Itália

A Alma Errante do Soneto 




ITÁLIA

A literatura medieval italiana começou a se projetar nos séculos XI e XII. Mas foi somente no início do século XIII que vulgar italiano se transformou no idioma de toda a península. Dos diversos dialetos, prevaleceu, afinal, o que era corrente nas cidades toscanas, principalmente Florença. Assim, esse dialeto chegou a ser a língua literária da Itália. E,  desde os tempos de Dante, Petrarca e Bocaccio, a Toscana foi o centro da literatura do país.


Século XIII

Como registro digno de nota, lembramos que na Úmbria, região igualmente situada na zona central da península, nascia, entre os séculos XII e XIII, um movimento de caráter místico, uma poesia religiosa, sob os auspícios do próprio São Francisco de Assis  (1182-1226), fundador da ordem religiosa dos franciscanos.

Segundo depoimento de Klabund, "o primeiro poeta importante que compôs em italiano foi São Francisco de Assis". Produziu muitos cânticos, porém só um chegou até nós: o "Cantico al sole" (o "Cântico ao Sol", 'ou às "Criaturas"), que compôs quase ao morrer.
Manuel Bandeira observa, a respeito, o seguinte: — "Nessa poesia religiosa Deus perdia o seu aspecto de terribilidade e tornava-se mais vizinho dos que o procuravam com pureza de alma e fervor. A prática ascética substituía-se pela caridade. O "Cântico ao Sol", do Santo, é uma espécie de salmo simples e ardente, escrito em metro irregular, no qual ele bendiz todas as criaturas de Deus: o sol e a lua, o ar e a água, a terra e o fogo. e até a mesma morte corporal, chamando-lhes irmão ou irmã".

Santo Tomás de Aquino (1225-1274), o "Doutor Angélico", autor da "Summa Theologiae", "o livro padrão da filosofia da Igreja”, é, também, o autor de vários hinos religiosos, rimados, que constituem valores altos da poesia dogmática da Idade Média. Po-demos, dentre eles, destacar "Pange, língua, gloriose", cujas estrofes finais formam o "Tantum ergo", dos mais cantados, ainda hoje, em todas as igrejas católicas do mundo. Foi canonizado em 1323 e proclamado doutor da Igreja em 1567.


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O pensamento medieval se revelava, na ocasião, através de manifestações do saber teológico e científico e, bem assim, através dos estudos retóricos. Estes, como frutos da experiência dos últimos séculos da literatura latina. Tal cuidado pela perfeição literária veio refletir-se nas obras de muitos escritores, dentre os quais temos de, obrigatoriamente, citar, como, aliás, já o fizemos, os nomes de Dante, Petrarca e Bocaccio. Estes grandes mestres escreveram suas obras, também, no mais puro florentino (Florença, terra natal de Dante, era a capital do grão-ducado de Toscana).


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As obras literárias, em italiano, apareceram com atraso, mas esse fato não deve ser tomado como deficiência ou retardamento espiritual e intelectual do povo. Houve uma causa muito forte: a longa resistência da língua latina, que era, até então, a língua nacional. Não podemos, outrossim, deixar de considerar que, quando nasceu a literatura italiana, deparou-se ela com duas literaturas vulgares já em franco desenvolvimento: a provençal e a francesa, de cuja influência não se livrou com facilidade.

A literatura francesa ("langue d'oil") teve larga difusão na Itália. Mas também a lírica provençal ("langue d'oc"), como vimos em outro capítulo deste livro, difundiu-se, principalmente, nas cortes do norte da península, onde os trovadores da Provença foram recebidos e acolhidos com entusiasmo.

Diga-se que, na Itália, na primeira metade do século XIII, foram fundadas diversas confrarias de trovadores. Apareceram, entre outros, os trovadores italianos Marquês, Alberto Malaspina, um dos senhores de Lunigiana; o bolonhês Rambertino Buvalelli; o veneziano Bartolomeo Zorzi; os genoveses Bonifazio Calvo e Lanfranco Cigala; e o mantuano Sordello de Goito, o mais famoso de todos, falecido em 1270, aproximadamente, e que Dante recorda na "Divina Comédia".

Frederico II também reuniu, em Palermo, uma outra "corte", formada por trovadores provençais e italianos.

O povo siciliano, entretanto, não compreendia bem a poesia provençal; e, assim, os cortesãos, como já salientamos, trataram de formar uma língua que estivesse ao alcance de todos. Teria de ser, de acordo com o projeto, uma língua para unificar e firmar uma literatura integralmente italiana.

Mario Sansone registra que "os sicilianos procuraram formar um tipo comum de linguagem, eliminando dos seus dialetos os idiotismos mais acentuados e moldando a língua comum no latim e no provençal". (....) "Os poetas revelam acentos vivos e pessoais e dão nova vida à maneira tradicional, prestando atenção aos motivos de origem popular, embora conservando a esquiva distinção própria dos literatos".

A primeira escola de poesia destinada a criar, como conseqüência, uma tradição literária, na Itália, foi, pois, a escola poética siciliana. Representou o primeiro movimento de cultura nacional. Daí o seu valor, a sua importância. Os participantes não eram, apenas, da Sicília, porém de toda a Itália, principalmente do sul, e muitos deles viviam e escreviam na corte de Frederico II.

O Soneto, vimos, nasceu por esse tempo, na Sicília. É de se notar que os escritores de todo o país compunham suas obras poéticas, em vulgar; cada qual, entretanto, no dialeto da própria cidade, ou província. Eles sabiam que, assim agindo, jamais conseguiriam alcançar um intercâmbio cultural. A solução seria serirem-se apenas de uma língua comum. E, então, perceberam que a escola siciliana, com a sua nova linguagem, estava em condições de aglutinar o pensamento e as obras de todos os artistas da prosa e do verso. Já possuía um tipo lingüístico italiano, capaz, não apenas de escrever poesia, mas, igualmente, de formar uma cultura literária. A adesão foi geral.
Não vingou, ainda dessa vez, a língua literária da Itália, mas aos sicilianos pertence o mérito de terem sido os primeiros a fazer tal experiência.

Como mostramos em capítulo anterior deste livro, depois da batalha de Benevento, em 1266, houve a decadência da dominação sueva. E a poesia dos sicilianos começou a diminuir seu entusiasmo na Itália meridional. Reviveu, contudo, na Toscana, que passou a ser, definitivamente, o ponto de convergência da cultura e da poesia. Um grupo de poetas deu continuidade à lírica dos sicilianos, através do dialeto toscano.

Guittone de Arezzo (1230-1294) era, então, o mais famoso dos poetas da Toscana. A princípio, fez versos à moda provençal, mas, logo a seguir, deu os primeiros impulsos para a criação de uma poesia verdadeiramente italiana. Foi ele o primeiro literato italiano que fugiu à imitação estrangeira. E teve, ainda, a seu favor, o privilégio de armar a estrutura definitiva do Soneto, como explicamos, detalhadamente, no início da obra.


Guido Guinizelli (1240-1276), em Bolonha, criou a Escola do "Dolce Stil Nuovo", que muito contribuiu para o desenvolvimento do soneto.

Esse "novo estilo" trouxe, para o campo da poesia, uma série de inovações. Nos seus fundamentos se encontra uma concepção moderna do amor e da mulher. Em meios de elevada cultura, desenvolve os traços aristocráticos da poesia siciliana, ao mesmo tempo em que exprime o pensamento filosófico propagado nas rodas intelectuais de Bolonha e, principalmente, em Florença. "A mulher — diz Mario Sansone — é criatura angelical, cujas perfeições, emanando das suas virtudes e da sua harmoniosa suavidade e beleza, levam a alma até Deus, libertando-a de qualquer miséria e fealdade terrena".

Conceitos como este — acrescenta Sansone — "não traduzem, por si próprios, a nova poesia; eles devem ser considerados unicamente elementos doutrinais e psicológicos, que favorecem a formação de novos estados de alma, nos quais o amor já não é impassível ou apaixonado ato de homenagem, mas sentimento elevadíssimo, que abre o caminho à doçura da contemplação mais serena e da meditação mais nobre".
Uma nova caracterização de poesia. A finalidade era, mesmo, no seu íntimo, distinguir o "poeta" do "trovador". O poeta haveria de ter um destino muito maior, e não o de um simples artífice do verso.

Guido Guinizelli foi, portanto, um dos renovadores da poesia lírica de sua pátria. Seu trabalho, aliás, repercutiu no círculo poético a que pertencem a "Vita Nuova" e a "Divina Comédia", de Dante, esta redigida no dialeto toscano. Guinizelli é autor de uma célebre canção, "Ao coração gentil recolhe sempre amor", que "se tornou o programa e o compêndio doutrinal da escola".

Recorde-se, de passagem, que Dante imitou o estilo harmo-nioso e suave de Guido Guinizelli e o chamou de poeta "sábio" (o "Saggio"), dando-lhe, ainda, o título de "pai de todos os poetas que têm sabido rimar doces e encantadoras canções de amor" (Henri Hauvette, "Littérature italienne" — Paris, 1906). Guinizelli, que deixou um punhado de sonetos delicados e formosos, não teve discípulos à sua altura; o único que dele se aproximou foi o toscano Guido Cavalcanti.


Guido Cavalcanti (1255-1300), de nobre família güelfa, era amigo de Dante. Escreveu canções, baladas e sonetos amorosos. Na "Coleção dos antigos poetas italianos", editada muito mais tarde, no ano de 1527, em Florença, se encontram suas produções. Cavalcanti, apesar de não ter o valor cultural de Guinizelli, foi a mais insinuante figura dentre os novos poetas. Inspirava-se no canto popular melhor que qualquer outro poeta de seu grupo.

Seguiram-se. depois, na escola, os poetas, também toscanos, Lapo Gianni, Dino Frescobaldi, Gianni Alfani, Cino de Pistoia e Dante Alighieri, o maior de todos.

Entre os séculos XIII e XIV, viveram alguns poetas que rece-beram as classificações de "realistas " e "burgueses".
O de maior relevo entre os versejadores "realistas  é Cecco Angiolieri (1260-1312), melancólico e humorístico, que escreveu 130 sonetos sobre amor lascivo. Divulgou, prodigamente, em versos, sua vida infeliz de cigano e, com ardente sensualidade, exaltou a sua mulher. Becchina, filha de um sapateiro. Não gostava do pai, velho e avarento, cuja morte esperava ansiosamente. Ficou famoso face a uma polêmica que manteve com Dante Alighieri, contra o qual escreveu sonetos satíricos.


O mais conhecido dos "burgueses" é Folgore de San Gimignano. que viveu até os primeiros decênios do século XIV. Menos expressivo que Angiolieri, escreveu sonetos para grupos de jovens 'que se entregavam a uma vida de folguedos e divertimentos".


Dante Alighieri (1265-1321) — o "Homero da Idade Média", nasceu em Florença, descendente de família nobre, "embora já bastante decaída em poder e riqueza".
Mario Sansone declara que lhe faltam notícias certas da mocidade do poeta, porém não titubeia ao afirmar: "Por mérito de Dante, a literatura italiana chega a ser expressão da nação e, ao mesmo tempo, da humanidade contemporânea, tornando-se — de literatura sobretudo imitativa — original e fundando uma grande tradição. Além disso, Dante é o herdeiro dos esforços de sicilianos e de toscanos, para a criação de uma língua literária; e, levado pelo vigor do seu gênio para além das próprias doutrinas, põe termo às tentativas feitas para a constituição duma língua literária convencional, afirmando, com a autoridade da sua obra, o predomínio do florentino (toscano). Assim, ele fornece à Itália o instrumento maior da sua unificação ideal — que era, então, e nem podia deixar de ser, a unidade da sua cultura — iniciando a subida da literatura italiana ao nível de literatura européia, dominadora, dentro em breve, embora mais nova que todas, das suas coirmãs neolatinas ".

Dante, ainda pequeno, ficou órfão de pai, e sua mãe lhe deu um preceptor sábio, Brunetto Latini. Seguiu, provavelmente, "os cursos dos moços das boas famílias citadinas, estudando as artes do "trívio" e do "quadrívio", e, com certeza, conheceu a música e a pintura". (Trívio era, na Idade Média, a divisão inferior das artes liberais, a qual abrangia a gramática, a retórica e a dialética; e quadrívio o conjunto das quatro disciplinas matemáticas, que eram aritmética, geometria, música e astronomia — segundo a definição do "Novo Dicionário da Língua Portuguesa", de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira).

Quanto às notícias da juventude, podemos tirá-las do primeiro livro "Vita Nuova", onde conta o seu amor por Beatriz. O próprio poeta nos narra que, aos nove anos de idade (1274), conheceu Beatriz (1266-1290), então uma menina de oito anos, filha de Folco Portinari. Foi ela quem lhe inspirou os primeiros versos. Tão precoce amor tomou conta de seu destino, um amor platônico bem ao gosto da "escola do dolce stil nuovo".
Dante conta, ainda, que voltou a ver Beatriz quando ele tinha 18 anos e ela 17: "Recebeu de Beatriz a saudação, penhor de secreta correspondência de amor. A alma de Dante concentrou-se numa suave contemplação, em que' a jovem se lhe apresentava conforme o conceito do "doce estilo novo". Para se subtrair às indiscrições dos malévolos, o poeta fingiu interessar-se, não por Beatriz, mas por outras mulheres. Porém, o engano ultrapassou as próprias in-tenções de Dante, e Beatriz, desdenhosa, negou-lhe a saudação. Embora pesaroso, Dante não deixou por isso de amá-la e de alimentar no coração o sentimento de pureza e elevação que a imagem da donzela lhe suscitava". Estas expressões são de Mario Sansone, que continua: "Aconteceu que Dante adoeceu gravemente; o medo da morte iminente fez-lhe pressentir o falecimento de Bea-triz, e, no delírio, pareceu-lhe ver a sua alma subir ao céu, num coro de anjos, enquanto ele invocava o nome da amada, entre soluços. O presságio foi verdadeiro: pouco depois Beatriz faleceu e Dante consumiu a alma e os olhos numa dor que parecia não ter conforto e abranger a cidade e a natureza inteira".

Beatriz se casou com Simone dei Bardi e morreu com 24 anos.
Depois de 1290, já morta Beatriz, dedicou-se, o poeta, aos estudos de filosofia e da maior parte das Ciências do seu tempo. E, em 1295, iniciou sua carreira política e também de magistrado. Em 1300, chegou ao mais alto cargo da Comuna, o Priorado.

Dante se casou em 1292 (dois anos após a morte de Beatriz), com Gemma Donati, da qual teve três filhos: Pietro, Jacopo, Antonia (que, possivelmente, foi uma freira que tomou o nome de Soror Beatriz, em Ravena). A esses três filhos talvez se deva acrescentar um quarto, de nome Giovanni.

A partir de 1302, sua vida tornou-se muito dolorosa, em decorrência de acontecimentos políticos. Em 27 de janeiro, foi condenado a pagar uma multa de 5.000 florins pequenos, ao degredo por dois anos e à interdição perpétua dos cargos públicos, "sob a injusta acusação de corrupção e perturbação da paz". Não tendo para essa multa, nem se apresentado para se justificar, foi, por isso, as 10 de março, "de novo condenado, à revelia, a ser queimado vivo (a igne comburatur sic quod moriatur").
Começou aí o lamentável período do exílio. O poeta andou vagueando por toda parte, quase mendigando. Bartolomeo della Scala lhe ofereceu o primeiro amparo em Verona. Em 1306 era hóspede Malaspina. Em 1314, quando faleceu o papa Clemente V, escreveu aos cardeais, pedindo-lhes que escolhessem um papa italiano capaz de restituir a Roma a sede e a glória do Papado, que lhe pertenciam por vontade de Deus". Era o período do chamado cativeiro de Babilônia", quando, "abandonada Roma, os papas residiram em Avinhão, debaixo da tutela dos reis de França".

Em 1315, recusou-se a voltar a Florença (ou a Bolonha), por anistia, achando muito humilhantes as condições que lhe foram impostas., ainda mais sendo ele um inocente. Retomou a estrada tortuosa do exílio, passando, de novo, por Verona e outros lugares. Envelheceu precocemente, consumido pelas desilusões, pelas desventuras e pelos estudos. E, aos 56 anos, em 14 de setembro de 1321, quando regressava de uma viagem a Veneza, morreu o grande desterrado. Sepultado na igreja dos franciscanos, em Ravena, Dante desceu à cova, deixando, para a Itália e para o mundo, a imagem de uma extraordinária personalidade humana; a lembrança de um ser quase divino que sabia enfrentar com vigor os problemas da natureza, da ciência, da retórica, da lingüística e da poesia, e também os problemas da política, da religião, da filosofia e da moral; enfim, deixando a força misteriosa de um gênio talhado para vencer, triunfalmente, passo a passo, minuto a minuto, ao lado de outros excelsos luminares da Humanidade, o caminho estrelado, inexorável, eterno, dos séculos.

A "Vita Nuova" é um pequeno livro de 42 capítulos, em prosa e verso, dedicado ao amigo, poeta Guido Cavalcanti. Contém 24 sonetos. Dante narra seu amor por Beatriz, desde o primeiro dia em que a viu, até pouco depois da morte da musa. Nesse livro, há sonetos amorosos de alto nível, cheios de sua paixão ideal e quase mística. Foi composto, com certeza, entre 1292 e 1293; portanto, após o falecimento de Beatriz. Seu título significa "vida juvenil" ou "vida renovada", por efeito do amor por Beatriz. Apenas esta obra não foi escrita no exílio.

Ainda Sansone: "Ninguém sentiu como Dante, na sua sublime adolescência, a ascensão da alma para Deus, por intermédio de um prodígio feminino de beleza e de pureza. A natureza, quando aparece, não vive por si, das suas cores e da sua vida, mas é cenário luminoso dessa perfeita elevação do espírito. Por isso, justamente, a "Vita Nuova" foi comparada aos devocionários e às lendas sagradas medievais".

Transcrevemos palavras de Dom Francisco de Aquino Corrêa, retiradas de uma conferência que pronunciou em Cuiabá, em 24 de novembro de 1921, na comemoração, feita naquela cidade, do sexto centenário da morte do poeta:
"Dante não foi um santo, foi um poeta enamorado; mas procurou amar com elevação e, o que é mais, fez desse amor um aguilhão dourado para o próprio aperfeiçoamento". (....) "Em "Vita Nuova", nos conta a história desse amor ideal, que, comparada a outras congêneres, mais parece entretecida com os lírios brancos da alvorada e as violetas nostálgicas do sol-posto". (....) "Não é o amor que leva o paladino a torneios e batalhas sangrentas; é o amor que eleva o poeta, nas justas sublimes do espírito contra as paixões que o assaltam. É um amor que a própria Virgem Maria lhe envia do céu, para o salvar da brenha sombria do mundo".

Sobre o seu mais conhecido soneto, que logo adiante transcrevemos, numa versão de C. Tavares Bastos, o arcebispo-acadêmico-poeta diz o seguinte: "Relede-me o soneto mavioso, em que o poeta nos deixou o célebre retrato de Beatriz, naquelas mesmas páginas da "Vita Nuova", que foram, como sabeis, o cântico dos cânticos da sua alma de moço. Soletrai todos esses quatorze versos e não encontrareis aí uma palavra sequer, um adjetivo, um nada, que, nem de leve, se refira à formosura material do seu modelo. Mas é a gentileza, é a honestidade, é a brandura, é a humildade, é a complacência, é a bondade, é, numa palavra, a virtude de Beatriz, que o trovador celebra nessas estrofes impregnadas de suave poesia".

As "Rimas" formam poemas de Dante, sem ordem certa e sem indicação de datas, contendo líricas juvenis de amor e poesias que falam de suas paixões terrenas.

Publicou obras em latim, como "Il Convivio" ("O Banquete"), um tratado enciclopédico, político, que constaria de 15 livros, dos quais Dante só escreveu os primeiros quatro, obra apresentada como uma continuação da "Vita Nuova"; "De vulgari eloquentia", em que o poeta se propõe "procurar qual deva ser, na sua expressão mais alta, a língua literária da Itália"; "De Monarchia", tratado político, em três volumes, escrito entre 1312 e 1313, e que representa "o momento mais desenvolvido do seu pensamento político"; as "Epístolas", em número de 13; as "Éclogas", explicando a Giovanni del Virgilio, professor da Universidade de Bolonha, "as Razões por que escreveu a "Divina Comédia" em vulgar e por que recusou o convite de ir a Bolonha".

A obra-prima de Dante Alighieri é a "Divina Comédia", "um poema didático-alegórico, narrando a viagem imaginária do poeta durante sete dias, a partir do dia 8 de abril de 1300, ano do jubileu, através do Inferno, Purgatório e Paraíso". O poema está dividido em três partes: cada uma é composta por 33 cantos, em tercetos de versos decassílabos; e à primeira parte se junta um canto de introdução.

Semeada de episódios horríveis e alegres, é uma epopéia cristã, cujos personagens principais são Virgílio, Beatriz e o próprio Dante. O autor escolheu Virgílio para seu guia ao Inferno e ao Purgatório; porém, ao visitar o Paraíso, preferiu a companhia de Beatriz. Em 1313, foram publicadas as duas primeiras partes, e o "Paraíso" teve publicação póstuma, feita pelos filhos do poeta.

Dante deu, à obra, o nome de "COMÉDIA", mas Giovanni Bocaccio (1313-1375) chamou-a "DIVINA", epíteto que nunca mais perdeu. Esclareça-se, a propósito, que o novo e consagrado nome 'DIVINA COMÉDIA" apareceu, pela primeira vez, em 1555, numa edição impressa.

O espírito humano, poucas vezes, concebeu uma obra tão bela e tão significativa. É o poema de maior glória da humanidade. Escrevendo-o no dialeto popular (o toscano), Dante, com a "Divina Comédia", fundou propriamente a literatura italiana.

Mario Sansone escreveu, ainda, o seguinte, a respeito do imortal poema:

“Longe de conceber a "Comédia" como simples obra de poesia, como a entendemos nós, modernos, Dante quis, ao contrário, prestar um grande serviço aos seus contemporâneos, e sentiu-se, a pouco e pouco, investido de uma missão divina (o seu é o poema no qual "intervieram o céu e a terra"); a sua maior obra foi a própria missão de toda a sua vida. Depois do encantamento do amor por Beatriz, no decênio de 1293 a 1303, mais ou menos, Dante atravessou um período de crise, afastando-se da elevação espiritual em que vivera até então, para entrar no tumulto da vida política, dos ódios partidários e entregar-se a amores e formas de vida totalmente diferentes dos da sua mocidade e dos quais encontramos traços nas "Rimas".

Mais tarde, vergada ao peso do exílio, sua alma sentiu a necessidade de voltar à primitiva pureza. Dentro do poeta, "tomou forma, então, a concepção de uma obra que, exprimindo a sua elevação do pecado ao conforto religioso, marcasse o caminho da reconquista de Beatriz e a viagem da alma da obscuridade da terra à luz do céu".


Sobre a "Divina Comédia", não nos furtamos ao prazer de citar mais algumas palavras de Dom Aquino Corrêa: — "Tudo nela traz, efetivamente, o cunho genial da criação e da originalidade. Ao poeta foi mister criar tudo, até a própria língua. Ao tempo em que ele escrevia, o vernáculo italiano mal ensaiava ainda o vôo da vida, na crisálida informe dos seus múltiplos e grosseiros dialetos. Foi Dante quem lhe deu essas asas de borboleta, com todas as cores brilhantes do arco-íris, e com esse ritmo doce e musical. Naquele tempo, desde o céu da Provença até o mar da Sicília, onde cantaram sereias, palpitava, numa revoada harmoniosa de cotovias, o espírito jovial dos trovadores". (....) "Assim nasceu a "Divina Comédia", poema que não sabeis, ao certo, como chamar-lhe, se comédia ou tragédia, ou drama, ou epopéia, mas que é tudo isso e mais ainda; poema sagrado no qual, como bem diz o poeta, colaboraram o céu e a terra, isto é, a revelação e a razão, a fé e a ciência, os anjos e os homens, a luz dos intermúndios infinitos e a treva eterna da geena ". (....) "É o exilado singular que, perseguido na terra, refugiou-se no além e, feito andarilho estupendo do infinito, de lá nos trouxe, nas páginas de um poema, as credenciais da sua imortalidade. É o Colombo do além-mundo".


Século XIV


Francesco Petrarca (1304-1374). Imortalizado por uma grande obra poética, escrita em latim e no dialeto toscano, a fama de Petrarca, durante dois séculos, sobrepujou à de Dante. Vive e viverá sempre através de sua lírica, principalmente dos sonetos, dedicados a Laura de Noves.

O poeta nasceu em Arezzo (Toscana), a 20 de julho de 1304. Sua mãe foi Eletta Canigiani, com quem passou a meninice, no vale do Arno. Em 1311, o pai (Petracco) transferiu-se para Avinhão (França), em busca de uma situação melhor para a família. Fran-cesco estudou em Carpentras, próximo a Avinhão. A fim de estudar Direito, foi mandado para Montpellier e, depois, para Bolonha (Itália), de 1320 a 1326. Não terminou, porém, a carreira, preferindo dedicar-se aos estudos literários. Ao voltar para Avinhão, em 1326, "tomou as ordenações menores", entregando-se à literatura dos clássicos latinos.

Em 6 de abril de 1327, uma sexta-feira da Paixão, na Igreja de Santa Clara, em Avinhão, viu, pela primeira vez, Laura de Noves, aristocrata provençal nascida em 1308, filha de Audiberto de Noves, e casada com Hugues de Sade, em 1325. Laura, que morreu em 1348, no mesmo dia em que completava 40 anos, deixando onze filhos, foi a inspiradora da poesia de Petrarca, um amor platônico que ele cultivou para sempre.

O poeta, em 1333, viajou pela França, Flandres e Alemanha, sem qualquer objetivo, apenas para ver coisas novas, prova de seu espírito irrequieto. Em 1337, visitou Roma; voltou a Avinhão; e depois se retirou para Vaucluse.

No mesmo dia, 19 de setembro de 1340, recebeu dois convites para ser coroado Poeta: um da Universidade de Paris, e outro do Senado de Roma. Escolheu Roma e, depois de responder, durante três dias, em Nápoles, a um interrogatório do rei Roberto de Anjou, foi julgado digno da grande honra e coroado Poeta, no Capitólio, pelo Senador de Roma, Orso dell'Anguillara.

Regressou à França e, em Selvapiana, perto de Parma, concluiu, em 1342, o seu poema "África", que já havia adiantado em Vaucluse. No período de 1342 a 1353, quando viveu em Avinhão e Vaucluse, viajou à Itália duas vezes, uma delas como embaixador do papa Clemente VI. Aliás, a exemplo de Dante, preconizou a volta do papado, de Avinhão para Roma.

Em 1353, cinco anos após a morte de Laura, deixou a França, definitivamente. Foi para Milão, a chamado do Cardeal Giovanni Visconti, servindo inúmeras vezes como embaixador, em incumbên-cias junto a diversos príncipes. Papas, cardeais e príncipes prestigiaram o poeta, já admirado em todos os países europeus. E, nesse período, até 1361, pôde terminar muitas obras que iniciara no retiro de Vaucluse. Em 1361, esteve em Pádua e, em 1362, em Veneza. Viveu os últimos anos entre Pádua e Arquà, sendo esta sua morada preferida, de 1370 até a morte, em 19 de julho de 1374. Morreu em sua mesa de trabalho, repetimos, com a fronte caída sobre um manuscrito latino que estava lendo.

Petrarca deixou dois filhos: Giovanni (1337), que lhe deu desgostos; e Francesca (1343), segundo Mario Sansone e também Jamil Almansur Haddad, ou Tullia, segundo Marques da Cruz. Este historiador acrescenta: a filha de Petrarca se casou com o milanês Francesco de Brossano, que "extorquiu o poeta, como um de seus testamenteiros". E Sansone nos conta que "Petrarca, ao morrer, vivia com a "filha natural" Francesca, seu marido Franceschino de Brossano e uma neta".

Laura morreu 21 anos depois que Petrarca a viu pela vez primeira. E o poeta sobreviveu a Laura 26 anos. Os imortais sonetos "à la Vita" e "à la Morte de Madonna Laura", quase todos compostos na França (Vaucluse), segundo G. M. Gatti ("Littérature Italianne"), formam um verdadeiro relicário de belezas peregrinas.

A poesia de Petrarca desabrochou na Itália e se estendeu aos países ocidentais, com o enlevo e a força de um destino maravilhoso. Seus sonetos podem ser considerados o ponto alto da literatura sentimental de todos os tempos. Divinizando a mulher amada, conseguiu a mais esplêndida vitória da imaginação lírica. Os poemas que escreveu, principalmente os sonetos, formam um autêntico roseiral de ternura, êxtase, amor.

Sua musa foi o objeto de um amor casto, cuja história haverá de atravessar os séculos. Aquele encontro casual, na Igreja de Santa Clara, provocou, no coração do poeta, um incêndio de paixão para toda a vida, uma chama de esplendor para cada poema. Não a esqueceu jamais e, mesmo depois de morta, era o motivo único de sua inspiração. Laura foi como que a deusa de uma  religião, a religião melancólica de um amor sem esperança. Nesse piedoso culto, seus poemas foram o missal bendito a que o poeta acrescentava, cada dia, a oração de um soneto ou o salmo de um verso.
No templo de tal religião, Laura era uma imagem beatífica e impassível, e o poeta um devoto tímido que se julgava indigno de adorá-la. Petrarca emudecia, perturbava-se na sua presença; mas se abrasava sofrendo, cantava chorando, quando ela estava ausente.
A presença de Laura — uma aurora para o poeta — era escassa e quase indiferente. Sua ausência — um ocaso de tormentos — era constante e quase alucinadora.
Nenhum desejo sensual ou arrebatamento obsceno. Muito e muito amor transbordante de alegria e desalento. O amor platônico de Petrarca era uma ilha espiritual batida pelas ondas encapeladas do mar dissoluto e erótico de sua época.

Quando se fala em soneto, vem logo à recordação o nome de Petrarca. O poeta espanhol Fernando de Herrera, contemporâneo de Camões, assim se referiu à vitalidade que Petrarca imprimiu ao soneto:

— "Devemos a Francesco Petrarca o lustre e a elegância dos sonetos, porque foi ele o primeiro que os lavrou bem e os levantou ao mais alto cimo da formosura e da perfeição da poesia, adquirindo naquele gênero, e principalmente no amatório, fama tão gloriosa que em espírito, pureza, doçura e graça é considerado o primeiro e último dos nobres poetas, e, sem dúvida, se não sobrepujou, igualou os escritos mais ilustres gregos e latinos".

Jamil Almansur Haddad confirma isto, assim, em "O Cancioneiro de Petrarca":
"Jamais tivemos como no Cancioneiro, o quadro de uma alma tão poderosa e inexoravelmente possuída pelo amor. O poeta vive pelo amor e para o amor; faz dele o alvo de todas as suas aspirações". (....) "O amor é o sonho, o estímulo, a esperança e o alento, a alegria e o triunfo. Mas é também a aflição e a mágoa, o desespero e a angústia, a loucura, o tédio, a morte... as palavras balbuciadas sem saber, o pranto que em silêncio e na solidão lhe umedece as faces. Enquanto Laura vivia (....) era mulher e santa; mulher pela perfeição de seus dotes físicos: olhos divinamente verdes, cabelos divinamente louros, talhe divinamente esbelto; santa pelo esplendor das qualidades do espírito: a virtude incorruptível, (....) visão de maravilha e beatitude, alameda cortada em direção do céu. E à morte de Laura, lastima-se e desespera-se...".

Laura morreu, deixando "para Petrarca um tormento enorme e para o mundo a lembrança de um dos mais luminosos idílios terrestres e a posse de um dos mais límpidos tesouros da lírica universal".


Giovanni Bocaccio (1313-1375), nascido em Paris, um semi-francês, deixou inúmeras obras em vulgar e em latim, mas a única que não está esquecida é o "Decameron" (1350-1353), coletânea de cem contos, uma das obras-primas da literatura italiana. Malicioso. sensual, imoral, conta-se que Bocaccio, arrependido da licenciosidade de seus escritos, tentou queimá-los, sendo obstado por Petrarca, seu amigo dileto.

Foi, também, poeta inspirado. Amou a princesa Maria, filha natural do rei Roberto de Anjou. Chamava-a "Fiammetta", tendo escrito, em 1343, o romance em prosa "Elegia de Madonna Fiammetta". Ela, porém, depois de haver correspondido à paixão do poeta, trocou-o por outros amores.

Segundo Mario Sansone, "morreu em pobreza triste, mas nobremente suportada, o mais sorridente e cordial cantor da vida que possui a literatura italiana".


Século XV


Renascimento ou Renascença, foi um movimento nascido para reviver a cultura clássica greco-latina, que a Idade Média esqueceu.

Após a tomada de Constantinopla pelos turcos, no ano de 1453, muitos eruditos emigraram para a Itália, onde, conseqüentemente, passaram a ser cultivadas, com ardente entusiasmo, a pureza filológica, a história, a filosofia, a arte, a poesia. E a difusão dos manuscritos antigos foi facilitada pela invenção da imprensa, ocorrida no princípio do século XIV, e mais tarde aperfeiçoada por Gutenberg (Johannes Gensfleisch), impressor alemão (Mogúncia, 1397-1468), considerado "o pai da arte tipográfica mecânica".

Veio o Grupo Toscano, liderado por Lorenzo de Medici, "o Magnífico" (1449-1492), lírico admirável que deu grande impulso à renovação da poesia em vulgar. Pai do Papa Leão X (Giovanni de Medici). Protetor das artes e das letras. Muito bom sonetista.

A esse Grupo pertenceu, também, Luigi Pulci (1432-1484), excepcional poeta humorístico e grande mestre do verso. Sua obra-prima é "Morgante", poema em 28 cantos.

Houve, ainda, o Grupo Napolitano, cujo maior poeta foi Jacopo Sannazaro (1456-1530). Escreveu o "Cancioneiro” petrarquesco, inspirado por Carmosina Bonifácio e Cassandra Marchese; mas sua melhor obra, que alcançou sucesso em toda a Europa, é a  "Arcádia" (1502-1504), em prosa e verso, 12 capítulos, com a qual criou o gênero pastoril. Suas éclogas e sonetos são notáveis.


Século XVI


No século XVI, a poesia atingiu um grau quase de perfeição. A obra-prima dessa época foi o poema Orlando Furioso", de Ludovico Ariosto (1474-1533), composto de 46 cantos em oitavas, fruto de 30 anos de trabalho. É inspirado nas lutas entre cristãos e sarracenos, e considerado um poema perfeito. À última edição publicada por ele, em 1532, dedicou cuidados especiais em relação à língua.
Viveu, feliz, ao lado de Alessandra Benucci, com quem se casara secretamente, talvez em 1515. Foi bom sonetista.

Maquiavel (Niccoló Machiavelli) (1469-1527) historiador, comediógrafo e político. Secretário e embaixador da república de Florença (1498). Como poeta, escreveu duas comédias de grande licenciosidade. "Mandrágora" é a mais conhecida. Mas, sua principal obra (1513) é o tratado "O Príncipe", onde fixou a "análise realística de uma sociedade política", e onde "conta o que um chefe de estado deve realmente fazer para subsistir".

Em Maquiavel não existe o problema moral. Apenas "descreve o que sempre fazem os dirigentes políticos sem confessá-lo".
Nessa obra, defende o aforismo: "os fins justificam os meios".
A palavra "maquiavelismo" passou a significar, em todas as línguas, política habilmente inescrupulosa, velhacaria, astúcia e crueldade. Maquiavel, porém, "não mandou que fosse assim — honestamente verificou que era assim"...

Não se destacou, apenas, como um pensador, mas, também, como um artista. Compôs cantos carnavalescos, relatos históricos em versos e escreveu, inclusive, sonetos.


*

Foram notáveis as manifestações literárias do século XVI, realizando-se, assim, a conquista da RENASCENÇA, quando as letras italianas reviveram a era clássica. Basta lembrarmos os poetas líricos de inspiração petrarquista, da época: Pietro Bembo, Miguel Ângelo Buonarroti, Giovanni della Casa, Anibal Caro, Vittoria Colonna, Pietro Aretino, Torquato Tasso.


Pietro Bembo (1470-1547), Cardeal e latinista eminente, secretário do Papa Leão X (1513). Reformador do gênero lírico, voltou à pura imitação de Petrarca e às formas tradicionais do soneto, do madrigal e da canção. Para ele, o dialeto devia chegar a uma perfeição semelhante à da língua latina. Era considerado príncipe da prosa e do verso.


Miguel Ângelo (Michelangelo Buonarroti) (1475-1564) um dos maiores artistas de todos os tempos, nos terrenos da pintura, da escultura e da arquitetura, e ninguém o igualou na cidade das concepções. Mas, também, literariamente se destacou, sendo um dos grandes poetas da Itália.

Produziu belos sonetos inspirados pela angústia religiosa e pelo amor. E aos sessenta anos de idade, ainda e sempre apaixonado por Vittoria Colonna, "a divina", escreveu na ardência do seu amor platônico, os mais inspirados sonetos líricos da época.
A musa que ele imortalizou e que também escrevia sonetos, transformou-o de escultor em poeta.


Vittoria Colonna — marquesa de Pescara (1492-1547), filha de Fabrízio, condestável do reino de Nápoles. Poetisa excelente e inteligência marcante do século XVI. Em 1509, casou-se com Fernando d'Avalos, marquês de Pescara, morto em combate, em 1525. Era uma apaixonada do marido, cuja morte chorou em poemas considerados admiráveis. Tem um lugar de destaque no quadro da poesia feminina da Itália. Grande amiga de Miguel Ângelo, mas as relações, entre ambos, não ultrapassaram as raias do amor platônico. Ela definiu assim os seus contatos com o grande artista: "amizade estável e firmíssimo afeto". Escreveu 352 sonetos.


Pietro Aretino (1492-1557) compôs sonetos, embora mais festejado como autor das "Cartas" (6 vols.) e dos "Diálogos", repletos de licenciosidades. De Veneza, dominou príncipes, fidalgos, imperadores, cardeais e papas, que precisavam comprar, com ouro, o seu silêncio.

Além de livros de prosa satírica, escreveu "Sonnetti lussuriosi" ("Sonetos voluptuosos"), com 16 produções licenciosas (1525), compostos para os desenhos pornográficos de Giulio Romano.
Seu cinismo e seu talento fizeram com que fosse chamado, ora "o infame", ora o "Flagelo dos Príncipes", ora "o divino Aretino".


Giovanni Della Casa (1503-1556). Seus sonetos são originais, porque, contrariando o costume da época, fugiu à influência de Petrarca.


Torquato Tasso (1544-1595) é a "última voz poética da Renascença italiana" e um dos grandes poetas da Itália e da Europa. Aos 18 anos (1562), ainda estudante, escreveu o famoso poema épico "Rinaldo".


Sua obra principal, concluída em 1575, é a epopéia romanesca "Jerusalém Libertada" (1580), em vinte cantos, oitava rima, celebrando a conquista do Santo Sepulcro pelos cristãos comandados por Godofredo de Bulhão. O poema narra fatos ocorridos em 1099, quando do cerco da cidade santa.

Tasso viveu na corte do duque de Ferrara, Afonso II d'Este, onde passou os anos mais venturosos de sua vida.
Críticas levantadas contra a "Jerusalém Libertada" abalaram suas suscetibilidades artísticas e religiosas. Começou, então, a sentir sintomas de desequilíbrio mental, agravado até à loucura. Afonso II mandou recolhê-lo ao Asilo Sant'Ana, em Ferrara, detenção que durou sete anos, durante os quais o poeta gozou períodos de perfeita lucidez, escrevendo, então, trabalhos literários. Solto, porém não de todo restabelecido, levou vida errante, não tendo mais descanso seu espírito atormentado. Morreu no convento Santo Onofre,  em Roma.

Ainda conseguiu refazer seu poema, dando-lhe o título de "Jerusalém Conquistada", mas essa versão (1593) está hoje esquecida. Há uma lenda, aceita por Goethe, segundo a qual a reclusão de Tasso teria sido castigo à sua paixão por uma das irmãs de Afonso II: Leonor, ou Lucrécia. Há, também, quem a atribua a motivos políticos.

Clemente VIII resolveu que ele fosse distinguido com a coroa de Poeta, no Capitólio, a exemplo do que havia acontecido com Petrarca, mas o poeta morreu antes que a solenidade tivesse lugar.

Suas poesias líricas, sob o título de "Rime", datam de 1592-1593. Não obstante, a obra de mais puro lirismo, ele já a havia escrito em 1573: a comédia pastoril "Aminta".

Na opinião de Péricles Eugênio da Silva Ramos, Torquato Tasso transfundiu no soneto, classicamente, "a suavidade de Virgílio e a elegância requintada de Horácio".


Século XVII


O século XVII marcou, na literatura italiana, a época do Barroco, uma renovação que se propunha contrariar a "Retórica" de Aristóteles. Seria a nova arte poética. Foi muito menos brilhante que o século anterior, mas, ainda assim, salvaram-se, e bem, Marino e Campanella.


Giambattista Marino (1569-1625), "corifeu dos poetas seiscentistas”,  teve uma vida acidentada. Em 1600, foi obrigado a fugir sua terra natal, Nápoles, onde estava preso, pela segunda vez, devido à sua vida libertária. Refugiou-se em Roma, sob a proteção do cardeal Pietro Aldobrandini. De 1608 a 1615, viveu em Turim, na corte de Carlo Emanuele I, protetor dos artistas e literatos. Ali publicou seu primeiro livro "Murtoleida" , com sonetos mordazes e satíricos dirigidos ao poeta genovês Gaspare Murtola, que atentou contra sua vida e que, como ele, foi secretário do duque.

Seguiu para a França, sendo ali recebido com entusiasmo, gozando dos favores da corte, e "proclamado príncipe dos poetas do seu tempo". Em 1623, publicou "Adonis", poema de 20 cantos, 42 mil versos em décimas rimadas, de estilo preciosista, mas de versificação melodiosa, sobre os amores de Vênus e Adonis, inspirando-se em Ovídio. Em 1624, voltou a Nápoles, recepcionado triunfalmente, e lá morreu no ano seguinte.

Marino, adepto do Barroco, que na Itália se chamava "marinismo", publicou, também, apreciável livro de poesias líricas, "A lira", cujos poemas, principalmente sonetos de fundo bucólico, são, realmente, dignos de louvor.


Tommaso Campanella (1568-1639). Preso em 1598, foi salvo face a uma loucura simulada; porém, não obstante pertencer à ordem dominicana, amargou vinte e sete anos de prisão, em Nápoles, de 1599 a 1626, por ter conspirado contra o domínio espanhol. Nessa altura, para evitar novas perseguições, Campanella se refugiou em Paris, lá morrendo treze anos depois.

Nas prisões, escreveu suas principais obras, inclusive políticas, sendo precursor de teorias modernas.

Sobre sua atuação poética, diz-nos a Delta Larousse: "Foram posteriormente publicadas suas   "Poesie", escritas nos cárceres, entre as quais há alguns dos mais belos sonetos em língua italiana, caracterizados pela inspiração filosófica".


Século XVIII


O século XVIII foi mais promissor. A nova cultura italiana, que surgiu como reação à literatura do século XVII, ficou assinalada por um fato de grande importância: o lançamento definitivo do Arcadismo, ou Academia dos "Árcades", que havia sido fundada, oficialmente, nos estertores dos anos 1600. Uma forte reação contra o "marinismo".

Um grupo de literatos se reunia com a ex-rainha Cristina, que renunciara ao trono da Suécia e se instalara em Roma, "tornando-se protetora faustosa de artistas, e ali morrera em 1689", segundo Mario Sansone.
Morta Cristina, os literatos deram continuidade às reuniões e fundaram em 1690, oficialmente, a imortal Arcádia Romana".
Para chefe da Academia, com o título pastoral de "custódio geral", foi escolhido Giammario Crescimbeni, de Macerata (1663-1728), que se conservou no cargo até morrer. O protetor da Arcádia, "Grão Pastor dos Pastores", foi o Menino Jesus, "que nascera num estábulo, entre os pastores". As suas leis "foram ditadas, no latim das doze tábuas", por um dos fundadores, o calabrês Gianvincenzo Gravina, de Reggiano (1664-1718).

Os literatos mudavam os seus nomes próprios, a fim de se darem "um sentido grego e pastoral": Crescimbeni, por exemplo, era "Alfisbeo Cario"; Gravina era "Opico Erimanteo"; com o nome de "Pastor Albano", foi acolhido o Rei de Portugal D. João V, "que financiou a construção do Palácio do Bosque Parrásio, no Janiculo". Os primeiros 30 anos da Arcádia estabeleceram um entusiasmado regresso ao petrarquismo. O soneto e a canção eram as únicas formas poéticas adotadas.

Mas, Metastásio (Pietro Antonio Domenico Trapassi), romano (1698-1782), foi "o verdadeiro poeta da Arcádia". Escreveu peças teatrais, árias, epitalâmios, cantatas, óperas sagradas; além de 26 melodramas, muitos dos quais serviram de libretos para os compositores. Também, bom sonetista. Poetou durante 50 anos na corte de Viena, onde morreu. Aos dez anos de idade, talento precoce, fora adotado por Gravina, que se incumbiu da sua instrução.


*


Carlo Goldoni (1707-1793), dramaturgo, propôs-se a restituir ao teatro cômico a sua dignidade, apesar de haver, antes, escrito para o gênero chamado "commedia dell'arte". Os costumes de seu tempo foram objeto das peças. Introduziu, na Itália, o estilo que dominava a comédia burguesa de Molière. Em 1762, passou a residir em Paris, onde, trinta anos depois, veio a morrer em estado de pobreza extrema, porque fora cortada pela Revolução uma pensão que recebia.

Sobressaíram-se, também, no século XVIII, Giuseppe Parini (1729-1799), notável na história da poesia clássica e na história da cultura italiana; e Vittorio Alfieri (Conde) — (1749-1803), apresentando indícios da mentalidade moderna e exercendo, inclusive, grande influência no movimento político que, no século XIX, promoveu a unificação nacional. Sua poesia pertence ao pré-romantismo. Escreveu sonetos, que foram reunidos num livro, sob o título "Rime".

  

Século XIX


O Romantismo é o fenômeno dominante da história do século XIX.

Vincenzo Monti (1754-1828), já aos 21 anos entrou para a Arcádia. Renovador de todos os gêneros literários de seu tempo, foi poeta oficial da corte do Papa e da aristocracia. Imaginação rica, de cores e ritmos inspirados. Considerado mestre do neoclassicismo poético italiano. Sua obra-prima, entretanto, é a tradução da “Ilíada".

Ugo Fóscolo (1778-1827), clássico na forma, implantador do Romantismo na Itália, ensinou aos italianos o culto religioso da pátria, influindo, também, no ressurgimento nacional.

Fóscolo escreveu odes, elegias, tragédias, romances. Sua obra mais importante, neste último gênero, intitula-se "Últimas cartas de Jacopo Ortis" (1802), romance epistolar de fundo autobiográfico. De todas, porém, a mais perfeita é, segundo os críticos, o poema clássico "As três Graças".

Destacou-se, ainda, como exímio sonetista, pois escreveu sonetos apontados entre os mais belos da língua. Em 1799, publicou os "Sonetos", 12 ao todo. Mesmo nos sonetos amorosos nota-se a inspiração elegíaca, figurando três deles entre as melhores composições de toda a lírica italiana: "A Zante", "Pela morte do irmão" e "À tarde". Nas elegias "Pela morte de Amarite" e "As recordações" aparecem quatro sonetos de doloroso amor, escritos “pela morte do pai".

Sílvio Pélico (1789-1854), dramaturgo, romancista e poeta. Autor de "Francesca da Rimini", tragédia romântica.


Alessandro Manzoni, (1785-1873) concorreu enormemente para a vitória das idéias modernas. Romancista, autor trágico, historiador, poeta lírico. Autor de "Os noivos", um dos maiores e mais conhecidos romances históricos da literatura universal. Também foi sonetista.


Giacomo Leopardi (1798-1837), um dos maiores poetas da Itália, em todos os tempos. Clássico, pela pureza e sobriedade de expressão. Romântico, pelo lirismo pessoal. Sua poesia foi classificada por Carducci como "a poesia mais viril do século".

Leopardi, aos 18 anos de idade, já era um erudito, mas seus estudos, como autodidata "educado na solidão da biblioteca paterna”, deixaram-lhe a saúde abalada para o resto da vida. Além disso, para sua maior desventura, tornou-se corcunda e semicego. Morreu tuberculoso.

Sua produção poética está, quase toda, em "Cantos", escrita entre 1818 e 1837; e reeditada em 1937, pela Tipografia Editrici F. Bideri, de Nápoles, com o nome de "Poesie".
Contém 41 poemas de assuntos variados, inclusive românticos. E traz, entre eles, cinco sonetos "In persona di ser Pecora Fiorentino Beccaio" (1817), com estrambotes. Como curiosidade, registramos que todos têm as mesmas rimas repetidas nos quartetos, nos tercetos e nos estrambotes. Assim: — Nos dois quartetos, as terminações: azza, ella, ella, azza; nos dois tercetos: ata, ale, accia; e nos estrambotes: accia, one, one.


Giuseppe Giusti (1809-1850), florentino. Seu mais famoso poema é "Sant'Ambrogio". Como poeta satírico, colocou-se a serviço da causa da unificação da Itália. Sonetista de excelentes qualidades.

Antes de chegarmos a Giosuè Carducci, queremos registrar, aqui, os nomes de alguns grandes poetas que, mais ou menos pela mesma época, brilharam com relativa intensidade.

Giuseppe Gioacchino Belli (1791-1863), autor de mais de dois mil sonetos, impecavelmente clássicos, obra que constitui, segundo Mario Sansone, "uma sátira bondosa, embora triste, duma sociedade decrépita, baseada no privilégio e na injustiça"; Giovanni Prati (1814-1884), versejador fecundo, poeta romântico, cantor do sentimento, autor de inúmeros sonetos dedicados ao culto da beleza formal; Aleardo Aleardi (1812-1878), poeta que compartilhou com Prati a simpatia dos jovens e das mulheres; Giacomo Zanella (1820-1888), sacerdote e poeta imbuído de espiritualismo religioso, dedicado, na velhice, à poesia lírica e, também, de inspiração moral e científica.

Não nos podemos esquecer de Edmondo De Amicis (1846-1908), cujo romance destinado aos jovens, "Cuore" ("Coração"), e publicado em 1884, deu-lhe uma popularidade universal. É autor de um interessante soneto, "O garoto à mesa", que transcrevemos mais adiante.


Século XX


Giosué Carducci (1835-1907), poeta e crítico, professor de literatura, que lutou com todas as suas forças para reconduzir à tradição clássica a poesia italiana.
A força de sua poesia reside mais no lirismo social que no lirismo amoroso ou metafísico.

Foi o último grande representante do Ressurgimento italiano, exercendo larga influência sobre o mundo intelectual de sua pátria. Enquanto outros procuravam experiências intelectuais européias, Carducci se mantinha fiel à tradição do país. Seu gosto pelo classicismo tornou-o "hostil ao Romantismo monarquista e cristão, e adepto de um republicanismo ateu", mas nunca se afastou do espírito romântico. O que ele queria cultivar era o seu mundo clássico, principalmente helênico, "repleto de felicidade serena e de juventude harmoniosa". Perfeito na forma e em profundidade.

Prêmio Nobel de Literatura, em 1906.

Sua produção lírica está recolhida em seis livros. Suas expressões traduzem, com efeitos plásticos, o sentimento que adorna a alma do poeta. Foi excelente sonetista.


Lorenzo Stecchetti, pseudônimo de Olindo Guerrini (1845-1916), extraordinário poeta. Sonetista dos mais notáveis da língua italiana. Publicou, em 1877, um livro de versos sob o título "Póstuma”, que o tornou famoso. Poesia impregnada de amargura e ironia, à maneira de Heine. Traduzido para as principais línguas do  mundo.

No prefácio de "Póstuma", lembra J. G. de Araújo Jorge, o poeta "informava que os originais lhe tinham sido confiados por um jovem poeta que morreu tuberculoso, e que lhe pediu para publicá-los". E conclui J. G.: — "A beleza lírica dos poemas e a história fantástica suscitaram debates que consagraram e popularizaram definitivamente seu nome".


Giovanni Pascoli (1855-1912) foi o poeta do campo, da vida dura e simples do campo, poeta da paisagem e da vida familiar, “sempre vistas através das recordações da infância". Também foi um festejado poeta latino, "premiado nas competições internacionais de Amsterdão".

Salvatore Di Giacomo (1860-1934), poeta que pintava alegres cenas populares, usando, exclusivamente, o dialeto de Nápoles.

Cesare Pascarella (1858-1940), autor de bons sonetos. "Sonetti" (1904).

Gabriele D'Annunzio (1863-1938), a princípio sofreu influências de Carducci e de Baudelaire. Poeta, dramaturgo, romancista. Perfeito dominador da língua. Não obstante aqueles conhecidos matizes de seu "charlatanismo" industrioso e hábil, D'Annunzio, com a obra que escreveu, invadiu a Europa e o resto do mundo, empolgando a todos. Os romances têm páginas admiráveis, sendo "O fogo" o mais conhecido e divulgado.


Lírica cheia de eloqüência, beirando a verbosidade. Forma esplendorosa, riqueza de musicalidade, sensualismo, luxo de imagens. Poesia de alto valor, que compreende os quatro livros das "Laudas do Céu, do Mar, da Terra e dos Heróis" (1903 a 1912).
Excelente sonetista.

D'Annunzio era chamado o "poeta-soldado", por ter participado da I Grande Guerra, durante a qual perdeu a vista direita. Foi o mais popular dentre os escritores e poetas italianos, no início do século XX.


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A poesia do século XX, na Itália, passou por transformações diversas. Houve uma poesia lírica, algo pessimista, chamada "crepuscular", cujos poetas, sem renovação de formas, cantavam, debilmente, "o pequeno mundo dos valores quotidianos, tradicionais e oitocentistas".

Principais poetas desse grupo:

Sérgio Corazzini (1887-1907), o poeta mais melancólico da literatura italiana, talvez pressentindo o seu fim prematuro, pois morreu tuberculoso aos 20 anos de idade; e Marino Moretti (1883-1915), que descreveu, com ironia e emoção, os ambientes provincianos.


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Veio o Futurismo (1909), cujo fundador foi Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944), que, como registra Mario Sansone, "anunciou, juntamente com uma poética nova, uma, moderna concepção da vida, proclamando-se reformador da poesia, da moral, da política e do ambiente social. Exaltou a força, a civilização mecânica, a guerra, o nacionalismo e o espírito de conquista, desprezando a contemplação, o peso da tradição e a lógica abstrata". Considerado precursor do fascismo, ao qual aderiu, depois.


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A mais nova experiência surgida na Itália foi o "hermetismo", poesia de origem francesa, com precedentes históricos vinculados ao simbolismo de Mallarmé, Verlaine e Rimbaud. Quanto ao grupo que o formava, pelo menos parte dele, escondia seu pensamento antifascista, utilizando metáforas e símbolos só entendidos pelos iniciados.

Fornecemos, a seguir, urna pequena relação desses poetas, alguns ligados às formas tradicionais e alguns ainda presos ao grupo dos poetas chamados "crepusculares":

Angelo Orvieto (1869); Francesco Chiesa (1871); Francesco Gaeta (1879-1927), com duas coletâneas de sonetos; Ada Negri (1870-1944) também sonetista; Ugo Setti (1892-1953); Angelo Sílvio Novaro (1896-1938); Eugenio Montale (1896), o maior poeta do "hermetismo" italiano; Salvatore Quasimodo (1901-1968), que também guardou amor à Antiguidade grega; Alfonso Gatto (1909), que ultimamente se exprimia de maneira melodiosa e simples; Giuseppe Ungaretti (1888-1970), que reagiu contra a influência dominante de D'Annunzio e que esteve no Brasil, de 1937 a 1943, lecionando literatura italiana na Universidade de São Paulo.



O culto do soneto na Itália

O soneto nasceu na Itália, precisamente na Sicília, de acordo com as conclusões mais dignas de crédito, mais dignas de fé, a que chegou a maioria dos grandes estudiosos do assunto. Nem haveria pátria mais merecedora de ser o berço dessa belíssima forma de expressão da poesia.

Acrescente-se que foi Petrarca, também um italiano, quem consagrou o soneto, não só universalizando-o, como fazendo dele o maior mensageiro do sentimento, no mundo inteiro.

O soneto “petrarquiano”, apesar de todas as vicissitudes que lhe foram antepostas, tem resistido aos embates do tempo. E, ainda hoje, revive seus dias gloriosos, não cedendo a palma a nenhuma outra forma de poesia, e impondo-se a todas as escolas literárias, principalmente àquelas que surgiram com a finalidade intencional de derrubá-lo  de seu pedestal de ouro.

Dante também cultivou o soneto, na época de Petrarca. Foram esses dois grandes poetas os iniciadores reais e positivos do perene culto ao soneto.
E os italianos, de sua parte, foram sempre fiéis a esse culto, pois que, dentre eles, apareceram, em todas as épocas, excelentes sonetistas.

Sobre os alicerces tão bem plantados na Sicília, foi erguido um monumento de arte que deverá suster-se de pé, ereto e varonil, através dos séculos.


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Oferecemos, a seguir, uma pequena coletânea de sonetos escritos por poetas italianos das diversas épocas:


GUIDO CAVALCANTI (1255-1300)
 "A Giovana"
(Trad. de Martins Napoleão)

Se eu peço a esta mulher que piedade
não seja avessa ao coração gentil,
dizes que sou desconhecido e vil,
desesperado e cheio de vaidade.

De onde te vem tão nova crueldade,
se a quem te vê não mostras ser hostil,
mas sensata e cortês, sábia e sutil,
e feita a modo de suavidade?

Minh'alma tímida e dolente chora
nos suspiros que estão no peito e, assim,
embebidos de lágrimas, vêm fora.

Parece então que um vulto de mulher
pensativa se curva dentro em mim
só para ver meu coração morrer.



CECCO ANGIOLIERE (1260-1312)
 (Trad. de Jorge de Sena)

Se eu fosse fogo, incendiava o mundo.
Se eu fosse vento, desfazê-lo-ia.
E se fosse água, eu inundá-lo-ia.
Se eu fosse Deus, o dava ao demo imundo.

Se fosse Papa, ó que prazer jucundo,
a toda a Cristandade intrujaria.
Se fosse Imperador... o que eu faria?
Decapitava de um só golpe o mundo.

Fosse Morte, meu pai eu atacava.
Se Vida fosse, dele fugiria
e à minha mãe também eu escapava.

Se fosse Cecco, como sou e seria,
as fêmeas boas para mim tomava,
velhas, feias... aos mais eu deixaria.



DANTE ALIGHIERI (1265-1321)
“Em louvor de Beatriz”
(Soneto XV de "La Vita Nuova")
(Versão de C. Tavares Bastos)

Tão gentil e sinuosa se apresenta
a minha amada, quando a alguém saúda,
que toda língua treme e fica muda,
nem mesmo ousado olhar fixá-la tenta.

Sentindo-se louvada, ela se escuda
na humildade, às lisonjas desatenta;
dom do céu, é um milagre que se ostenta
sobre a face da terra triste e ruda.

Agrada tanto a quem a vê e tanta
doçura infunde o seu olhar de Santa,
que não o crera quem o não sentira;

e dos seus lábios emanar parece
suave fluido de amor que a alma enternece,
qual meiga voz a murmurar: Suspira!



FRANCESCO PETRARCA (1304-1374)
"Em vida de Laura" — O poeta "narra o estado em que se encontra, atribuindo-o a Laura".
(Trad. de Luiz Delfino)

Paz não tenho, sem ter motivo à guerra:
temo, espero, ardo em fogo, e sou de gelo,
quero subir ao céu e caio em terra,
nada abraço, e o universo ando a contê-lo.

Preso, a prisão não se abre, e não se cerra:
 prendem-me o coração, mas sem prendê-lo,
não me dá vida ou morte, Amor, e erra
minha alma sob o enorme pesadelo.

Odeio-me a mim mesmo, alguém amando,
grito sem boca ter, sem olhos vejo,
quero morrer, e a morte me apavora.

A dor me apraz, e rio-me, chorando:
não quero a morte, a vida não desejo...
Eis o estado em que estou por vós, Senhora.




FRANCESCO PETRARCA (1304-1374) "Na morte de Laura" — O poeta, "privado de Laura, não mais fará cantos de amor".
(Trad. de Luiz Delfino)

Seus olhos que eu cantei ardentemente,
rosto, pés, braços, mãos, já não diviso:
de mim mesmo arrancaram-me, e o juízo,
para os ter, eu fugia à toda gente.

A crespa coma de ouro reluzente,
o lampejar do angélico sorriso
que fazia da terra um paraíso,
não têm mais vida agora, é pó somente.

 E vivo? E calmo, tudo em torno eu olho?
Não tenho mais a luz que amava tanto,
 sou como nau lançada em rude escolho.

Morra também meu amoroso canto;
de lágrimas a lira em luto eu molho:
para chorá-la fique só meu pranto.



FRANCESCO PETRARCA (1304-1374) "Sobre a morte de Mma Laura"
(Trad. de Luiz Vicente De-Simoni)

Quebrou-se a alta coluna, e o verde louro,
que davam sombra ao meu pensar cansado:
perdi o que jamais verei achado
do Austro ao Bóreas, do mar índio ao Mouro.

Roubaste, ó Morte, o meu duplo tesouro,
de que ledo eu vivia e assoberbado;
que por reino ou por mando restaurado
não pode ser, nem por diamante ou ouro.

Mas se o destino tem assim disposto,
que posso eu mais senão ter alma opressa,
olhos banhados sempre e baixo o rosto?

Ó nossa vida, que é tão bela à vista!
Como numa manhã vai-se depressa
o que em anos com pena se conquista!



FRANCESCO PETRARCA (1304-1374)
“Introdução aos seus versos"
(Trad. de Waldemar de Vasconcelos)

Vós que ouvistes as minhas poesias,
com que eu nutria outrora o coração
nos juvenis e suspirosos dias,
quando aquele que eu fui tinha ilusão;

se conheceis do amor a reflexão
e o pranto, entre esperanças fugidias,
piedade espero achar, mais que perdão,
para as dores das minhas fantasias.

Agora vejo bem que longamente
em mim falou-se, e ria muita gente,
e de mim mesmo, às vezes, me envergonho.

Amargo fruto que colhi sonhando,
já sei — me arrependendo e envergonhando —
que a sedução da vida é breve sonho.



FRANCESCO PETRARCA (1304-1374) – “Espera que a fama que obterá compensará o seu atual tormento".
(Trad. de Jamil Almansur Haddad)

Doce ira, doce mal, doce brandura,
doce afã, doce peso que hei sentido,
doce falar tão docemente ouvido
e que é doce de luz ou de aura pura.

Alma, sofre calada o que tortura,
mitiga o doce afã que te há ofendido
com o doce louvor que hás recebido
por esta que é minha única ventura.

Dia virá que suspirando diga
alguém cheio de inveja: Assaz sofrera
este por belo amor e seu enredo.

Outros: Ó sorte dura e tão imiga!
Por que esta doce dama não nascera
pouco mais tarde ou eu pouco mais cedo?*

*Os que nasceram depois de Laura lastimarão a sorte do poeta, ao mesmo tempo que lamentarão não poderem ter sido contemporâneos de Laura e seus encantos.




FRANCESCO PETRARCA (1304-1374) "Alguém dirá que o Poeta esteja exagerando no seu louvor a Laura; ao poeta parece o contrário e teme que ela ache desprezível o seu louvor".
(Trad. de Jamil Almansur Haddad)

Talvez suponham que em louvar aquela
que adoro, eu exagere-lhe o perfil,
dizendo-a entre as demais, alta e gentil,
santa, sábia, graciosa, honesta e bela.

Mas eu sinto o contrário; e temo que ela
despreze o meu louvor por ser tão vil,
digna de algo mais alto e mais sutil,
e quem não o acredite venha vê-la.

Então dirá: Aquilo¹ a que este aspira
é de estancar Atenas, como Arpino,
Mantua e Smirna² e uma e outra lira?³

Língua mortal estado tão divino
não pudera cantar. Se amor me inspira
não é por eleição, mas por destino.4
__________

1 O objetivo de cantar Laura dignamente. 2 Maneira metonímica de aludir a Demóstenes, Cícero, Virgílio e Homero. 3 Píndaro e Horácio. 4 Canta-a não por ser sua vontade, mas atendendo à determinação da Fatalidade.



FRANCESCO PETRARCA (1304-1374) 
"Uma visão alçou sua alma ao céu"
(Trad. de Jamil Almansur Haddad)

Levou-me o pensamento até a morada1
da que eu procuro e não encontro em terra:
entre outras que a terceira esfera2 encerra
revi mais bela e mais modesta a amada.

Ela falou-me assim: — Na espera ansiada
sempre estarei se o meu sonho não erra;
sou eu a que te deu tamanha guerra,
cumprindo antes da tarde3 a sua jornada.

Meu bem não sabe a humana compreensão.4
Só espero a ti, e o véu que amaste tanto
ficou na terra — o meu fermoso véu.5

Por que ela se calou e abriu a mão?
A estas palavras de ternura e encanto,
pouco faltou para eu ficar no céu.
________

1 O céu
2 O planeta Vênus: onde se supunham ir as almas dos amantes.

Lamenta o seu fim prematuro.

4 Os homens não são capazes de compreender a maravilha que é a sua beatitude
5 - compreenda-se corpo. Compara o corpo a uma sombra, a um véu que reveste a alma.



FRANCESCO PETRARCA (1304-1374) 
"Diz da glória de Laura no paraíso"
(Trad. de Jamil Almansur Haddad)

Anjos plenos de amor e claridade,
habitantes do céu, logo à chegada
à divina mansão, da bem-amada,
fitaram-na com pasmo e piedade.

— "Que luz é esta e que nova beldade?
diziam — pois visão tão suave e honrada
do mundo errante a tão alta morada
certo nunca subiu por toda a idade".

Ela contente assim de haver mudado
de abrigo, aos mais perfeitos se compara.
 E volve a cada instante a leda cara,

a ver se eu a acompanho, e ela abre o braço:
e o pensamento vão ao céu levado,
ouço-a que implora: Amor, apressa o passo!



LORENZO DE MEDICI (1449-1492)
“Solidão Campestre"
(Trad. de Delson Tarlé)

Procure — quem quiser pompas e honores —
praças, templos, palácios, pois a sanha
de gozo e de ouro sempre se acompanha
de mil preocupações e de mil dores.

Relvado verdejante, lindas flores,
rio que a erva nascente em torno banha,
ave que canta o amor na selva estranha
acalmam muito mais nossos ardores.

A mata umbrosa, as pedras e a colina,
antros escuros, feras fugitivas,
grácil ninfa que surge e que se espanta.

Vagueia a mente em sonhos e imagina
luzes tão lindas que parecem vivas;
e cada ser me toma e eleva e encanta.



PIETRO BEMBO (1470-1547)
"Crin d'oro crespo, e d'ambar tersa e pura.
 (Trad. de Delson Tarlé)

Louro cabelo, de cor de âmbar pura,
que ao vento sobre a neve ondeia e voa:
olhos suaves, de Sol, de luz tão boa,
que faz dia sereno a noite escura;

riso que acalma toda pena dura;
pérolas e rubis, por onde soa
voz de paz, bem de amor, que na alma ecoa;
mão de marfim, que corações segura;

cantar mavioso, música divina;
senso maduro na mais verde idade,
encantos nunca vistos entre nós;

suma beleza e suma honestidade;
sois o alimento de meu fogo, há em vós
graça que o Céu a bem poucas destina.



LUDOVICO ARIOSTO (1474-1533)
"Aventuroso carcere soave"
(Trad. de Delson Tarlé)

Que venturoso cárcere suave,
onde, nem por furor nem por despeito,
mas por ternura e amor, me tem sujeito
minha bela inimiga, em doce entrave.

Há prisioneiros que, ao girar da chave,
se contristam. Eu rio, satisfeito:
não vê morte a esperança do meu peito,
nem juízes severos, nem lei grave,

mas ternas acolhidas, mas ardente
liberdade de abraços, mas desejos,
palavras livres e risinhos loucos,

mas doces beijos, dados docemente,
e mil e mil e mil e mil, mil beijos,
que, por mais que se contem, são bem poucos.



MICHELANGELO BUONARROTI (1475-1564)
(Trad. de Jorge de Sena)

Forçoso é que a piedade enfim me venha,
pra que d'alheias culpas mais não ria,
seguro em meu valor, sem outro guia,
alma perdida que de si desdenha.

Não sei que outra bandeira me mantenha
não vencedor, mas salvo da porfia
com que o tumulto adverso me seguia,
se não é Teu poder que me sustenha.

Ó carne, ó sangue, ó lenho, ó dor extrema!
Justo por vós se torne o meu pecado
do qual nasci e os pais que foram meus.

Só Tu és bom: socorra tão suprema
piedade o meu predito iníquo estado:
tão perto a morte, e ainda tão longe Deus.



VITTORIA COLONNA (1492-1547)
"Quando o Grão Lume surge do Oriente...”
(Trad. de Delson Tarlé)

Quando o Grão Lume surge do Oriente
e o negro manto desta noite afasta,
quando na terra o gelo se desgasta,
dissolvido ao calor de um raio ardente,

a minha dor, que o sono suavemente
anestesiara, acorda mais nefasta.
E, quando aos outros o prazer se gasta,
é que revive o meu, mais docemente.

Assim me impele uma inimiga sorte:
procuro a escuridão, fugindo à luz,
odeio a vida, desejando a morte.

O que ensombra outro olhar no meu reluz.
Se fecho os olhos, abre-se, num corte,
a dor profunda que a meu sol conduz.



PIETRO ARETINO (1492-1557)
(Trad. de J. G. de Araújo Jorge)

Amemo-nos sem termo nem medida,
pois que só para o amor temos nascido...
Vive por nosso amor! — é o meu pedido,
pois sem tal bem, que valeria a vida?

E se depois da vida já perdida
ainda se amasse... Eu, tendo já morrido
pediria outro amor — o bem querido
para poder seguir gozando a vida.

Gozemos pois, tal como certamente
o primeiro casal no Éden, ao ser
aconselhado assim pela serpente.

Que nos perdemos por amar se diz...
Tolice! Outra é a verdade, podes crer:
Só quem não ama sente-se infeliz!



GIOVANNI DELLA CASA (1503-1556)
"O Sonno, o de la queta, umida, ombrosa...”
(Trad. de Delson Tarlé)

Ó Sono, ó da tranqüila, úmida, umbrosa
noite plácido filho, aos sofredores
conforto, doce olvido a tantas dores,
nesta vida tão áspera e tediosa,

socorre a alma sem pouso, que não goza
de paz, ampara o fraco em seus langores.
Ó Sono, voa a mim, para dispores
tuas asas de névoa assim calmosa.

E o Silêncio, que foge à luz e ao dia?
E os sonhos, que, em passadas inseguras,
te costumam seguir, por teimosia?

Em vão te chamo e em vão estas obscuras
sombras distingo. Ó que plumagem fria,
coberta de aspereza! Ó noites duras!



TORQUATO TASSO (1544-1595)
"Ne gli acerbi anni tuoi purpurea rosa...”
(Trad. de Delson Tarlé)

Nos jovens anos teus, purpúrea rosa
parecias, que, ao sol radioso, agora,
não abre mais o seio, muito embora
virgenzinha se oculte em ti, medrosa.

Mais semelhas (que ser no mundo goza
da perfeição que há em ti?) celeste aurora
que a campina de pérolas decora
e ao monte traz, do céu, luz orvalhosa.

Hoje, a idade madura não te afeta;
nem a ti, descuidada, desafia
jovem que se enfeitar, linda que seja.

Assim mais bela é a flor que abriu, discreta,
as pétalas, e o sol do meio-dia
mais que o sol da manhã brilha e flameja.



TORQUATO TASSO (1544-1595)
"A Vasco da Gama"
(Trad. de Delson Tarlé)

Vasco, de alegres naus, que abriram vela
de encontro ao Sol — o portador do dia
e voltaram, com rasgos de ousadia,
da Ásia e dos riscos que há no seio dela;

não mais que tu, por mares de procela,
quem ao Ciclope encheu de zombaria,
ou as Hárpias turbou, jamais daria
a pena culta inspiração tão bela.

E, ora, a pena do douto e bom Luís*
põe teus feitos nas asas de um poema,
que bem mais longe vai do que teus mastros.

Ao que vive na terra mais extrema
e ao que pára ante a glória de teus rastros
a fama de teu nome em versos diz.
________
* Luís de Camões.



TOMMASO CAMPANELLA (1568-1639)
"In superbia il valor, la santitate...”
(Trad. de Delson Tarlé)

É soberba o valor, a santidade,
agora, é hipocrisia, a gentileza
é cerimônia, o siso, sutileza,
o amor é ciúme, o belo, sujidade,

graças, poetas, à vossa fatuidade:
falsos heróis, mentiras e baixeza,
não virtudes, mistérios e a grandeza
de Deus, como era o verso em prisca idade.

A obra da Natureza é ato mais nobre
do que a ficção, mais doce de cantar-se,
onde engano e verdade se descobre.

 A única história digna de aprovar-se
é a que de falsidade não se cobre
e faz o mundo contra o vício armar-se.



GIAMBATTISTA MARINO (1569-1625)
"Apre l'uomo infelice allor che nasce...”
(Trad. de Delson Tarlé)

Abre o homem infeliz, logo que nasce,
ao pranto, antes que ao Sol, os olhos:
plena de misérias é a vida, que o condena
a cadeias de dor, por onde passe.

Deixa o leite materno e, face a face,
eis o mundo carrasco, a angústia, a pena.
Já na idade mais sólida e serena,
entre a Fortuna e o Amor fina e renasce.

Quanta fadiga e morte, ele, mendigo,
sofre, tristonho. Até que, curvo e lasso,
apóia em débil lenho o flanco antigo.

Une, afinal, seus restos tênue laço,
rápido assim, que, suspirando, eu digo:
do berço à sepultura é um breve passo.



VITTORIO ALFIERI (1749-1803)
"Giorno verrà...”
(Trad. de Delson Tarlé)

Dia virá, há de chegar o dia
em que os ítalos, pois, renascerão,
não acuados, mas bravos na porfia,
todo o orgulho gaulês lançando ao chão.

Espora ao flanco, a velha galhardia
e meus carmas de glória portarão.
Eternos, seu valor, minha poesia,
de irresistível fama viverão.

E, no furor das armas, inspirados
por mim em seus avós de espada inquieta,
à Gália os versos meus farão lembrados.

Já os ouço, ufanos, a dizer-me: "Ó Poeta,
que esta idade de luz cantaste aos brados,
foste, em tempos de dor, nosso profeta".



UGO FOSCOLO (1778-1827)
"À Tarde"
(Trad. de Delson Tarlé)

Talvez por seres, para mim, a imagem
da quietude fatal, vem, sê bem-vinda,
ó Tarde! E — quando te corteja a aragem
e os cirros estivais e quando, ainda,

trazes do ar nebuloso trevas que agem
sobre o mundo, ao tremor da luz que finda,
e me acolhes, na mais secreta viagem
da alma eu te sinto, assim, tão suave e linda.

Conduzes minha mente, numa prece,
ao eterno vazio; e o tempo ruim foge
e leva consigo e faz que cesse

a ânsia que me envolvia. A paz, enfim!
E, enquanto a paz me deixas, adormece
o espírito feroz que há dentro em mim.



GIUSEPPE GIUSTI (1809-1850)
"Esperança de Glória"
(Trad. de Delson Tarlé)

Se não posso saciar a ânsia, que é chama,
daquele rosto angélico e sereno
 e no peito reter o ardente aceno
do coração àquela que honra e ama,

sigo a triste lembrança que me chama
fora de todo sonho vão, terreno.
Vivo só, vivo dela, dela pleno,
e escrevo, escrevo, escrevo, em pós da fama.

E se a sorte a este mundo me revela,
se conquisto renome, de escritor,
vou correndo dizer-lhe que lhe devo

a inspiração de tudo quanto escrevo,
a minha glória. E, então, cheio de amor,
vou depor os meus versos aos pés dela.



GIUSEPPE GIUSTI (1809-1850)
"A fé em Deus"
(Versão de C. Tavares Bastos)

Quase ao peso do corpo indiferente,
absorta em Quem, perdoando, a dor acalma,
verga-se sobre os joelhos suavemente,
apoiando-se numa e noutra palma.

Dolorosa exaustão, celeste calma,
vê-se difusa no seu todo... A mente,
porém, volvida para Deus somente,
refulge ao sempiterno raio d’alma.

Como que diz: se todo o bem me engana
e se, ao vislumbre de melhor estado,
sinto fugir-me a vida desumana,

confiante, ao teu regaço ameno
recorre o meu espírito, ancorado
num grande afeto que não é terreno.



GIOSLE CARDUCCI (1835-1907)
“O boi”
(Trad. de Olegário Mariano)

Amo-te, ó pio boi! Um sentimento
de vigor e de paz tu me ofereces,
quando, impassível como um monumento,
o olhar nos campos verdes adormeces...

Preso à canga, momento por momento,
mais útil e paciente me pareces.
O homem te ordena e tu, no macilento
volver dos olhos tristes, lhe obedeces.

Pela tua narina escura e fria
teu espírito passa e é um hino ardente
teu mugido cortado de agonia.

E em teu olhar, que pelo azul se perde,
se esconde longa e dolorosamente,
verde, a planura do silêncio verde.
_______
NOTA: O mais conhecido soneto de Carducci, dedicado ao boi, "símbolo da paz industriosa dos campos", é, também, dos seus poemas, o mais vertido para a nossa língua. Grandes poetas o traduziram, dentre eles Luiz Guimarães Junior, Arduino Bolivar, Magalhães de Azeredo, além de Olegário Mariano.



LORENZO STECCHETTI (1845-1916)
(Trad. de Guimarães Passos)

Sob os cabelos de ouro que te beijo,
eu não quero saber o que se esconde,
nem tampouco, mulher, se corresponde
o teu amor ao meu, saber desejo.

Que me importa saber o como e onde
faltaste ao juramento assim, sem pejo?
Gozei-te uma hora... isto passou? não vejo
proveito algum, para que o fato sonde.

Não pergunto se o vinho já bebido
continha alguma droga traiçoeira.
Foi nos teus lábios pelos meus sorvido.

Que me adianta saber se tu és casta?
Amamos, em verdade, uma hora inteira,
fomos felizes quase um dia... e basta.



LORENZO STECCHETTI (1845-1916)
"Postuma XXXV"
(Versão de C. Tavares Bastos)

Quando, como um relâmpago, fulgura
nos olhos teus a chama do desejo,
que buscas ocultar, mostrando pejo,
e ou me repeles ou me és só ternura;

quando, fingindo desprezar o ensejo,
a ânsia me dás de uma hora de ventura,
e a úmida boca entregas à loucura
da voluptuosa ardência do meu beijo;

quando, de joelhos, aos teus pés,
deliro no silêncio da noite que se estrela,
e aos meus carinhos ficas resolvida,

se uma frase de amor então profiro,
ah! podes crer inteiramente nela,
que assim não se ama outra vez mais na vida!



LORENZO STECCHETTI (1845-1916)
"Beijo póstumo"
(Trad. de Batista Cepelos)

Eu morrerei: a grande noite austera
vem chegando com o tempo que não pára;
já a cova negra minha carne espera
e, abrifauce e faminta, se prepara...

Quando tudo renasce à primavera,
eu, só, não tornarei da terra avara;
e, do meu corpo, que no chão se altera,
brotará a manjerona, humilde e rara.

Em nome deste amor, vai lá, querida,
e sobre a tumba compassiva e pura,
colhe uma planta de meu ser nutrida.

Beija-a, porque aos teus beijos de ternura,
logo os meus ossos, como outrora em vida,
 palpitarão de amor na sepultura!



LORENZO STECCHETTI (1845-1916)
“Fatalidade "
(Trad. de Hilário S. Soneghet)

Por mim passaste no correr dos anos,
dos anos ao correr por ti passei;
não me inspiraste sonhos nem enganos,
nem enganos nem sonhos te inspirei.

A teu respeito nunca tive planos
e, quanto a mim, não os tiveste, eu sei;
em não me amando não sofreste danos,
danos, por não te amar, não amarguei.

Mas, num dia fatal do meu destino,
tudo mudou e eu vi-me dominado
por estranha paixão, um desatino!

E, hoje, me julgo, já desiludido,
um venturoso por te haver achado,
um desgraçado por te haver perdido.



LORENZO STECCHETTI (1845-1916)
"Pelo Outono"
(Trad. de Othon Costa)

Quando, ao cair das folhas pelo outono,
tu fores procurar no Campo-Santo
minha cruz, hás de vê-la num recanto
como atirada em místico abandono.

Sobre o leito em que durmo o último sono
verás de flores um rosado manto,
que regarás com lágrimas, enquanto
caírem folhas mortas pelo outono...

São flores que nasceram de meu peito.
Colhe-as tu, de joelhos, com respeito,
num gesto de carinho e de meiguice,

para enfeitar, à tarde, os teus cabelos:
— São poemas que pensei sem escrevê-los,
e palavras de amor que não te disse...



LORENZO STECCHETTI (18454916)
"Póstuma I"
(Trad. de Basílio de Magalhães)

Míseros versos meus, que lanço ao vento,
da juventude em flor memórias fiéis.
Rimas de ira, de gáudio e de lamento,
amanhã, pobres rimas, que sereis?

Fugi, fugi do mundo, sempre atento
a flagelar quem não o amou! Tereis
inculto, sim, mas não fingido acento,
rimas, que o meu afeto enalteceis.

De certo a minha amada encontrareis,
por quem ânsias mortais experimento,
e vós, que o arcano deste amor sabeis,

vós, testemunhas de um finar tão lento,
ah! quanto, quanto a amei — vós lhe direis,
 míseros versos meus, que lanço ao vento!



LORENZO STECCHETTI (1845-1916)
"Talvez que um dia em teu balcão sentada...”
(Trad. de Altair de Almeida Carneiro)

Talvez que um dia em teu balcão sentada,
sob a luz das estrelas meditando,
tu ouças nessa noite enluarada
um grito dolorido te saudando.

E verás uma lágrima parada,
à luz do sol sobre uma flor brilhando.
Pensando ser orvalho, minha amada,
para o cabelo a colherás, passando.

Não é de orvalho a gota que tremeu
e como prata sobre a flor tombou,
mas o vestígio só do pranto meu.

Nem o grito que ouviste foi o vento.
Sou eu que estou morrendo e que te dou
meu derradeiro beijo e o meu lamento.



LORENZO STECCHETTI (1845-1916)
"A mulher e o Monge" (
(Trad.  de Rubens de Mendonça)

I

Contrito a meditar, um Monge solitário,
a flor da mocidade a matar num convento,
entre as névoas da fé, penitência e tormento,
a vida consumia a ler seu breviário!...

E triste meditava o pobre visionário,
quando escuta uma voz de suave encantamento,
 duma linda mulher que era um deslumbramento, 
toda nua a exibir um corpo extraordinário!...

— " Ó Monge! Eu sou o amor, a vida, a alacridade,
 te ofereço o esplendor da minha mocidade
e do meu jovem corpo o cálido fulgor...

Abandona a tua fé, que a vida é uma delícia...
Que do meu corpo em flor, te darei a carícia
e em troca à cela escura eu te dou meu amor!...


II

Diz o Monge:

Por que tentas assim, ó visão misteriosa,
ao Monge, que por Deus tem devoção e ardor?... 
Não me persigas não, ó vulto encantador
que me tentar tirar da vida religiosa...  

Demônio é o teu corpo! E essa maravilhosa
boca que me promete as delícias do amor
tenta de mim em vão fazer um pecador
e arrancar da minha alma a crença fervorosa!...

Credo! Foge de mim! O teu olhar, maldita
mulher, não quero ver! Teu olhar excitante
que põe meu peito em brasa e põe minha alma aflita! ...

Peco somente ao ver teu corpo rosicler...
Foge de mim, Satã, visão alucinante!...
Mas se não for visão e for mesmo mulher?...



EDMONDO DE AMICIS (1846-1908)
"O garoto à mesa"
(Trad. de Modesto de Abreu)

Como acho lambuzado o meu filhinho
depois da refeição! Fico espantado!
De cem nódoas está empatacado
e os lábios tem da cor do guisadinho.

O nariz, já se vê, sujou de vinho,
tem tempero, na testa, respingado,
e ao queixo um espaguete está grudado,
pendendo-lhe por sobre o aventalzinho.

Natural! Pesca tudo e em tudo toca,
no rosto esfrega o garfo, esfrega-o em vão,
gasta uma hora para achar a boca.

Meus gritos são inúteis e sobejos:
seus bracinhos me estende, o espertalhão,
e eu limpo o seu rostinho com meus beijos!



CESARE PASCARELLA (1858-1940)
"La Scoperta de I'America" XXIII
(Trad. de Delson Tarlé)

Mas Colombo — pensai! — estava certo!
Afeito ao mar, por seus experimentos
e pela voz agílima dos ventos,
ele sabia: a terra estava perto.

“Continuemos” — bradou. "Eu vos alerto:
acende o rumo, de alma e olhos atentos;
terra virá no curso de momentos".
Pois veio, de manhã, no mar deserto:

“Terra... Terra!... Por Cristo!" E delirante
era o riso, era o choro, era a algazarra...
“Terra... Terra!... Por Cristo!... Avante... Avante!...”

E ali. tanto perigo já passado,
Que mais pensar? A nau entrando a barra...  abraços, beijos... Sim, tinham chegado!



GABRIELLE D'ANNUNZIO (1863-1938)
“Soneto de amor pela França"
(Trad. de Guilherme de Almeida)

França, tu, doce França, amor do mundo, heroína
 crucificada a arder sem reproche e sem medo,
quando em Antióquia, sob a murça, Godofredo
 sentia os aguilhões da coroa divina;

em Bouvines, de pé, com teu Deus; na campina
de Recroi, ajoelhada, eril como um rochedo;
 sempre-viva a brotar das fendas do lajedo
junto aos teus mausoléus, no oco de cada ruína;

fresca como o repuxo branco do teu choupo
de que tu saberás vergar o tronco e o topo
para coroar a fronte ao teu cantor fecundo;

ressuscitada em Cristo a fazer da mortalha
teu gonfalão de luz, tua cota-de-malha,
França, França, sem ti, que solidão no mundo!



GABRIELLE D'ANNUNZIO (1863-1938)
(Trad. de Edmundo Moniz)

Ó, cessai, que esta música enfastia,
interrompe o meu sonho e me importuna;
e, embora com a bebida se reúna,
não me dá os encantos que eu queria!

Com quanto afã na mocidade um dia
vai-se em busca do amor e da fortuna!
Se com a mulher a lua se coaduna,
a verdade é que nunca ela varia.

Outono, inverno, primavera, estio,
lentas horas eternas, ó que horrível,
que tédio amargo esta lembrança prova!

Ver sempre em cima o mesmo espaço frio,
ou piedoso, cansaço indefinível!
ó, quem me dera alguma coisa nova!



ADA NEGRI (1870-1944)
"Soneto de inverno"
(Trad. de Agmar Murgel Dutra)

Cai a neve nos montes, sem lamento,
de hora em hora; e da terra não emana,
uma só vez, nem um soprar de vento,
nem queixas dos pastores na choupana...

No bosque e sobre o longo Alpes cinzento,
nem aragem de vida ora dimana.
Sobre o vasto lençol há um sonho lento
de prantos, de ervas, de tristeza humana...

... Aqui dentro, arde a chama a se apagar.
Tu me sorris: e eu penso, meu Querido,
como é doce nesta hora o nosso Lar...

Beijo teus lábios de ternuras feito,
ouço o teu coração embevecido
e, trêmula, me aqueço no teu peito.






(Das páginas 223 a 266 de "O Mundo Maravilhoso do Soneto", de Vasco de Castro Lima)

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