horácio. 4 Canta-a não por ser sua vontade, mas atendendo à determinação da
Fatalidade.
FRANCESCO PETRARCA (1304-1374)
"Uma visão alçou sua alma ao céu"
(Trad. de Jamil Almansur Haddad)
Levou-me o pensamento até a morada1
da que eu procuro e não encontro em terra:
entre outras que a terceira esfera2 encerra
revi mais bela e mais modesta a amada.
Ela falou-me assim: — Na espera ansiada
sempre estarei se o meu sonho não erra;
sou eu a que te deu tamanha guerra,
cumprindo antes da tarde3 a sua jornada.
Meu bem não sabe a humana compreensão.4
Só espero a ti, e o véu que amaste tanto
ficou na terra — o meu fermoso véu.5
Por que ela se calou e abriu a mão?
A estas palavras de ternura e encanto,
pouco faltou para eu ficar no céu.
________
1 O céu
2 O planeta Vênus: onde se supunham ir as almas dos amantes.
3 Lamenta o
seu fim prematuro.
4 Os homens não são capazes de compreender
a maravilha que é a sua beatitude
5 - compreenda-se corpo. Compara o corpo a
uma sombra, a um véu que reveste a alma.
FRANCESCO PETRARCA (1304-1374)
"Diz da
glória de Laura no paraíso"
(Trad. de Jamil Almansur Haddad)
Anjos plenos de amor e claridade,
habitantes do céu, logo à chegada
à divina mansão, da bem-amada,
fitaram-na com pasmo e piedade.
— "Que luz é esta e que nova beldade?
diziam — pois visão tão suave e honrada
do mundo errante a tão alta morada
certo nunca subiu por toda a idade".
Ela contente assim de haver mudado
de abrigo, aos mais perfeitos se compara.
E
volve a cada instante a leda cara,
a ver se eu a acompanho, e ela abre o
braço:
e o pensamento vão ao céu levado,
ouço-a que implora: Amor, apressa o passo!
LORENZO DE MEDICI (1449-1492)
“Solidão Campestre"
(Trad. de Delson Tarlé)
Procure — quem quiser pompas e honores —
praças, templos, palácios, pois a sanha
de gozo e de ouro sempre se acompanha
de mil preocupações e de mil dores.
Relvado verdejante, lindas flores,
rio que a erva nascente em torno banha,
ave que canta o amor na selva estranha
acalmam muito mais nossos ardores.
A mata umbrosa, as pedras e a colina,
antros escuros, feras fugitivas,
grácil ninfa que surge e que se espanta.
Vagueia a mente em sonhos e imagina
luzes tão lindas que parecem vivas;
e cada ser me toma e eleva e encanta.
PIETRO BEMBO (1470-1547)
"Crin d'oro crespo, e d'ambar tersa e
pura.
(Trad. de Delson Tarlé)
Louro cabelo, de cor de âmbar pura,
que ao vento sobre a neve ondeia e voa:
olhos suaves, de Sol, de luz tão boa,
que faz dia sereno a noite escura;
riso que acalma toda pena dura;
pérolas e rubis, por onde soa
voz de paz, bem de amor, que na alma ecoa;
mão de marfim, que corações segura;
cantar mavioso, música divina;
senso maduro na mais verde idade,
encantos nunca vistos entre nós;
suma beleza e suma honestidade;
sois o alimento de meu fogo, há em vós
graça que o Céu a bem poucas destina.
LUDOVICO ARIOSTO (1474-1533)
"Aventuroso carcere soave"
(Trad. de Delson Tarlé)
Que venturoso cárcere suave,
onde, nem por furor nem por despeito,
mas por ternura e amor, me tem sujeito
minha bela inimiga, em doce entrave.
Há prisioneiros que, ao girar da chave,
se contristam. Eu rio, satisfeito:
não vê morte a esperança do meu peito,
nem juízes severos, nem lei grave,
mas ternas acolhidas, mas ardente
liberdade de abraços, mas desejos,
palavras livres e risinhos loucos,
mas doces beijos, dados docemente,
e mil e mil e mil e mil, mil beijos,
que, por mais que se contem, são bem
poucos.
MICHELANGELO BUONARROTI (1475-1564)
(Trad. de Jorge de Sena)
Forçoso é que a piedade enfim me venha,
pra que d'alheias culpas mais não ria,
seguro em meu valor, sem outro guia,
alma perdida que de si desdenha.
Não sei que outra bandeira me mantenha
não vencedor, mas salvo da porfia
com que o tumulto adverso me seguia,
se não é Teu poder que me sustenha.
Ó carne, ó sangue, ó lenho, ó dor extrema!
Justo por vós se torne o meu pecado
do qual nasci e os pais que foram meus.
Só Tu és bom: socorra tão suprema
piedade o meu predito iníquo estado:
tão perto a morte, e ainda tão longe Deus.
VITTORIA COLONNA (1492-1547)
"Quando o Grão Lume surge do Oriente...”
(Trad. de Delson Tarlé)
Quando o Grão Lume surge do Oriente
e o negro manto desta noite afasta,
quando na terra o gelo se desgasta,
dissolvido ao calor de um raio ardente,
a minha dor, que o sono suavemente
anestesiara, acorda mais nefasta.
E, quando aos outros o prazer se gasta,
é que revive o meu, mais docemente.
Assim me impele uma inimiga sorte:
procuro a escuridão, fugindo à luz,
odeio a vida, desejando a morte.
O que ensombra outro olhar no meu reluz.
Se fecho os olhos, abre-se, num corte,
a dor profunda que a meu sol conduz.
PIETRO ARETINO (1492-1557)
(Trad. de J. G. de Araújo Jorge)
Amemo-nos sem termo nem medida,
pois que só para o amor temos nascido...
Vive por nosso amor! — é o meu pedido,
pois sem tal bem, que valeria a vida?
E se depois da vida já perdida
ainda se amasse... Eu, tendo já morrido
pediria outro amor — o bem querido
para poder seguir gozando a vida.
Gozemos pois, tal como certamente
o primeiro casal no Éden, ao ser
aconselhado assim pela serpente.
Que nos perdemos por amar se diz...
Tolice! Outra é a verdade, podes crer:
Só quem não ama sente-se infeliz!
GIOVANNI DELLA CASA (1503-1556)
"O Sonno, o de la queta, umida,
ombrosa...”
(Trad. de Delson Tarlé)
Ó Sono, ó da tranqüila, úmida, umbrosa
noite plácido filho, aos sofredores
conforto, doce olvido a tantas dores,
nesta vida tão áspera e tediosa,
socorre a alma sem pouso, que não goza
de paz, ampara o fraco em seus langores.
Ó Sono, voa a mim, para dispores
tuas asas de névoa assim calmosa.
E o Silêncio, que foge à luz e ao dia?
E os sonhos, que, em passadas inseguras,
te costumam seguir, por teimosia?
Em vão te chamo e em vão estas obscuras
sombras distingo. Ó que plumagem fria,
coberta de aspereza! Ó noites duras!
TORQUATO TASSO (1544-1595)
"Ne gli acerbi anni tuoi purpurea rosa...”
(Trad. de Delson Tarlé)
Nos jovens anos teus, purpúrea rosa
parecias, que, ao sol radioso, agora,
não abre mais o seio, muito embora
virgenzinha se oculte em ti, medrosa.
Mais semelhas (que ser no mundo goza
da perfeição que há em ti?) celeste aurora
que a campina de pérolas decora
e ao monte traz, do céu, luz orvalhosa.
Hoje, a idade madura não te afeta;
nem a ti, descuidada, desafia
jovem que se enfeitar, linda que seja.
Assim mais bela é a flor que abriu,
discreta,
as pétalas, e o sol do meio-dia
mais que o sol da manhã brilha e flameja.
TORQUATO TASSO (1544-1595)
"A Vasco da Gama"
(Trad. de Delson Tarlé)
Vasco, de alegres naus, que abriram vela
de encontro ao Sol — o portador do dia
e voltaram, com rasgos de ousadia,
da Ásia e dos riscos que há no seio dela;
não mais que tu, por mares de procela,
quem ao Ciclope encheu de zombaria,
ou as Hárpias turbou, jamais daria
a pena culta inspiração tão bela.
E, ora, a pena do douto e bom Luís*
põe teus feitos nas asas de um poema,
que bem mais longe vai do que teus mastros.
Ao que vive na terra mais extrema
e ao que pára ante a glória de teus rastros
a fama de teu nome em versos diz.
________
* Luís de Camões.
TOMMASO CAMPANELLA (1568-1639)
"In superbia il valor, la santitate...”
(Trad. de Delson Tarlé)
É soberba o valor, a santidade,
agora, é hipocrisia, a gentileza
é cerimônia, o siso, sutileza,
o amor é ciúme, o belo, sujidade,
graças, poetas, à vossa fatuidade:
falsos heróis, mentiras e baixeza,
não virtudes, mistérios e a grandeza
de Deus, como era o verso em prisca idade.
A obra da Natureza é ato mais nobre
do que a ficção, mais doce de cantar-se,
onde engano e verdade se descobre.
A
única história digna de aprovar-se
é a que de falsidade não se cobre
e faz o mundo contra o vício armar-se.
GIAMBATTISTA MARINO (1569-1625)
"Apre l'uomo infelice allor che nasce...”
(Trad. de Delson Tarlé)
Abre o homem infeliz, logo que nasce,
ao pranto, antes que ao Sol, os olhos:
plena de misérias é a vida, que o condena
a cadeias de dor, por onde passe.
Deixa o leite materno e, face a face,
eis o mundo carrasco, a angústia, a pena.
Já na idade mais sólida e serena,
entre a Fortuna e o Amor fina e renasce.
Quanta fadiga e morte, ele, mendigo,
sofre, tristonho. Até que, curvo e lasso,
apóia em débil lenho o flanco antigo.
Une, afinal, seus restos tênue laço,
rápido assim, que, suspirando, eu digo:
do berço à sepultura é um breve passo.
VITTORIO ALFIERI (1749-1803)
"Giorno verrà...”
(Trad. de Delson Tarlé)
Dia virá, há de chegar o dia
em que os ítalos, pois, renascerão,
não acuados, mas bravos na porfia,
todo o orgulho gaulês lançando ao chão.
Espora ao flanco, a velha galhardia
e meus carmas de glória portarão.
Eternos, seu valor, minha poesia,
de irresistível fama viverão.
E, no furor das armas, inspirados
por mim em seus avós de espada inquieta,
à Gália os versos meus farão lembrados.
Já os ouço, ufanos, a dizer-me: "Ó
Poeta,
que esta idade de luz cantaste aos brados,
foste, em tempos de dor, nosso
profeta".
UGO FOSCOLO (1778-1827)
"À Tarde"
(Trad. de Delson Tarlé)
Talvez por seres, para mim, a imagem
da quietude fatal, vem, sê bem-vinda,
ó Tarde! E — quando te corteja a aragem
e os cirros estivais e quando, ainda,
trazes do ar nebuloso trevas que agem
sobre o mundo, ao tremor da luz que finda,
e me acolhes, na mais secreta viagem
da alma eu te sinto, assim, tão suave e
linda.
Conduzes minha mente, numa prece,
ao eterno vazio; e o tempo ruim foge
e leva consigo e faz que cesse
a ânsia que me envolvia. A paz, enfim!
E, enquanto a paz me deixas, adormece
o espírito feroz que há dentro em mim.
GIUSEPPE GIUSTI (1809-1850)
"Esperança de Glória"
(Trad. de Delson Tarlé)
Se não posso saciar a ânsia, que é chama,
daquele rosto angélico e sereno
e no
peito reter o ardente aceno
do coração àquela que honra e ama,
sigo a triste lembrança que me chama
fora de todo sonho vão, terreno.
Vivo só, vivo dela, dela pleno,
e escrevo, escrevo, escrevo, em pós da
fama.
E se a sorte a este mundo me revela,
se conquisto renome, de escritor,
vou correndo dizer-lhe que lhe devo
a inspiração de tudo quanto escrevo,
a minha glória. E, então, cheio de amor,
vou depor os meus versos aos pés dela.
GIUSEPPE GIUSTI (1809-1850)
"A fé em Deus"
(Versão de C. Tavares Bastos)
Quase ao peso do corpo indiferente,
absorta em Quem, perdoando, a dor acalma,
verga-se sobre os joelhos suavemente,
apoiando-se numa e noutra palma.
Dolorosa exaustão, celeste calma,
vê-se difusa no seu todo... A mente,
porém, volvida para Deus somente,
refulge ao sempiterno raio d’alma.
Como que diz: se todo o bem me engana
e se, ao vislumbre de melhor estado,
sinto fugir-me a vida desumana,
confiante, ao teu regaço ameno
recorre o meu espírito, ancorado
num grande afeto que não é terreno.
GIOSLE CARDUCCI (1835-1907)
“O boi”
(Trad. de Olegário Mariano)
Amo-te, ó pio boi! Um sentimento
de vigor e de paz tu me ofereces,
quando, impassível como um monumento,
o olhar nos campos verdes adormeces...
Preso à canga, momento por momento,
mais útil e paciente me pareces.
O homem te ordena e tu, no macilento
volver dos olhos tristes, lhe obedeces.
Pela tua narina escura e fria
teu espírito passa e é um hino ardente
teu mugido cortado de agonia.
E em teu olhar, que pelo azul se perde,
se esconde longa e dolorosamente,
verde, a planura do silêncio verde.
_______
NOTA: O mais conhecido soneto de Carducci,
dedicado ao boi, "símbolo da paz industriosa dos campos", é, também,
dos seus poemas, o mais vertido para a nossa língua. Grandes poetas o
traduziram, dentre eles Luiz Guimarães Junior, Arduino Bolivar, Magalhães de
Azeredo, além de Olegário Mariano.
LORENZO STECCHETTI (1845-1916)
(Trad. de Guimarães Passos)
Sob os cabelos de ouro que te beijo,
eu não quero saber o que se esconde,
nem tampouco, mulher, se corresponde
o teu amor ao meu, saber desejo.
Que me importa saber o como e onde
faltaste ao juramento assim, sem pejo?
Gozei-te uma hora... isto passou? não vejo
proveito algum, para que o fato sonde.
Não pergunto se o vinho já bebido
continha alguma droga traiçoeira.
Foi nos teus lábios pelos meus sorvido.
Que me adianta saber se tu és casta?
Amamos, em verdade, uma hora inteira,
fomos felizes quase um dia... e basta.
LORENZO STECCHETTI (1845-1916)
"Postuma XXXV"
(Versão de C. Tavares Bastos)
Quando, como um relâmpago, fulgura
nos olhos teus a chama do desejo,
que buscas ocultar, mostrando pejo,
e ou me repeles ou me és só ternura;
quando, fingindo desprezar o ensejo,
a ânsia me dás de uma hora de ventura,
e a úmida boca entregas à loucura
da voluptuosa ardência do meu beijo;
quando, de joelhos, aos teus pés,
deliro no silêncio da noite que se estrela,
e aos meus carinhos ficas resolvida,
se uma frase de amor então profiro,
ah! podes crer inteiramente nela,
que assim não se ama outra vez mais na
vida!
LORENZO STECCHETTI (1845-1916)
"Beijo póstumo"
(Trad. de Batista Cepelos)
Eu morrerei: a grande noite austera
vem chegando com o tempo que não pára;
já a cova negra minha carne espera
e, abrifauce e faminta, se prepara...
Quando tudo renasce à primavera,
eu, só, não tornarei da terra avara;
e, do meu corpo, que no chão se altera,
brotará a manjerona, humilde e rara.
Em nome deste amor, vai lá, querida,
e sobre a tumba compassiva e pura,
colhe uma planta de meu ser nutrida.
Beija-a, porque aos teus beijos de ternura,
logo os meus ossos, como outrora em vida,
palpitarão de amor na sepultura!
LORENZO STECCHETTI (1845-1916)
“Fatalidade "
(Trad. de Hilário S. Soneghet)
Por mim passaste no correr dos anos,
dos anos ao correr por ti passei;
não me inspiraste sonhos nem enganos,
nem enganos nem sonhos te inspirei.
A teu respeito nunca tive planos
e, quanto a mim, não os tiveste, eu sei;
em não me amando não sofreste danos,
danos, por não te amar, não amarguei.
Mas, num dia fatal do meu destino,
tudo mudou e eu vi-me dominado
por estranha paixão, um desatino!
E, hoje, me julgo, já desiludido,
um venturoso por te haver achado,
um desgraçado por te haver perdido.
LORENZO STECCHETTI (1845-1916)
"Pelo Outono"
(Trad. de Othon Costa)
Quando, ao cair das folhas pelo outono,
tu fores procurar no Campo-Santo
minha cruz, hás de vê-la num recanto
como atirada em místico abandono.
Sobre o leito em que durmo o último sono
verás de flores um rosado manto,
que regarás com lágrimas, enquanto
caírem folhas mortas pelo outono...
São flores que nasceram de meu peito.
Colhe-as tu, de joelhos, com respeito,
num gesto de carinho e de meiguice,
para enfeitar, à tarde, os teus cabelos:
— São poemas que pensei sem escrevê-los,
e palavras de amor que não te disse...
LORENZO STECCHETTI (18454916)
"Póstuma I"
(Trad. de Basílio de Magalhães)
Míseros versos meus, que lanço ao vento,
da juventude em flor memórias fiéis.
Rimas de ira, de gáudio e de lamento,
amanhã, pobres rimas, que sereis?
Fugi, fugi do mundo, sempre atento
a flagelar quem não o amou! Tereis
inculto, sim, mas não fingido acento,
rimas, que o meu afeto enalteceis.
De certo a minha amada encontrareis,
por quem ânsias mortais experimento,
e vós, que o arcano deste amor sabeis,
vós, testemunhas de um finar tão lento,
ah! quanto, quanto a amei — vós lhe direis,
míseros versos meus, que lanço ao vento!
LORENZO STECCHETTI (1845-1916)
"Talvez que um dia em teu balcão
sentada...”
(Trad. de Altair de Almeida Carneiro)
Talvez que um dia em teu balcão sentada,
sob a luz das estrelas meditando,
tu ouças nessa noite enluarada
um grito dolorido te saudando.
E verás uma lágrima parada,
à luz do sol sobre uma flor brilhando.
Pensando ser orvalho, minha amada,
para o cabelo a colherás, passando.
Não é de orvalho a gota que tremeu
e como prata sobre a flor tombou,
mas o vestígio só do pranto meu.
Nem o grito que ouviste foi o vento.
Sou eu que estou morrendo e que te dou
meu derradeiro beijo e o meu lamento.
LORENZO STECCHETTI (1845-1916)
"A mulher e o Monge" (
(Trad.
de Rubens de Mendonça)
I
Contrito a meditar, um Monge solitário,
a flor da mocidade a matar num convento,
entre as névoas da fé, penitência e
tormento,
a vida consumia a ler seu breviário!...
E triste meditava o pobre visionário,
quando escuta uma voz de suave encantamento,
duma linda mulher que era um deslumbramento,
toda nua a exibir um corpo
extraordinário!...
— " Ó Monge! Eu sou o amor, a vida, a
alacridade,
te ofereço o esplendor da minha mocidade
e do meu jovem corpo o cálido fulgor...
Abandona a tua fé, que a vida é uma delícia...
Que do meu corpo em flor, te darei a
carícia
e em troca à cela escura eu te dou meu
amor!...
II
Diz o Monge:
Por que tentas assim, ó visão misteriosa,
ao Monge, que por Deus tem devoção e ardor?...
Não me persigas não, ó vulto encantador
que me tentar tirar da vida religiosa...
Demônio é o teu corpo! E essa maravilhosa
boca que me promete as delícias do amor
tenta de mim em vão fazer um pecador
e arrancar da minha alma a crença
fervorosa!...
Credo! Foge de mim! O teu olhar, maldita
mulher, não quero ver! Teu olhar excitante
que põe meu peito em brasa e põe minha alma
aflita! ...
Peco somente ao ver teu corpo rosicler...
Foge de mim, Satã, visão alucinante!...
Mas se não for visão e for mesmo mulher?...
EDMONDO DE AMICIS (1846-1908)
"O garoto à mesa"
(Trad. de Modesto de Abreu)
Como acho lambuzado o meu filhinho
depois da refeição! Fico espantado!
De cem nódoas está empatacado
e os lábios tem da cor do guisadinho.
O nariz, já se vê, sujou de vinho,
tem tempero, na testa, respingado,
e ao queixo um espaguete está grudado,
pendendo-lhe por sobre o aventalzinho.
Natural! Pesca tudo e em tudo toca,
no rosto esfrega o garfo, esfrega-o em vão,
gasta uma hora para achar a boca.
Meus gritos são inúteis e sobejos:
seus bracinhos me estende, o espertalhão,
e eu limpo o seu rostinho com meus beijos!
CESARE PASCARELLA (1858-1940)
"La Scoperta de I'America" XXIII
(Trad. de Delson Tarlé)
Mas Colombo — pensai! — estava certo!
Afeito ao mar, por seus experimentos
e pela voz agílima dos ventos,
ele sabia: a terra estava perto.
“Continuemos” — bradou. "Eu vos
alerto:
acende o rumo, de alma e olhos atentos;
terra virá no curso de momentos".
Pois veio, de manhã, no mar deserto:
“Terra... Terra!... Por Cristo!" E
delirante
era o riso, era o choro, era a algazarra...
“Terra... Terra!... Por Cristo!... Avante...
Avante!...”
E ali. tanto perigo já passado,
Que mais pensar? A nau entrando a barra... abraços, beijos... Sim, tinham chegado!
GABRIELLE D'ANNUNZIO (1863-1938)
“Soneto de amor pela França"
(Trad. de Guilherme de Almeida)
França, tu, doce França, amor do mundo, heroína
crucificada a arder sem reproche e
sem medo,
quando em Antióquia, sob a murça, Godofredo
sentia os aguilhões da coroa divina;
em Bouvines, de pé, com teu Deus; na
campina
de Recroi, ajoelhada, eril como um rochedo;
sempre-viva a brotar das fendas do lajedo
junto aos teus mausoléus, no oco de cada
ruína;
fresca como o repuxo branco do teu choupo
de que tu saberás vergar o tronco e o topo
para coroar a fronte ao teu cantor fecundo;
ressuscitada em Cristo a fazer da mortalha
teu gonfalão de luz, tua cota-de-malha,
França, França, sem ti, que solidão no
mundo!
GABRIELLE D'ANNUNZIO (1863-1938)
(Trad. de Edmundo Moniz)
Ó, cessai, que esta música enfastia,
interrompe o meu sonho e me importuna;
e, embora com a bebida se reúna,
não me dá os encantos que eu queria!
Com quanto afã na mocidade um dia
vai-se em busca do amor e da fortuna!
Se com a mulher a lua se coaduna,
a verdade é que nunca ela varia.
Outono, inverno, primavera, estio,
lentas horas eternas, ó que horrível,
que tédio amargo esta lembrança prova!
Ver sempre em cima o mesmo espaço frio,
ou piedoso, cansaço indefinível!
ó, quem me dera alguma coisa nova!
ADA NEGRI (1870-1944)
"Soneto de inverno"
(Trad. de Agmar Murgel Dutra)
Cai a neve nos montes, sem lamento,
de hora em hora; e da terra não emana,
uma só vez, nem um soprar de vento,
nem queixas dos pastores na choupana...
No bosque e sobre o longo Alpes cinzento,
nem aragem de vida ora dimana.
Sobre o vasto lençol há um sonho lento
de prantos, de ervas, de tristeza humana...
... Aqui dentro, arde a chama a se apagar.
Tu me sorris: e eu penso, meu Querido,
como é doce nesta hora o nosso Lar...
Beijo teus lábios de ternuras feito,
ouço o teu coração embevecido
(Das páginas 223 a 266 de "O Mundo Maravilhoso do
Soneto", de Vasco de Castro Lima)
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