OS MEUS VERSOS
Maria Helena
Os meus versos nostálgicos, sem cor,
— Folhas mortas pisadas pelo chão —
São cânticos de dor à minha dor,
Pedaços do meu próprio coração.
Se alegrias vividas com ardor
As não soube guardar a minha mão,
Na alma arrecadei todo o amargor
Da minha incompreendida inquietação.
Versos cheios de febre e de incerteza,
A escorrer sangue, acerbos como espinhos,
Só os entende quem não for feliz.
Poetas! Meus irmãos nesta tristeza!
Chorai ao ler meus versos pobrezinhos,
Que eu também chorei muito quando os fiz!
(Lisboa)
AMANHECER
Maria Helena
Acordam as olaias desgrenhadas
Pelo frémito de asas em partida...
E alegremente, os dedos das ramadas
Apontam a vertigem da subida.
As serras, verticais, mal desenhadas,
Vestem a festa duma cor garrida.
Na expressão das papoilas encarnadas
Canta a certeza física da vida.
O azul do Céu tem laivos carmesins,
E no esplendor de uma alegria sã,
A terra germinou, cheia de graça.
E a vida sabe a fontes e jardins
Quando o deus Sol na orgia da manhã
Abre rosas na alma de quem passa.
(26-08-1949)
ORGULHO
Maria Helena
Minhas são as auroras cor das rosas
E astros em fogo pelo Céu sem-fim...
E águas do mar e nuvens caprichosas
Criou-as Deus apenas para mim.
Eu compreendo as noites silenciosas...
O luar fala comigo, no jardim...
E a minha boca - pétalas viçosas! -
Foi modelo dum cravo carmesim...
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Temendo sempre que outros me desmintam,
Se grito um bem que a vida me negou
E se apregoo dons celestiais,
É só para que os outros não pressintam
No quase nada que no mundo sou
A imensa dor de não poder ser mais!
(Lisboa)
INDECISÃO
Maria Helena
Posso lá prosseguir na caminhada!
Andar com segurança para a frente,
Se uma dúvida atroz e permanente
Enche de névoa a lucidez da estrada!
Se o sangue exige em voz alvoroçada
E tenta impor a sua cor presente,
Logo a renúncia ensombra de poente
O que nunca passou de madrugada.
Seja a hora confusa ou cristalina,
Sempre a mesma incerteza em combustão,
Sempre a dúvida a erguer-se em cada esquina.
Eu sei lá qual das duas tem razão:
Se a minha alma a afirmar que sou divina,
Se as minhas veias a gritar que não...!
COMPENSAÇÃO
Maria Helena
Foi a vida. Bem sei. O dia-a-dia
— Ao compasso das horas já vividas —
Que me levou, aos poucos, a alegria
E a certeza das coisas prometidas.
Foi a vida, bem sei, que fez sombria
A graça das manhãs acontecidas
E deixou a minha alma toda fria
E entornou fel nas minhas mãos caídas.
Foi a vida, nem sei, que fez do viço
A dor de uma ruína sem idade
E quebrou a harmonia do meu gesto.
Foi a vida, bem sei, mas que tem isso?
Se a morte me deixou uma saudade,
Que me importa que a vida leve o resto?
MÁSCARA
Maria
Helena
Não digas a ninguém! Ninguém entenderia
As
lágrimas de fel da tua imensa dor.
Da
raiz que não tens, abre o espectro da flor
E
faz nascer do pranto um riso de alegria.
Guarda a noite contigo e finge que tens dia
A
ensopar de manhã o que em ti é sol-por.
Vive
como os demais e enche as faces de cor,
Muito
embora essa cor seja só fantasia.
Afivela no rosto uma expressão garrida
Inda
que o amargor que te espedaça a vida
Tenha
fundos de abismo e vastidões de mar.
Cala no coração o sofrimento fundo
E
vive ao pé dos mais e entre os gozos do mundo
O
orgulho de sofrer no orgulho de calar.
AMBICIOSA
Maria
Helena
Mais, sim! Ainda mais! E mais ainda!
É
pouco quanto tenho e quanto vejo!
Embora
a rosa em flor seja a mais linda,
Mais
linda sempre a quer o meu desejo.
Nunca a Estrela do Norte me é bem-vinda
Porque
eu anseio sempre outro lampejo.
Mais,
sim! Ainda mais! E mais ainda!
Beijo
que ascenda para além do beijo.
Deixai-me abandonada, ó meus Amigos!
Tenho
a terra e o vento e o Céu, e vede
Esta
ambição sem fim que me consome.
Fossem meus todo o mar, todos os trigos:
Não
há água que baste à minha sede
Nem
pão que chegue para a minha fome!
NOITE
Maria
Helena
Não dormiram meus olhos fatigados.
Toda
a noite contei, hora por hora,
Noite
de febre, negra de cuidados,
Noite
a que nunca mais chegava a aurora.
Chorei de novo os prantos já chorados
—
Que é sempre viva a mente de quem chora —
E o
vento uivava, uivava nos telhados
E a
sua voz corria, noite fora...
O silêncio aterrava toda a casa.
Tinha
nos olhos um calor de brasa
E
dentro em mim um frio de luar.
Que estéreis são as noites por dormir:
A
vida a ir-se embora, sem partir,
E a
morte a aproximar-se, sem chegar...
HORA RUBRA
Maria
Helena
Sou eu! Não ouves, Vida? Abre-me a porta!
Repara
nos meus olhos-mar de pranto!
Olha
esta mágoa que me pesa tanto,
Mágoa
calada, que ninguém conforta!
Pois não vês a esperança quase morta,
Que
os meus dias são dias sem encanto
E
que o meu canto é sempre um triste canto...
Por
que teimas em não me abrir a porta?
Quero esquecer insônias, ais, agravos,
E
ver em derredor um ar de boda
E em
cada olhar o mel de uma promessa.
Tenho uma boca doce como os favos
E um
sangue ardente que me queima toda...
Ó
Morte, Morte! Leva-me depressa!!!
DE MÃOS POSTAS
Maria
Helena
Vento sem Norte, leva-me onde vais:
Aos
Céus distantes, às planícies rasas!
Que
eu rasteje contigo nos trigais
Ou
me perca, a subir, num mundo de asas!
Fumo alastrando, lento, dos casais
—
Alma das chamas a ascender em brasas! —
Leva
a minha alma em tuas espirais
Quando,
num beijo, o Céu e a terra casas.
Sol, girassol aberto em claridade,
Que
iluminas o justo e o pecador,
Sê
também meu irmão e meu amigo.
Ó vento! Ó fumo! Ó Sol! Tende piedade!
Quero
ir seja onde for e com quem for,
Contanto
que não fique só comigo!!!
SONETO À DESVENTURA
Maria
Helena
Que eras muito mais forte do que eu
E
podias dobrar-me como um vime
E
esfacelar também quanto era meu
Sem
sentires remorsos do teu crime.
E eu rojei-me no chão, que me acolheu,
Sob
o poder da tua mão que oprime
E
arrastei-me na noite cor de breu
Longe
do Sol que doira e que redime.
Mas um dia quebrei elos e grade
E
caminhando em plena liberdade
Ressuscitei
de minha própria morte.
E agora que estou viva e sou feliz,
Olha-me
bem de frente, olha-me e diz
Qual
de nós duas é que foi mais forte!
ALTURA
Maria
Helena
Longe! Seja onde for! Noutro lugar:
Novos
Céus. Novos mundos. Novos ritos.
Perdida
na extensão dos Infinitos
Onde
nem mesmo o Sol possa chegar.
Subir e não temer e não cansar,
Numa
ascensão sem peias e sem mitos,
Esquecida
do horror de humanos gritos
Sob
a mudez granítica do luar.
Porque hei-de ultrapassá-las e vencê-las,
A
minha mão há-de apagar Estrelas
No
silêncio imortal dos Céus absortos.
Hei-de ir além do fim de qualquer fim,
Deixando
longamente atrás de mim
Um
turbilhão suspenso de astros mortos!
MISTÉRIO
Maria
Helena
Choro, por quê? Por quê, esta agonia
Que
não tem um motivo definido?
Por
que vejo tão pálido este dia
Quando
o Sol é um cravo já florido?
Rio, por quê? Quem deu esta alegria
Ao
meu peito inda há pouco entristecido?
Luar
que não nasceu nem alumia:
Por
que me beijas antes de nascido?
Sangue rebelde, faces de marfim,
Sou
mar agora de ondas bem erguidas,
Logo
rastejo, tímida e mesquinha.
Que mistério tão grande eu trago em mim:
Passam
na minha vida tantas vidas,
Que
eu nem chego a saber qual é a minha!
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