(grafia
da época)
SONETO
Maria
Thereza de Andrade Cunha
Dizendo
tudo o que dizer forcejo
Nos
versos tristes que te digo agora,
Jamais
hei-de dizer o que desejo,
Por
muito que t’o diga a tôda hora.
Se
digo que minha alma é triste e chora,
Se
insisto em te dizer tudo que almejo,
Digo
pouco, dizendo-o muito embora,
Com
palavras e rimas de sobejo.
— Se nisto tudo que proclamo ao
mundo
Procuro, em vão, dizer do amor
profundo,
— Dizer
do amor que em versos não coubera, —
Dizendo o
pouco que dizer consigo,
De que
vale dizer tudo o que digo,
Se nunca
digo o que dizer quisera?!
HORA
INDECISA
Maria
Thereza de Andrade Cunha
A
natureza sonha. A bruma, artista,
Desfeita
em rendas, o arvoredo enlaça.
Da
luz à sombra, aos poucos, tudo passa,
E
a treva, aos poucos, a amplidão conquista.
O
crepúsculo de ouro e de ametista
Já
se desfez em rolos de fumaça,
E
tem agora a cor sombria e baça
Tôda
a paisagem que daqui se avista.
...
O céu cinzento. A bruma veiu aos poucos.
Foram-se
as aves nos seus voos loucos,
E
inda nem uma estrela apareceu!
— Hora
triste e indecisa da saudade,
Em que já
não existe claridade,
Em que a
noite de todo não desceu...
A PAREDE
Maria
Thereza de Andrade Cunha
Encantou-me
a beleza, muda e estranha
Dessa
parede muito branca e nua,
Que,
impassível, as horas acompanha
Olhando
a vida, olhando o céu, a rua...
Nas
noites de luar, toda se banha
Na
suavíssima e tênue luz da lua;
E,
quando o sol se eleva na montanha,
Tôda
ela se acende, e abrasa, e estua!
Nos
dias de esplendor da primavera,
Nunca
sonhou com lindas trepadeiras;
Mas,
— inda lembra
— uma árvore ensombrou-a.
É simples:
nada pede, nada espera;
... Se
chove, chora o pranto das goteiras...
— É nua e
branca como uma alma boa!...
QUERIA
QUE CHEGASSES
Maria Thereza de Andrade Cunha
Maria Thereza de Andrade Cunha
Festiva,
em frente, se ergue a serrania
Tocada de um dourado cambiante;
Queria que chegasses neste instante;
Nem sabes como está bonito o dia!
Anda no ar transparente uma alegria
Uma alegria imensa, delirante...
Como está perto o azul do céu distante!
Que perfume e que luz, na tarde fria!
Queria que chegasses de surprêsa.
É tão maravilhosa a natureza,
Juncando êsse caminho, há tanta flor!
... Sairíamos juntos, devagar...
Sem destino, sem pressa de voltar,
De mãos dadas, felizes, meu amor!
Tocada de um dourado cambiante;
Queria que chegasses neste instante;
Nem sabes como está bonito o dia!
Anda no ar transparente uma alegria
Uma alegria imensa, delirante...
Como está perto o azul do céu distante!
Que perfume e que luz, na tarde fria!
Queria que chegasses de surprêsa.
É tão maravilhosa a natureza,
Juncando êsse caminho, há tanta flor!
... Sairíamos juntos, devagar...
Sem destino, sem pressa de voltar,
De mãos dadas, felizes, meu amor!
CANÇÃO
Maria
Thereza de Andrade Cunha
Vento que
passas desfolando as rosas,
As
pétalas levando fenecidas,
Rosas
vermelhas, brancas, lacrimosas,
Tristíssimas
amantes esquecidas...
Vento que
as deixas mortas ou feridas,
Depois de
as teres vivas e ardorosas,
Quero as
rosas tombadas e perdidas
Que em
noites fundas com teu beijo esposas.
As princesas
que, pálidas, arrancas,
Impetuoso
e bárbaro, do ramo,
Eu quero
que com elas tu me cubras...
Que eu
amo as rosas líricas e brancas,
Eu amo as
rosas cor-de-rosa e amo
Apaixonadamente
as rosas rubras!...
ESTIGMA
Maria
Thereza de Andrade Cunha
Nestas
horas de amor e de magia
Não fites
os teus olhos, com ternura,
Nos meus
olhos de mística ardentia,
Porque
estes guardam sombras de loucura.
— Toma
entre as mãos minha cabeça pura.
Conta-me,
de teus sonhos, a poesia;
Beija-me
a boca a arder que te procura;
Dá-me o
teu riso, cheio de alegria.
Toma-me
as mãos, afaga-as bem de leve,
Aquece-as,
que estão hirtas sob a neve,
Aperta-me
em teus braços num transporte.
... Mas
afasta os teus olhos dos meus olhos,
Porque
estes têm nos últimos refolhos,
A imensa
nostalgia do além-morte!...
SÚPLICA
Maria
Thereza de Andrade Cunha
Sofro.
Nos ramos tontos e sombrios,
Onde a
noite escondeu fantasmas, passa
O vento.
A lua, muito calma e baça,
No chão
estira os ráios doentios...
— Oh! Vento
errante, oh! Vento que, em negaça,
A noite
enches de sons e de arrepios,
Tenho o
corpo febril; com dedos frios,
Afaga minha
fronte ardente e lassa!
Pêla
janela escancarada e enorme
Entra! vibrando
golpes impetuosos,
Marca-me
o corpo, como rude açote!
E,
enquanto, fora, a noite imensa dorme,
Os teus
dedos gelados e nervosos,
Mergulha
em meus cabelos cor da noite!
DESEJO
Maria
Thereza de Andrade Cunha
Na
grande exaltação que me tortura,
porque
desejo tanto e inutilmente,
o
teu amor apenas me consente
a
carícia das mãos, suave, pura...
Nunca
um beijo de amor. Nunca doçura
de
um longo beijo, rubro, e insano, e ardente.
Nunca
teu braço, apaixonadamente,
ao
redor de meus ombros, da cintura...
Apenas
tuas mãos postas nas minhas.
— Por que não vês, porque não
adivinhas
tudo
que, em vão, meus lábios já sonharam?...
...
Ah! quando a sós estou, Deus! como louca,
Num
beijo insatisfeito esmago a boca
nas
minhas mãos, que as tuas afagaram!...
FINIS
Maria
Thereza de Andrade Cunha
Acaba
o nosso amor num desalento...
Por
que te quis e me quiseste um dia?
Por
que brilhava o sol no firmamento,
Se
a noite a nos cobrir não tardaria?
Quantos
dias de mágoa e sofrimento...
Quantas
horas de sonho e de alegria;
...
Tão doce um beijo, num fugaz momento;
...
A tua mão na minha mão tão fria!...
E
as frases que trocamos?!
— Que saudade
Do nosso
amor, da nossa intimidade,
Do tempo
que passavas ao meu lado!
— Ah! Que
tortura, amor, ah! Que tortura,
Pensar
que vai ver nossa ventura
Numa
simples lembrança do passado!
SEM RUMO
Maria
Thereza de Andrade Cunha
Morte,
teu beijo mau cresta-me a boca,
E, nas
pupilas negras e sombrias
Dos meus
olhos de mística e de louca,
Põe
fogueiras de vivas argentias.
Arrastam-se
nas sombras os meus dias;
A
esperança morreu-me... Era tão pouca!...
As minhas
mãos tombaram frias... frias...
E ouço música
ao longe, estranha e rouca...
Morte,
sou a que sofre, e nada espera.
Se já me
tens o corpo e é primavera,
Onde
pousar minha alma ardente e nua?
Tu me
perdeste, e quero ser amada;
... Onde
vou, se me deixas desprezada,
E a vida
não me quer porque sou tua?!
A CORTINA
Maria
Thereza de Andrade Cunha
Quando a
rua em que moro tu subias,
Por
detrás da cortina eu te esperava;
E
passavas sorrindo, pois bem vias
Que a
cortina de rendas ondulava...
Como
foram felizes esses dias
Em que
meu coração se alvoroçava,
Quando
longe passavas, e sabias
Que eu,
de longe, te via... e te adorava!
Deixaste
de passar à minha porta.
Da
cortina rasgaram-se os babados.
— O
tempo, rendas e esperanças corta! —
.......................................................
Foi trocada
a cortina da janela!
A nova é toda
feita de bordados,
... Mas
eu gostava muito mais daquela...
INÙTILMENTE
Maria
Thereza de Andrade Cunha
Voltei.
As mesmas ruas, percorridas
Outrora
percorri.
... São sempre
aquelas
As
árvores iguais e paralelas,
De flores
e folhagens revestidas.
... As
mesmas praças, muito bem varridas,
Recobertas
de areias amarelas,
Lembrando
pequeninas aquarelas,
Salpicadas
por entre as avenidas...
Voltei...
Triste, cansada, olhos em pranto
Recordei
meu passado tão distante,
E em nada
achei, de novo, enlêvo e encanto;
Porque,
qual uma tétrica avantesma,
À minha
alma enlaçou-se, alucinante,
Uma
estranha saudade de mim mesma!...
DESILUSÃO
Maria
Thereza de Andrade Cunha
Chegara
a primavera colorida,
Com
grinaldas de luz e de esplendores,
Trazendo
flores para a minha vida,
Vida
também trazendo para as flores.
Mas
foi aquela flor, a mais querida,
Feita
de seda e das mais belas cores,
Que
feneceu, já quando de partida
Tu
desfolhastes a flor dos meus amores!
E
as pétalas, levadas pelo vento,
Tontas,
bailaram no ar por um momento...
Espalharam-se,
tontas, pelo chão...
Mas
o destino, tredo e malsinado,
Deixou,
no verde ramo, embrionado
O
fruto amargo da desilusão!
DIZE
Maria
Thereza de Andrade Cunha
Se
eu morrer cedo, no esplendor da vida,
Se
eu morrer cedo, em meio do caminho,
Lembra-te
que no instante da partida,
Olhos
em pranto, eu te chamei baixinho!
Lembra-te,
meu amor, que foste espinho
Cravado
na minha alma dolorida,
Mas
cultivado sempre com carinho;
Dor
que era doce, dor que era querida!
E
dize a todos: — “Foi
ternura infinda
O que
ela, enquanto viva, me votou;
— A vida,
só por mim achava linda! —
Só quando
morta, o seu amor findou!...
E, se
vivesse muito mais ainda,
Não
poderia amar mais do que amou!”
A HORA
QUINTA
Maria
Thereza de Andrade Cunha
Existe
uma hora trágica e sublime
Nas
doze horas vivas do meu dia.
Passa
e diz que eu não sonhe, e nem me anime;
Que,
antes, me faça estática e sombria.
Hora
em que a Voz, do Minarete, imprime
Fundo
em meu peito a indiferença fria;
Hora
da grande prece que redime
Meus
pecados de amor e de poesia.
Hora
transfigurada, estranha e forte
Que,
na antecipação da própria morte,
Traz
a tranquilidade que perdi...
Hora
em que tenho, deslumbrada e calma,
Senhora
de meu corpo e de minha alma,
A
sensação feliz de que morri!
AO
VENTO
Maria
Thereza de Andrade Cunha
Perfumei
com essências do Oriente
A
minha cabeleira sôlta e escura;
Queimei
no olhar incensos de ternura;
A
boca perfumei de um riso ardente.
Perfumada
de sonho e de loucura,
Esperando
fiquei o amado ausente,
Numa
grande esperança que perdura
Estranha,
eterna, indefinidamente...
Gastei
minhas quimeras, meus desvelos.
— Oh! Vento
nos rosais, quero que jures
Pelas
almas das rosas que confortas,
Que inda
me hás-de levar da alma e cabelos
Êste
perfume, para que o mistures
Às
pétalas sem côr das rosas mortas...
ANGÚSTIA
Maria
Thereza de Andrade Cunha
Medo, de
que?
A minha mão, tão fria,
Treme de
susto, e há sol, e há luz, e há vida!
No meu
grande terror ando perdida
Como na
imensa dor, e é pleno dia.
Medo da
dor, da glória fugidia,
Medo de
amar, medo de ser querida,
E medo da
paisagem colorida,
Medo do
tédio, e medo da alegria!
Medo das
nuvens fúnebres que passam
Como
negros fantasmas que ameaçam,
Como
sombras de agouro e tempestade.
Medo de
mim, medo da morte. Mudo,
Um medo
atroz de todos e de tudo,
Amargurando
a minha mocidade...
A ALGUÉM
QUE ME QUER
Maria
Thereza de Andrade Cunha
Florescem
rosas, lírios e açucenas
Do sol
buscando o beijo abrasador;
Procura,
noutras plagas mais amenas,
Êsse
alguém que te espera para o amor!
Que te
daria eu, se, do calor
Do sol
que me abrasou, restam apenas
Açucenas
pendidas de langor
E
orvalhadas de lágrimas serenas?!
Queres,
talvez, que, em tresloucadas juras,
Eu te
prometa amores e ternuras
Numa voz
triste, dissonante e rouca?
—
Buscando ardores onde é morto o sonho,
Tu só terias,
nesse amor tristonho,
Gelados
beijos de gelada boca!
À SOMBRA
Maria
Thereza de Andrade Cunha
É
noite e não há luz hoje na serra.
Apenas
velas frias, bruxoleantes;
Além,
no mato, a escuridão que aterra,
E
uns raros pirilampos lucinantes.
Adivinha-se
a lua cheia que erra
Por
trás de grossas nuvens... Por instantes,
Como
um bando de espectros sôbre a terra,
Passam
morcegos fúnebres, errantes.
E
à meia sombra inunda a ampla e deserta
Sala,
onde dançam teias fugidias
Formando
estranha e emaranhada rede.
A
noite espreita pela porta aberta,
E
em castiçais as velas ardem, frias,
Multiplicando
as sombras na parede!
MATINADA
Maria
Thereza de Andrade Cunha
É
manhãzinha. O sol já se levanta,
Doirando
a rua, onde começa a lida.
É
a mesma cena, sempre repetida,
Que
de novo se anima e nos encanta.
Aqui,
um molecote rega a planta
De
um lindo vaso. Ali, muito entretida,
Certa
menina, sem pensar na vida,
Varre
a varanda, e, enquanto varre, canta.
Um
estudante passa. Vai ligeiro
Um
moço de escritório. De um caixeiro
Ressoam
nas calçadas os tamancos...
E,
mais além, uma vovó faceira,
Com
passos leves, ruma para a feira,
Dando
um “jeitinho” nos cabelos brancos...
ALHEIAMENTO
Maria
Thereza de Andrade Cunha
Passa
a vida por mim... Deixo-a passar...
Passam
por mim, amor, sonho e desejo;
Passam
noites de sombra ou de luar,
E
nada disso, nada disso vejo!
Que
me importa, se alguém me quer beijar?
Que
importa de outros olhos o lampejo?
— Que
infinita saudade de um olhar...
— Que
saudade infinita de teu beijo!...
Falam!
Respondo sem saber se é certo,
Digo que
som, que a primavera é linda;
Digo que
não, não vivo num deserto...
E ouvindo
qualquer frase dita a esmo,
Fico a pensar,
numa tristeza infinda,
Se já não
me disseste aquilo mesmo!...
TRISTEZA
Maria
Thereza de Andrade Cunha
Recebi
meu quinhão... Tocou-me apenas
Um
punhado de fôlhas amarelas;
E
havia rosas claras, rosas belas,
Orgulhosas,
altivas e serenas.
E
havia dálias roxas e açucenas
E
violetas castas e singelas;
...
Tocou-me apenas possuir aquelas
Fôlhas
mortas tombadas às centenas...
Elas
vieram fúnebres e escuras,
Sem
alento, caídas das alturas,
Num
vôo triste, farfalhante, doce.
Pousaram
mo meu peito frias, suaves,
E
fizeram seus ninhos como as aves,
As
fôlhas mortas que o destino trouxe...
MARIPOSA
FANTASMA
Maria
Thereza de Andrade Cunha
Veiu
da noite, em voo palpitante,
Perder-se
na quietude desta sala.
Num
bailado letal e delirante,
Cresta
na luz as asas cor de opala.
Voa;
já nada enxerga o olhar faiscante.
Ama
a luz, e essa luz há-de queimá-la.
E,
enquanto houver calor, estranha amante,
É
cega e embriagada está... Deixá-la!...
Mas
brandamente a luz se extingue, e morre...
— Que
novo ardor as asas lhe percorre,
Para que
dance ainda, alucinada?
Deixá-la.
É cega! Que lhe importa a chama?
Inda
sente o calor perdido, e ama,
E voa em torno
à lâmpada apagada!
MOCIDADE
Maria Thereza de Andrade Cunha
Deixa-me
assim, de pálpebras cerradas,
Trêmula,
branda, sorridente, mansa...
Lá
fora brilha o céu, tido em bonança,
E
as flores se despencam, desfolhadas.
Asas
fulgindo ao sol, loiras, doiradas,
Trazem
dos campos ramos de esperança;
Sinto-me,
meu Amor, quase criança,
Crendo
em castelos, príncipes e fadas...
E
enquanto a tarde se desfolha em rosas,
E,
presos em tuas mãos cariciosas,
Os
meus dedos levíssimos se movem,
Sente,
Amor, meu amor de entusiasta,
Na
confiança de minha alma casta,
E
no abandono de meu corpo jovem...
A
UMA BAILARINA
Maria
Thereza de Andrade Cunha
Fecho
os olhos e a vejo que, ondulante
Como
um salgueiro ao vento, fina e leve,
Lá
se vai! Deixa apenas, flutuante,
A
lembrança de um véu de “tule” e neve…
Demorou-se
tão pouco! um curto instante!
Um
curto instante, tão fugaz, tão breve!
Quem
sabe, além, num palco mais distante,
Outro
poema de ritmos descreve?
...
Mas fica eternamente nos meus sonhos;
Vejo-a
de olhos brilhantes e risonhos
Que
nas asas do vento a cena corta.
Impalpável…
Comparo-a à luz e à espuma,
E
a julgo, vendo-a leve como pluma,
A
alma, talvez, de uma falena morta!
LAMENTO
Maria
Thereza de Andrade Cunha
Vento
frio que choras nas vidraças,
E
assobias na copa do arvoredo,
Recordas-me,
ora um soluçar de medo,
Ora,
de festa, o tilintar das taças...
Vento
triste que as nuvens desenlaças
Ou
juntas, logo após triste degrêdo,
Só
tu conheces todo o meu segrêdo,
Só
tu conheces quais minhas desgraças!
— Vento
errante, que para longe vais,
E que
talvez, não voltes nunca mais,
Leva
contigo esta esperança morta...
E se
sabes quem causa o meu tormento,
Mistura à
tua a voz do meu lamento,
E vai
bater de leve à sua porta...
AMARGA
Maria
Thereza de Andrade Cunha
Se
és triste ou se és alegre, eu te lamento.
Vives,
e isso te basta, e isso é bastante
Para
que eu sinta, viva em teu semblante,
A
inútil fôrça que te imprime alento.
És
feliz? — O
prazer é semelhante
À viração
que passa num momento...
És desgraçado?
— A dor é como o vento:
Desfolha,
enverga, fere, e segue adiante...
Tudo na
vida é igual. Somos da Morte.
Perdes,
se és pusilânime ou se és forte,
Todos os
lances vãos dessa batalha!
A vida! A
vida... Apenas ela passa,
E é
sempre, no prazer ou na desgraça,
Uma
oportunidade que nos falha.
LUAR NA
SERRA
Maria
Thereza de Andrade Cunha
A
lua no meu quarto entra e flutua,
Penetrando
a janela, à noite aberta;
E
passo a noite tôda descoberta,
Coberta
apenas pela luz da lua...
Sob
a camisa leve, a pele nua;
E
sob o seio nu, a alma deserta,
Insone,
a noite toda passa alerta,
E
em vãos desejos, palpitante, estua!
Quietude
fora. O céu todo estrelado.
O
silêncio noturno, angustiado,
Fluídico,
as coisas todas a enlaçar.
E
os eucalípticos, velhos e grisalhos,
Levantam
fascinados os seus galhos
À
suavidade mística do luar...
ENCANTAMENTO
Maria
Thereza de Andrade Cunha
Enquanto
a chuva cai devagarinho
Na
folhagem, lá fora, e o vento canta,
Dizendo
um madrigal a cada planta,
Despetalando
flores no caminho,
Eu
vou contar, contar muito baixinho,
Êste
segredo que me enleva e encanta,
Que
estou sempre afogando na garganta,
E
é todo uma cantiga de carinho...
Eu
vou contar:
— Estou te amando
agora! —
Está
chovendo... Uma goteira chora
Numa
tristeza vã, desconsolada...
— Estou
te amando! —
As minhas
mãos aquece;
Quero-as
postas nas tuas, como em prece,
Numa
carícia longa e apaixonada!...
Fonte:
Livro “É primavera… escuta.”, Rio de Janeiro, 1949
Lindo demais.
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