Sete Séculos de Existência


É, pois, extraordinário que o soneto paire acima de tudo isso e resista a tudo isso. Suas linhas tradicionais conservam aquela beleza que o faz atraente e duradouro.
Otto Lara Resende, que prefaciou pelo menos a terceira edição do "Livro de Sonetos", de Vinicius de Morais, afirma:—  "O soneto está em todas as literaturas e, desde o século XIII, resiste a todas as revoluções. Não há, a rigor, grande poeta que não tenha sonetado — Dante, Petrarca, Shakespeare. Nas letras portuguesas, as duas mais altas vozes são de exímios sonetistas — Camões e Fernando Pessoa. O soneto é, a bem dizer, a carta de identidade de um poeta".
E acrescenta Otto Lara Resende:
—"O movimento modernista, para oxigenar o provinciano e sufocante ambiente literário nacional, precisou saudavelmente mover campanha mortal contra o soneto. Como era de esperar, os resultados foram positivos: o soneto não morreu, mas ressurgiu renovado e, nem por isso, menos popular. Os próprios corifeus do modernismo — Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Carlos Drummond de Andrade — conquistaram o direito de cometer os seus sonetos, sem renunciar à personalidade e à poesia".

Vai, assim, o soneto, vencendo, galhardamente, o seu sétimo século de existência. Permanece inabalável, permanecerá indestrutível. É algo de misterioso, que muito dá de si para o êxito perpétuo da poesia. Alceu Amoroso Lima proclamava: "As escolas passam. O soneto fica".


Indiferente à marcha irreversível do tempo, não teve o destino merencório que tiveram as demais formas poéticas, fixas, como o vilancete, a sextina, o rondó, a vilanela, a balada, esta muito em voga nos séculos XIV e XV. A balada, aliás, pela sua leveza e pelo seu lirismo, viveu, mais que as outras formas extintas, uma época de ouro, mas a repetição do verso chave em cada estrofe acabou por torná-la, bem como as demais, uma composição monótona. Por isso, está praticamente esquecida.

Também a ode, o hino, a lira, a canção, o rondei, o triolé, o rondel duplo, o canto real, o romance, a elegia, a nênia, o epicédio, a endecha, o epigrama, a cantata, o madrigal, a glosa, o salmo, o ditirambo, a écloga, o idílio, a pastoral, o epitalâmio, o canto genetlíaco, o acróstico — e até mesmo a oitava e a "terza-rima" (terceto), caíram em completo desuso.

Alberto de Oliveira escreveu, em 1931, no frontispício de seu florilégio "Os Cem Melhores Sonetos Brasileiros":
— "Flor medieval, acredita-se abrolhou primeiro na Itália; cultivaram-no, há por sua vez quem o creia, "trouvères" e trovadores provençais; poetas sicilianos modificaram-lhe a estrutura e o ritmo, a que devia dar Petrarca maior número e beleza, eternizando nele o nome de Laura de Noves. As Musas de Mellin de Saint-Gelais e Marot adotaram-no em França: e para logo e com o apuro com que aparece aperfeiçoado, entre outros, pelos poetas da Plêiade, acabou impondo-se ao gosto de todos.
Em pouco, para torná-lo mais distinto e menos acessível aos talentos medíocres, apertaram-se-lhe as regras de feitura, as quais, de tão rigorosas, o tornaram quase impraticável. Era ao tempo em que — são palavras de G. Lanson — o mérito de muito escritor consistia em tornar seu trabalho tão difícil de escrever-se como de ser entendido".
E concluiu, meio desencantado, o grande sonetista parnasiano:
— "Já lá se foram dois lustros. Continuou a viver e vive ainda o soneto? Sim, vive ainda, entraja-se um dia ou outro com certo apuro, como aldeão que aos domingos põe a sua melhor roupa de ver a Deus, mas o mais das vezes quando aparece, é maltrapilho e vulgar. Não é mais o soneto".
... Afinal, o soneto, "pequenino e amplo como a alma dos homens", está, hoje, mais vivo do que nunca. Praticado em muitas línguas, em todo o mundo. E, não raro, oferecendo páginas antológicas.
Há, atualmente, como sempre houve, excelentes cultores, haverá sempre admiradores do soneto, que constitui uma legenda de luz no caminho da poesia.

Meditemos nestas convincentes palavras de Agostinho de Campos:

— "Gemem e gritam as mães para que os filhos nasçam; e os filhos choram ao nascer; mas continua sempre a haver mães e a haver filhos. Os sonetos são filhos da dificuldade. Podemos, pois, concordar que, por isso mesmo, não é fácil morrerem. Mais ainda: coexistem, na nossa alma contraditória, o terror da dificuldade e a volúpia da dificuldade".

E, ainda:
"No parto artístico, seja ele qual for, há sempre dois elementos de prazer criador: o prazer da expansão espiritual ou sentimental, e o do triunfo contra as resistências da matéria bruta. Pode até dizer-se que não teria nascido a Arte, produto humano tão pacífico, se os artistas não tivessem nascido lutadores".

O soneto não morre. Nem morrerá, enquanto houver alguém que sinta, que vibre, que viva, enfim.
Sorriso amargo na dor; pranto abençoado na alegria; perfume inebriante de um sonho; vida no sentimento e criação no amor; porta-voz da beleza; mensageiro eloqüente da esperança; lágrima silenciosa da saudade; emanação da forma e do espírito; flor da inteligência e do coração; êxtase sublimado diante da Natureza; canção etérea do pensamento; água cristalina dos olhos de quem ama; ternura de céus coloridos; eternidade que mora no instante de um beijo; sofrimento que se desfaz em rosas; Deus falando pela boca das estrelas; volúpia de olhos chamejantes; asas abertas para o infinito — o soneto sempre subjugou a seus pés o clamor de todas as modas poéticas.
O soneto não morre. E se, por acaso, morresse numa noite trevosa, ressuscitaria, certamente, horas depois, como se fosse o próprio Sol! O Sol da Poesia...







(Das páginas 97 a 99 de "O Mundo Maravilhoso do Soneto", de Vasco de Castro Lima)





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