O Simbolismo

A nova escola, que pregava a poesia-música e combatia o verso torturado dos parnasianos, veio com este ideal: exprimir os pensamentos e estados de alma através de objetos evocativos, através de símbolos. Tal como na França, formou-se, no Brasil, significando uma reação ao objetivismo dos parnasianos, essa corrente de tendências espiritualistas.

Os primeiros passos do Simbolismo, em nosso país, foram ensaiados, em 1891, no Rio de Janeiro, por um grupo de rapazes, na "Folha Popular", tomando por emblema um fauno; e, logo depois, em 1895, no Paraná, com a fundação da revista "O Cenáculo".

Na "Folha Popular", o grupo era encabeçado por B. Lopes, Emiliano Perneta, Oscar Rosas e Cruz e Sousa, que tomaram conhecimento de publicações francesas remetidas a Medeiros e Albuquerque por um amigo particular residente em Paris. E no "O Cenáculo", o movimento se esboçou por iniciativa de Dario Veloso, Emiliano Perneta, Júlio Perneta, Silveira Neto e outros, informados por João Itiberê da Cunha, que estudara na Bélgica, onde participou do movimento renovador local, ao lado de Maeterlinck e Verhaeren. Itiberê escreveu sonetos em francês.

Foi, porém, a publicação, em 1893, dos livros "Broquéis" (poesia) e "Missal" (prosa), de Cruz e Sousa, que marcou, de fato, o início do grande acontecimento do Simbolismo, em nosso meio literário.
Cruz e Sousa não foi o anunciador, o teorista do Simbolismo, mas, sem dúvida, o valor mais positivo do movimento. O teorista chamou-se Nestor Victor.

Saturnino de Meireles é alguns companheiros fundaram a revista “Rosa Cruz", com um fim exclusivo: cultuar a memória de Cruz e Sousa, o "Poeta Negro", o "Cisne Negro", o "Dante Negro".

Par a par com Cruz e Sousa, podem ser apontados, como importantes organizadores do Simbolismo, Alphonsus de Guimaraens, Emiliano Perneta, Silveira Neto e Nestor Victor.

Em que pese José Veríssimo julgar os simbolistas a turbamulta dos “novos", sem sinceridade, sem crenças, sem gramática, sem instrução e sem bom senso", a verdade é que ele, o simbolismo, acabou por influir, inclusive, sobre os mestres parnasianos. E sua influência se estendeu até a primeira geração dos modernistas.


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Para continuarmos coerentes em nossas pesquisas, preferimos, ainda, adotar a classificação feita por Péricles Eugênio da Silva Ramos, um estudioso culto e dedicado; tanto mais que ele, ao publicar sua antologia da "Poesia Simbolista", rende homenagem a Andrade Muricy, dizendo: — "A história desses agrupamentos está feita por Andrade Muricy, em seu monumental "Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro", básico e indispensável para o estudo da corrente e seus representantes". Eis a classificação dos mais eminentes poetas simbolistas, organizada por Péricles: 

PRECURSORES

Fontoura Xavier, Carvalho Júnior, Teófilo Dias, Venceslau de Queirós, Medeiros e Albuquerque.



“GRUPO DA "FOLHA POPULAR" (1891)

Cruz e Sousa, B. Lopes, Emiliano Perneta e Oscar Rosas. B. Lopes, classificado por Péricles entre os parnasianos, não se acomodou exclusivamente naquela Escola. Figura, outrossim, entre os maiores simbolistas, salientando-se como um dos mais célebres colaboradores da "Folha Popular", ao lado de Cruz e Sousa. As produções que selecionamos na obra de B. Lopes aparecem, como vimos, no capítulo dos parnasianos.



O MOVIMENTO NO RIO DE JANEIRO

Primeira geração simbolista
 Figuras isoladas: Figueiredo Pimentel, Tristão da Cunha, Orlando Teixeira e Guerra Duval. Livre-atirador do simbolismo, este último foi um precursor da poesia de Filipe d'Oliveira, Eduardo Guimaraens e Álvaro Moreyra.


 Grupo da Revista "Rosa Cruz" (1901): Saturnino Meireles, Félix Pacheco, Castro Menezes, C. Tavares Bastos, Carlos D. Fernandes, Pereira da Silva, Gonçalo Jácome.

 Ligados ao Grupo de Nestor Victor: Gustavo, Santiago (ao qual se juntaram Colatino Barroso, Oliveira Gomes, Antônio Austregésilo, Neto Machado, Carlos Fróis, Artur de Miranda e Silveira Neto).

 Grupo do "Fon-Fon" (1908): Mário Pederneiras, e de que também participaram Gonzaga Duque e Lima Campos.
 Em torno dessa revista famosa "se agrupariam os últimos simbolistas, no segundo decênio do século, inclusive alguns que viriam a ter situação no Modernismo, como os gaúchos Álvaro Moreyra e Filipe d'Oliveira; Eduardo Guimaraens teria sido desse grupo, em sua permanência no Rio". É novamente Péricles quem escreve: "O simbolismo desses gaúchos quadraria com o praticado pelos intimistas ou penumbristas, amigos da mansidão e deliqüescência de Rodenbach e Samain, como Raul de Leoni, Ronald de Carvalho, Ribeiro Couto, Rodrigo Otávio Filho, Onestaldo de Pennafort, Cecília Meireles. Nessa última geração, vários se fariam modernistas — e modernistas de primeiríssima hora, como Ronald de Carvalho, que teve importância até na deflagração do modernismo português, e Ribeiro Couto — ambos promotores da Semana de Arte Moderna".
 Este Grupo do "Fon-Fon", sem dúvida, foi o mais importante em relação à qualidade da poesia, em que pese haver tido o da "Rosa Cruz" um "papel de relevo na consolidação do novo credo artístico".


Segunda geração simbolista
 Hermes Fontes (que se havia fixado no Rio de Janeiro), Gilka Machado, Ernani Rosas (filho de Oscar Rosas), Raul de Leoni, Onestaldo de Pennafort e Rodrigo Otávio Filho. Segundo Muricy, "Ernani Rosas prenuncia o surrealismo em seus versos de 1916-1918".



SÃO PAULO E MINAS GERAIS

Francisca Júlia ("que deixou nome no Parnasianismo, mas cuja diretriz final foi simbólica, moralizante e esotérica, e que já compunha versos nefelibatas desde 1892, pelo menos. Suas produções estão incluídas no capítulo anterior, entre os parnasianos"); Batista Cepelos; Carvalho Aranha; Alphonsus de Guimaraens ("a grande figura do grupo paulista-mineiro e uma das maiores de todo o simbolismo brasileiro"); Álvaro Viana; Antônio de Godói; José Severiano de Resende.

Ao escrever sobre o grupo de São Paulo e Minas Gerais, Péricles adiciona, em nota de rodapé: "Figuras importantes pela ação foram, ainda, Adolfo Araújo, que não deixou obra coligida, e José de Freitas Vale (Jacques d'Avray), que escreveu em francês. Júlio Cesar da Silva e Amadeu Amaral ficarão mais bem situados no Neoparnasianismo".


PARANÁ

Domingos do Nascimento (possível precursor), Dario Veloso, Silveira Neto (também do Grupo de Nestor Victor), Euclides Bandeira e José Gelbcke. Não se pode esquecer que Emiliano Perneta, além de pertencer ao grupo da "Folha Popular", foi um dos fundadores do grupo do Paraná, ajudando o surgimento de "O Cenáculo".



RIO GRANDE DO SUL

Marcelo Gama, Eduardo Guimaraens, Homero Prates e Alceu Wamosy. Zeferino Brasil, embora tenha sido o poeta de maior renome do parnasianismo do sul do país, foi, também, simbolista. Péricles preferiu incluí-lo entre os parnasianos e, assim, as produções que dele transcrevemos encontram-se naquele capítulo. Entre os simbolistas gaúchos, pode, igualmente, ser arrolado Guerra Duval, "o criador de nosso verso livre, e não simplesmente assimétrico, como o de Mário Pederneiras e vários outros poetas". Ficou, atrás, incluso no movimento carioca, porque morava no Rio em 1900, ao publicar seu livro, aliás impresso em Bruxelas.



BAHIA

Francisco Mangabeira, Pethion de Villar (também poeta parnasiano), Durval de Morais, Artur de Sales e Pedro Kilkerry (segundo Muricy, "a figura mais singular do movimento baiano").



NORTE E NORDESTE

Henrique Castriciano, Jonas da Silva, José de Flexa Ribeiro, Maranhão Sobrinho, Da Costa e Silva, Augusto dos Anjos. (Maranhão Sobrinho, chefe do movimento "Padaria Espiritual", do Ceará, tinha a seu lado Antônio Sales e Lívio Barreto. Cunha Mendes se fixou em São Paulo.)


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Péricles Eugênio da Silva Ramos fez, assim, uma apresentação deveras apreciável dos diversos grupos de simbolistas, acrescentando comentários sobre sua movimentação em todas as regiões do país. Explica-se: Péricles timbrou em apontar os nomes de maior evidência, ou seja, aqueles que, a seu ver, mais se destacaram nestas específicas atividades literárias, embora reconheça que deixou de citar inúmeros outros valores. De sua parte, Muricy não organizou uma seleção, mas, praticamente, incluiu, em sua magnífica obra, todos os poetas que pôde juntar, recorrendo, mesmo, em alguns casos, até às famílias daqueles que não publicaram livros, ou daqueles cujas obras se perderam, ou não chegaram ao conhecimento do público.
Ambos, escritores, ensaístas e guardiães da Poesia; ambos, profundos conhecedores da verdadeira Arte, como demonstraram em seus magníficos trabalhos de alta literatura; ambos estão de parabéns pelo que fizeram, devotadamente, em termos de Simbolismo, escola tão grande como as que mais o tenham sido.

Se defeitos teve, o Simbolismo brasileiro legou, entretanto, uma honra digna de lembrança, dentre muitas outras: não foi uma escola desatinada, intransigente ou enraivecida, em sua carreira tão breve quanto profícua. Não fechou, nem fecharia, mesmo que forças tivesse para isso, o caminho do Parnasianismo. E, quanto ao caminho do Modernismo, até que o facilitou. Diríamos que, atuando elegantemente, chegou, deu um belo recado poético e despediu-se, deixando, na marca de seu impulso cronológico, um monumento de luz que jamais haverá de extinguir-se.


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São de Péricles Eugênio da Silva Ramos estas palavras: "Tanto simbolismo como parnasianismo nasceram no Brasil confusamente, como resultado das aspirações daquela "nova geração" estudada por Machado de Assis e que não sabia ao certo o que queria, a não ser que não queria ser romântica".

E mais: “Prolongou-se o Simbolismo até o advento do Modernismo em 1922, sem nenhum motivo". (....) "Desse modo, surgem em nossa coletânea alguns poetas que às vezes são apresentados como  “pré-modernistas": Augusto dos Anjos, Gilka Machado, Raul de Leoni e outros, todos de nítidos característicos simbolistas".(....) “Pré-Modernismo”  não é movimento nenhum, não é anunciação, não ir é nada senão indefinição crítica. O que houve antes de 1922 foi, por um lado, o próprio Simbolismo, e por outro o Parnasianismo (e o Neoparnasianismo, para aqueles poetas parnasianos que estrearam posteriormente ao advento do Simbolismo)".


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A última escola tradicionalista, o Simbolismo, teve morte "oficial”, no Brasil, em 1922, quando veio o Modernismo.

E daí? Daí, o Soneto continuou sua trajetória brilhante, apenas tomando cuidado para não pisar nos espinhos traiçoeiros.

O Soneto nada tinha a temer, quando se postou à sua frente mais um “novo” movimento procurando embargar-lhe os passos. Já enfrentara muitos outros, com desdenhosa tranqüilidade.

O “modernismo” era, apenas, mais um grito de rebeldia que, melancolicamente, ecoava no espaço, perdendo-se com o próprio eco.

Sem fazer qualquer pausa importante, em 1922, a Poesia continuou a mesma, e os sonetistas, alheios a filiações literárias, e até mesmo à margem delas, prosseguiram e prosseguem escrevendo sonetos.
E o Soneto permanece de pé, digno, respeitoso, diante do altar da Beleza, e, como de outras vezes,  indiferente àqueles que dele se aproximaram, ou se aproximam, com o baldado intento de mudar o imutável... Mas isso é assunto para outro capítulo.

O que vamos fazer é mostrar, nas páginas seguintes, sonetos dos principais poetas, inclusive precursores do movimento, sonetos que refletem uma imagem fiel da vida simbolista no Brasil.

Por oportuno, e dando uma espécie de satisfação a Péricles, esclarecemos que, além de composições dos poetas alistados pelo ensaísta, oferecemos aos leitores, até por um dever de ofício, alguns sonetos dos poetas, por igual simbolistas, Auta de Souza, Azevedo Cruz, Emílio Kemp, Archangelus de Guimaraens, Mamede de Oliveira, Max de Vasconcelos, Astério de Campos, José Maria Leoni,  Virgílio Brígido Filho e Moacir de Almeida, todos talentosos colaboradores da escola, e cuja inclusão nos parece justa. À exceção de Auta de Sousa e Moacir de Almeida, figuram no “Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro", de Andrade Muricy.
Poderíamos colocar, aqui, Murilo Araújo, um simbolista que entusiasmou ao próprio Nestor Victor, quando, em 1917, publicou seu livro de estréia, "Carrilhões".

É verdade que se aliou ao Modernismo. Também e verdade que, depois, perdeu grande porção de seu interesse pelo movimento.
Em homenagem, porém, ao seu esforço em prol da criação de uma poesia nova, resolvemos inseri-lo no capítulo seguinte, dedicado aos modernistas. Afinal, ele muito contribuiu para a fundação da revista "Festa". Estava lutando por um ideal que julgava predestinado ao sucesso.



Fontoura Xavier (Antônio Fontoura Xavier) gaúcho, falecido em Lisboa (1856-1922), poeta socialista, republicano e abolicionista. Em 1876, Fontoura já escrevia sonetos de gosto baudelairiano, novidade no Brasil, como "Nevrose" e "Pomo do Mal".

Estudou Direito no Rio e em São Paulo, tendo sido companheiro de quarto de Teófilo Dias, na capital paulista. Foi Diplomata. Seu soneto "Estudo anatômico" é um dos mais divulgados da literatura brasileira. Está incluído no capítulo deste livro, "Os sonetos brasileiros mais populares".

O soneto "Flor da Decadência", que relacionamos, segundo Péricles, "talvez seja o primeiro documento voluntário da corrente, em nosso país":

Sou como o guardião dos tempos do mosteiro!
Na tumular mudez de um povo que descansa,
as criações do Sonho, os fetos da Esperança 
repousam no meu seio o sono derradeiro.

De quando em vez eu ouço os dobres do sineiro:
é mais uma ilusão, um féretro que avança...  
Dizem-me — Deus... Jesus... outra palavra mansa, 
depois um som cavado — a enxada do coveiro!

Minha alma, como o monge à sombra das clausuras, 
passa na solidão do pó das sepulturas
a desfiar a dor no pranto da demência.

— E é de cogitar insano nessas cousas,
é da supuração medonha —  dessas lousas
que medra em nós o tédio — a flor da decadência!


Também é de Fontoura Xavier este soneto, "A mulher do Palhaço":

Eu ando triste, mudo, atrabiliário;
persegue-me a visão de um sonho vago...
Tenho as tristezas tétricas de Mário
e as solidões sinistras de Cartago.

Nem saiba o mundo! Tábido sudário
envolva-me a paixão que em mente afago;
vai em meio caminho do Calvário
e desconheço a cruz que aos ombros trago!

Desconfio de alguém; de longa data
conto entre as minhas relações ignotas
a graça escultural de uma acrobata...

Muita vez à saída dei-lhe o braço.
E ainda tenho na mente as cambalhotas
ela dava na ausência do Palhaço!...




Carvalho Júnior (Francisco Antônio de Carvalho Júnior), nascido e falecido no Rio de Janeiro (1855-1879). Foi um dos precursores do Simbolismo no Brasil. Muitos de seus sonetos tinham a intenção de escandalizar e profanar. Em um deles, "Antropofagia”, os desejos carnais eram "como um bando voraz de lúgubres jumentas".

Diante dos leitores, um outro, menos excitante, menos profano, embora com as tintas berrantes do realismo:

Quando, pela manhã, contemplo-te abatida, 
amortecido o olhar e a face descorada,
imersa em languidez profunda, indefinida,
o lábio ressequido e a pálpebra azulada,

relembro as impressões da noite consumida
na lúbrica expansão, na febre alucinada,
do gozo sensual, frenético, homicida,
como a lâmina aguda e fria de uma espada.

E ao ver em derredor o grande desalinho
das roupas pelo chão, dos móveis no caminho,
o "boudoir", enfim, do caos um fiel plágio,

suponho-me um herói da velha antiguidade...
Um marinheiro audaz após a tempestade,
tendo por pedestal os restos de um naufrágio!



Leiam outro soneto de Carvalho Júnior, este fortemente influenciado por Baudelaire, intitulado "Profissão de Fé":

Odeio as virgens pálidas, cloróticas,
belezas de missal que o romantismo
hidrófobo apregoa em peças góticas,
escritas nuns acessos de histerismo.

Sofismas de mulher, ilusões óticas,
raquíticos abortos do lirismo,
sonhos de carne, complexões exóticas,
desfazem-se perante o realismo.

Não servem-me esses vagos ideais
da fina transparência dos cristais;
almas de santa e corpo de alfenim.

Prefiro a exuberância dos contornos,
as belezas da forma, seus adornos,
a saúde, a matéria, a vida, enfim.




Teófilo Dias (Teófilo Odorico Dias de Mesquita), nascido na antiga Província do Maranhão e falecido em São Paulo (1854-1889). Professor, político, jornalista e poeta. Sobrinho de Gonçalves Dias,  Teófilo é considerado, por muitos, entre os quais Raimundo Correia e Alberto de Oliveira, como poeta Parnasiano. Alberto de Oliveira acha que o seu livro "Fanfarras" marca o início do nosso parnasianismo.

Para Sílvio Romero, exageradíssimo, Teófilo formava, com Alberto, Bilac e Raimundo, a áurea "quadra" parnasiana. Em 1884, Teófilo Braga, português, o saúda como parnasiano. Clementino Fraga disse dele: "Embora tentado pela sedução da forma, não foi um parnasiano".

Foi amplamente influenciado por Baudelaire, poeta ao mesmo tempo romântico e parnasiano, e, também, por vezes considerado o primeiro simbolista.
Ele, Teófilo, assim se manifestou: "A principal expressão é a da forma. A mais fina essência perde-se, despercebida e ignorada, quando a encerra um vaso grosseiro. A arte suprema consiste na correspondência exata, na equivalência perfeita, entre a forma e o pensamento. Os artistas dignos desse nobre nome não têm, não conhecem outro ideal".

Entretanto, aceitamos mais a opinião de Péricles Eugênio da Silva Ramos, segundo o qual Teófilo Dias pode ser considerado "tranqüilo precursor" do simbolismo, "pela fluidez de seu ritmo, por seu colorido e, sobretudo, por suas freqüentes aliterações".
E Péricles é mais categórico quando diz: "Nessas condições, a posição de Teófilo Dias é certa: realista de cunho baudelairiano com o vocabulário da época, "decadista" com o rótulo que, "a posteriori", pode ser-lhe aplicado. Excluída, como é óbvio, sua porção "socialista", constante da 2ª parte de "Fanfarras"".

De fato, Teófilo Dias foi sensível à influência de Baudelaire, inclusive traduzindo-o.

Péricles, Manuel Bandeira e a "Delta Larousse" registram 1854 como data do nascimento de Teófilo. Entretanto, em várias outras fontes, como, por exemplo, Laudelino Freire e Lello Universal, encontramos 1857.

Divulgamos  o seu soneto "A nuvem":

Sulcas o ar de um rastro perfumoso
que os nervos me alvoroça e tantaliza,
quando o teu corpo musical desliza
ao hino do teu passo harmonioso.

A pressão do teu lábio saboroso
veste-me na alma um vinho que eletriza,
que os músculos me embebe, e os nectariza,
e afrouxa-os num delíquio langoroso.

E quando junto a mim passas, criança,
revolta a crespa, luxuosa trança,
na espádua arfando em túrbidos negrumes,

naufraga-me a razão em sombra densa,
como se houvera sobre mim suspensa
uma nuvem de cálidos perfumes!




Venceslau de Queirós (Venceslau José de Oliveira Queirós), (1865-1921). Chamado por Ezequiel Freire o "Baudelaire paulistano”, deixou nome, não só como poeta, mas, também, como crítico literário e de arte. Advogado, professor, jornalista e político.

Missa de Amor" foi um soneto seu, que alcançou boa repercussão na época:

Sobre o teu branco ventre cor de leite,
— alucinante mármore da Paros —
canto, ó meu sonho, a missa do deleite,
eu, o ministro de teus sonhos raros.

Lubrificam-te os olhos, como o azeite
da lâmpada de um templo, os estos claros
da volúpia... ai, assim, amo-te, amei-te,
altar ungido de meus beijos caros.

Vamos! que as hóstias brancas do teu seio,
trêmulas, saltem da camisa, louca...
Que o cálix seja tua boca langue...

De joelhos, presto! a missa vai em meio...
— Pode o beijo cantar na tua boca!
— Pode romper a orquestra do teu sangue!



Medeiros e Albuquerque (José Joaquim de Campos da Costa Medeiros e Albuquerque), nascido na antiga Província de Pernambuco e falecido no Rio de Janeiro (1867-1934). Foi, segundo Andrade Muricy, "o primeiro introdutor do simbolismo no Brasil, vulgarizando o movimento simbolista europeu, pela imprensa, e dando o exemplo, como poeta". E acrescenta: "O seu livro "Canções da Decadência" é o pioneiro da bibliografia simbolista brasileira. A sua "Proclamação Decadente", do volume "Pecados", precedeu o poema-manifesto "A Arte", de Cruz e Sousa".

Jornalista, crítico, Deputado e Senador, abolicionista e republicano. É o autor da letra do "Hino da República Federal Brasileira": "Seja um pálio de luz desdobrado..." etc.

O seu soneto "O remorso":

O Deus que, num momento de loucura,
criou a Terra e fez nascer a Vida,
ao ver a obra de suas mãos saída,
tão má, tão imperfeita, tão impura:

ao sentir como em cada criatura
existe sempre a queixa dolorida
de um sofrer, uma angústia, uma ferida,
que a punge, que a magoa ou que a tortura:

e ao ouvir como a dor de cada peito
soluçava no ar tristonho e baço,
— viu que o que tinha feito era mal feito.

E com remorso, como um criminoso,
teve medo de um céu tão tenebroso,
e acendeu as estrelas pelo espaço.


Medeiros e Albuquerque é, também, o autor deste soneto, "Ilusões":

Velas fugindo pelo mar em fora...
Velas... pontos — depois... depois, vazia
a curva azul do mar, onde, sonora,
canta do vento a triste salmodia.

Partem pálidas, brancas... Vem a aurora
e vem a noite após, muda e sombria...
E, se em porto distante a frota ancora,
É para andar de novo no outro dia...

Assim, as ilusões. Chegam, garbosas,
palpitam sonhos, desabrocham rosas
na esteira azul das peregrinas frotas...

Chegam... Ancoram na alma um só momento:
logo as velas abrindo, amplas, ao vento,
vão para os longes das regiões remotas.




Cruz e Sousa (João da Cruz e Sousa) nasceu filho de escravos na antiga Província de Santa Catarina (1861-1898). Mas, teve uma infância muito feliz, criado e educado pelo Marechal-de-Campo Xavier de Sousa, de quem herdou o nome de família. Recebeu boa instrução secundária. Mortos seus protetores, começou uma vida crivada de sofrimentos.

De certa forma, foi-lhe de enorme vantagem o convívio que teve com Nestor Victor, cuja cultura e grande admiração pelo poeta ensejaram o amadurecimento do "Cisne Negro", ou do "Dante Negro”.

Ele e sua família sofreram privações inenarráveis, terminando por morrer tuberculoso e na miséria. A doença se declarara em 1897.

Cruz e Sousa, no Brasil, fez-se o nome mais importante do Simbolismo,  não obstante ter vivido, como lembra Afrânio Peixoto, “entre a loucura da esposa e a tuberculose de todo o lar".

A cor branca foi a sua obsessão e morreu aspirando a Beleza, que se constituiu, para ele, um sonho inatingível.

Roger Bastide, um professor francês, da Universidade de São Paulo, em seu livro "A Poesia Afro-Brasileira", comparou-o a Mallarmé e Stefan George, afirmando que os três grandes poetas formam “a grande tríade harmoniosa" do simbolismo universal. E Ventura Garcia Calderón, notável intelectual peruano, dizia ser Cruz e Sousa “o maior poeta sul-americano".

Em seu “discurso de recepção" (14.8.1913), Félix Pacheco, na Academia Brasileira de Letras, fez um elogio a Cruz e Sousa. Dom Manuel Cerejeira,  Cardeal Patriarca de Lisboa, considera Cruz e Sousa “dos  fautores principais da renovação espiritualista da poesia brasileira”.

Foi, inegavelmente, o chefe da escola simbolista no Brasil — alma insatisfeita e sofredora, coração transbordante de ceticismo e melancolia; e o primeiro negro puro que se revelou de maneira marcante nas nossas letras.

Pelos seus amigos e correligionários, era descrito como "um negro de pequena estatura, bem preto, olhos bonitos e acesos, dentes belíssimos e alvos, rosto cheio e oval, feições e organismo delicados, bigode regular, meio corcunda, austero de costumes, puro, casto, palavra fácil e quente, vibrando incessantemente ao sopro de infinitas agitações...”

Seu livro "Broquéis" (1893) "inaugurou oficialmente o simbolismo no Brasil". Em 1895, recebeu a visita de Alphonsus de Guimaraens, jovem ainda, que veio ao Rio especialmente para conhecer o extraordinário poeta, "a quem preferia dentre todos os do Brasil". Conforme ele próprio veio a escrever depois, na edição de 16 de outubro de 1904, do jornal "Conceição do Serro".

De início, o seu "Cárcere das almas":

Ah! Toda a alma num cárcere anda presa,
soluçando nas trevas, entre as grades
do calabouço, olhando imensidades,
mares, estrelas, tardes, natureza.

Tudo se veste de uma igual grandeza
quando a alma entre grilhões as liberdades
sonha e, sonhando, as imortalidades
rasga no etéreo Espaço da Pureza.

Ó almas presas, mudas e fechadas
nas prisões colossais e abandonadas,
da Dor no calabouço, atroz, funéreo!

Nesses silêncios solitários, graves,
que chaveiro do Céu possui as chaves
para abrir-vos as portas do Mistério?!


Cruz e Sousa elevava o seu sofrimento até a purificação, como se vê neste soneto "Triunfo Supremo":

Quem anda pelas lágrimas perdido,
sonâmbulo dos trágicos flagelos,
é quem deixou para sempre esquecido
o mundo e os fúteis ouropéis mais belos!

É quem ficou no mundo redimido,
expurgado dos vícios mais singelos
e disse a tudo o adeus indefinido
e desprendeu-se dos carnais anelos!

É quem entrou por todas as batalhas
as mãos e os pés e o flanco ensangüentando,
amortalhado em todas as mortalhas.

Quem florestas e mares foi rasgando
e entre raios, pedradas e metralhas
ficou gemendo, mas ficou sonhando!

__________
Verso 3 — Decassílabo nas 4ª e 7ª sílabas.



Embora terríveis, as privações sofridas eram atenuadas pela dedicação heroica de sua mulher Gavita, também preta. Conseguira o ínfimo  emprego de praticante da Estrada de Ferro Central do Brasil, sendo promovido, logo depois, a arquivista (1894).

A mulher tuberculosa, e ele próprio tuberculoso, os padecimentos se agravaram barbaramente, tanto mais que precisava estender literários até alta madrugada.

Buscando tratar da saúde tão abalada, viajou para a estação de Sítio, no Estado de Minas Gerais. Lá, chegou no dia 18 de março de 1898 e faleceu logo no dia seguinte, segundo Andrade

Na manhã de 20 de março, seu corpo chegou à estação de D. Pedro II, no Rio, num vagão destinado ao transporte de cavalos, um “horse-box”. Seus despojos, "ainda não colocados no esquife”, foram recebidos por Nestor Victor, Maurício Jubim, Tibúrcio de Freitas e Carlos D. Fernandes. E é este último quem descreve a cena trágica, chocante, quase inacreditável, no seu romance “Fretana”:
— “Ali estava inanimado, empoeirado e mísero, aquele dínamo de requintadas sensações, que, já descrente da vitória pelo heroísmo do seu esforço, estendia a mão desfalecida à justiça dos pósteros:

.................................................................
“Já terás para os báratros descido,
pés e faces e mão e olhos gelados;

mas os teus cantos e visões e poemas
pelo alto ficarão de eras supremas,
nos  relevos do sol eternizados".

“Somente os quatro amigos, sensibilizados, chorosos, inconsoláveis compareceram à Central, para receber os despojos estremecidos. Tíbúrcio, Jubim, Frederico (que não era outro senão o próprio Carlos D. Fernandes, autor e personagem do livro "Fretana") e Nestor acorreram, solícitos, ao cumprimento do cruciante dever.

Foi uma surpresa que a todos colheu e consternou, quando estavam justamente no limiar de uma grata expectativa. O trem parou, os passageiros, despreocupados, desceram; foi mister atingir a cauda do comboio, onde vinha o corpo no chão do carro, sobre uns papéis estendidos à guisa de lençol, sem uma flor, sem uma grinalda, sem uma luz. Foi indescritível a cena de dor desenrolada no "wagon" sem janelas, sem bancos, onde se transportavam muares e bois, para o tráfego e açougues da cidade. No leito sujo, que as bestas conspurcavam, jazia imóvel, pequenino, envolto no seu único terno marrom, o "homem apocalíptico", que tivera sempre um sorriso e um hino para todas as galas da natureza, que cantara a vida, o amor e a morte, com todas as transcendências da sua exaltação iluminada.

Quando estavam todos na perplexidade do enterro, entreolhando-se, aflitos, no esbarro brutal daquela emergência, eis que chega Patrocínio, se curva perante o morto, chama Frederico de parte:
— "Mande fazer o enterro de primeira, por minha conta, e uma harpa de lírios, na Rosenvald".

O sepultamento foi naquela mesma tarde, sem acompanhamento e sem fausto. Raros amigos, alguns curiosos. Sobre o esquife, a harpa de Patrocínio lembrava a jerarquia espiritual do morto, a fidalga gentileza daquele voto de saudade.
Os três habitantes de "O Antro" regressaram do cemitério, desconsolados e fúnebres como se houvessem presenciado aos seus próprios funerais. Quebrara-se o elo forte, que fechava a pequena cadeia. Agora, a vida, sem o Cruz e Sousa, parecia erma, fastidiosa, sem finalidade.

Era o espírito de uma época que se sumia na cova, deixando por imprimir os livros a que se imolara, com tanto desprendimento e tenacidade" — conclui Carlos D. Fernandes.

Sabendo-se das provações por que passou Cruz e Sousa, é forçoso reconhecer-se que este soneto, "Vida obscura", é autobiográfico, sendo, também, um exemplo da mais autêntica poesia simbolista:

Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,
ó ser humilde entre os humildes seres.
Embriagado, tonto dos prazeres,
o mundo para ti foi negro e duro.

Atravessaste no silêncio escuro
a vida presa a trágicos deveres
e chegaste ao saber de altos saberes
tornando-te mais simples e mais puro. 

Ninguém te viu o sentimento inquieto,
Magoado, oculto e aterrador, secreto,
o coração te apunhalou no mundo.

Mas eu que sempre te segui os passos
sei que cruz infernal prendeu-te os braços
e teu suspiro como foi profundo!


Recordemos, do "Diamante Negro", esta página singular, o soneto “A freira morta":

Muda, espectral, entrando as arcarias
da cripta onde ela jaz eternamente
no austero claustro silencioso — a gente
desce com as impressões das cinzas frias...

Pelas negras abóbadas sombrias
donde pende uma lâmpada fulgente,
por entre a frouxa luz triste e dormente
sobem do claustro as sacras sinfonias.

Una paz de sepulcro após se estende...
e no luar da lâmpada que pende
brilham clarões de amores condenados...

Como que vem do túmulo da morta
um gemido de dor que os ares corta,
atravessando os mármores sagrados!


Nunca é demais repetir o seu grande soneto, "Caminho da Glória”:

Este caminho é cor-de-rosa e é de ouro,
estranhos roseirais nele florescem,
folhas augustas, nobres reverdecem
de acanto, mirto e sempiterno louro.

Neste caminho encontra-se o tesouro
Pelo qual tantas almas estremecem;
é por aqui que tantas almas descem
ao divino e fremente sorvedouro.

É por aqui que passam meditando,
que cruzam, descem, trêmulos, sonhando,
neste celeste, límpido caminho,

os seres virginais que vêm da Terra, 
ensangüentados da tremenda guerra,
embebedados do sinistro vinho.


Finalmente, prostremo-nos diante do soneto "Assim seja", que "é um seu retrato, já posto na sua atitude final e definitiva", como diz Andrade Muricy:

Fecha os olhos e morre calmamente!
Morre sereno do Devei cumprido!
Nem o mais leve, nem um só gemido
traia, sequer, o teu Sentir latente.

Morre com a alma leal, clarividente,
da Crença errando no Vergel florido
e o Pensamento pelos céus brandido
como um gládio soberbo e refulgente.

Vai abrindo sacrário por sacrário
do teu Sonho no templo imaginário
na hora glacial da negra Morte imensa...

Morre com o teu Dever! Na alta confiança
de quem triunfou e sabe que descansa, 
desdenhando de toda a Recompensa!


Muitos dos sonetos de Cruz e Sousa tiveram e têm ampla divulgação. Aquele, porém, que é mais conhecido nas camadas do povo é "Acrobata da Dor", incluído no capítulo "Os sonetos brasileiros mais populares", deste livro.




Oscar Rosas (Oscar Rosas Ribeiro), nascido na antiga Província de Santa Catarina e falecido no Rio de Janeiro (1862-1925), foi, pode-se dizer, um dos fundadores do simbolismo no Brasil. Amigo íntimo de Cruz e Sousa, Oscar Rosas, ainda estudante e de poucos recursos, trouxe-o para o Rio em 1888, "num gesto decisivo". O "Cisne Negro", que, na então Capital Federal, vivia "pobre, incompreendido e sem posição", retornou a Santa Catarina no ano seguinte, voltando, porém, para fixar-se aqui em 1890, já então com a ajuda de Emiliano Perneta.

As poesias de Oscar Rosas, segundo lembra Andrade Muricy, "tiveram passageira influência sobre o seu genial companheiro Cruz e Sousa, o que não é título somenos para a sua memória".

O soneto “Visão”:

Tanto brilhava a luz da Lua clara,
que para ti me fui encaminhando.
Murmurava o arvoredo, gotejando
água fresca da chuva que estancara.

Longe de prata semeava a seara...
O teu castelo, à Lua crepitando,
como um solar de vidros formidando,
vi-o como ardentíssima coivara.

Cantigas de cigarra na devesa...
E, pela noite muda, parecia
cantar o coração da natureza.

Foi então que te vi, formosa imagem,
surgir entre roseiras, fria, fria,
como um clarão da Lua na folhagem.




Emiliano Perneta (Emiliano David Perneta), paranaense, advogado e jornalista (1866-1921), na opinião de Andrade Muricy, tinha a poesia mais desconcertante e variada que o simbolismo produziu  entre nós". A respeito de "Músicas", seu primeiro livro (1888), Nestor Victor escreveu que "representavam um sintoma curioso de inquietação literária". E acrescentou: "Emiliano parece que sempre anda com uma banda de música à frente".
Constituiu-se numa das principais figuras da "Folha Popular”. Foi ele quem, a pedido de Virgílio Várzea, facilitou a ida de Cruz e Sousa para o Rio, em 1890, a fim de trabalhar como repórter de jornal. Desta vez, Cruz e Sousa veio fixar-se definitivamente no Rio.

Figura, por certo, entre os maiores poetas da escola. Murilo chamou-lhe "Mistral paranaense". Era o centro de toda a vida intelectual do Paraná, considerado o "príncipe dos poetas”.

Em torno de seu sobrenome, Andrade Muricy escreveu: "Seu pai, Francisco David Antunes, cristão-novo, português, pessoa abastada, era proprietário de uma alfaiataria. De curioso modo de andar, adveio-lhe o apelido "perneta", que adotou finalmente. Sua mãe era brasileira".

Apresentamos o soneto "Ao cair da tarde", a última página por Emiliano Perneta:

Agora nada mais. Tudo silêncio. Tudo,
esses claros jardins com flores de giesta,
esse parque real, esse palácio em festa,
dormindo à sombra de um silêncio surdo e mudo...

Nem rosas, nem luar, nem damas... Não me iludo.
A mocidade aí vem, que ruge e que protesta, 
invasora brutal. E a nós que mais nos resta, 
senão ceder-lhe a espada e o manto de veludo?

Sim, que nos resta mais? Já não fulge e não arde
o sol! E no covil negro deste abandono,
eu sinto o coração tremer como um covarde!

Para que mais viver, folhas tristes do outono? 
Cerra-me os olhos, pois, Senhor. É muito tarde.
São horas de dormir o derradeiro sono.





Figueiredo Pimentel (Alberto Figueiredo Pimentel), nascido na antiga Província do Rio de Janeiro e falecido no Rio de Janeiro (1869-1914), foi jornalista e cronista mundano incomparável. Durante muitos anos, desde 1907, manteve, com grande brilho, a seção "Binóculo", criada por ele, na "Gazeta de Notícias". Era uma seção de vivacidade incrível, que chegou a revolucionar a sociedade carioca, inclusive acabando com a sua pacatez provinciana. Como Petrônio, era chamado o "árbitro das elegâncias".

Participou da primeira camada simbolista, militando entre os poetas de vanguarda do movimento. Correspondia-se com simbolistas franceses.

É dele o soneto "Desânimo":

Já nada tenho do que outrora tive,
e noutros tempos muita coisa eu tinha:
minha Alma, agora, em desespero vive,
vivendo sem viver, triste e sozinha.

Muito sorri e muita dor contive,
para que o Mundo vil não visse a minha
grande e profunda Mágoa. E assim estive,
a viver uma vida bem mesquinha.

Tudo perdi. Na noite do Passado,
apagou-se o fanal que me guiava,
no Céu do meu viver a fulgurar.

Agora, velho, trôpego, cansado,
espero, mas em vão, que da Alma escrava,
venha a Morte os grilhões despedaçar.




Tristão da Cunha (José Maria Leitão da Cunha Filho), nascido e falecido no Rio de Janeiro (1878-1942), redigiu, por proposta de Graça Aranha, na revista francesa "Mercure de France", de 1910 a 1928, a seção relativa às letras brasileiras. Correspondia-se com Samain e Remy de Gourmont. Traduziu, em prosa, para o nosso idioma, o "Hamlet", de Shakespeare.
Foi advogado, jornalista, ensaísta e contista.

Mostramos o seu soneto "Iterum":

Há muito tempo já que eu vou perdendo
os sonhos, um a um, pelo caminho:
— Sangue dum anho ingênuo, cor d'arminho,
de calvário em calvário perecendo...

No alto dum monte, a luz que eu ia vendo,
diante de mim cantando como um ninho,
fria beijou-me o rubro desalinho,
e atrás de mim no escuro foi descendo.

Hoje os olhos se voltam como preces
para as memórias, em que há luas mortas,
e tu, morta, que morta não pareces!

Sobre esta alma de dúvida e agonias
caia a luz desses olhos, dessas portas
onde esperam o sol as almas frias...  




Orlando Teixeira, nascido na antiga Província de São Paulo e falecido em Minas Gerais (1874-1901), jornalista, autor teatral e poeta, viveu e morreu apaixonado pela famosa declamadora e cantora Bebê Lima Castro, então uma menina loira e de olhos pretos. Paixão não correspondida, que inspirou ao poeta sonetos suspirosos e muitas vezes  resignados. "Magnificat", seu único livro, é dedicado “à que nunca será minha".

Péricles acha que ele faleceu em 1902, e não 1901, como quer Muricy. Muricy registra: "Viveu sobretudo no Rio de Janeiro, onde se relacionou nos meios literários, conquistados pela sua vivacidade e  verve, desajudadas por "sua voz roufenha" e "um  físico infeliz”.

Em seguida, o soneto "Azul", cor que o seduziu, como aconteceu com B. Lopes com o verde e a Cruz e Sousa com o branco:


Chapéu azul, vestido azul, de azul bordado,
azuis o pára-sol e as luvas, Senhorita,
como um lótus azul por um deus animado,
passa, toda de azul, por mil bocas bendita.

Há um bálsamo azul nesse azul que palpita
misticismos de um mundo, há muito e em vão, sonhado,
azul que a alma da gente a idolatrá-la incita,
azul-claro, azul suave, azul de céu lavado.

Deixa na rua um rastro azul que cega e prende,
não sei quê de anormal, de fantasma ou de duende, 
que prende os pés ao solo e ao mundo os olhos cerra;

vendo-a, não se vê mais nada que o azul, tonteia...  
Como num sonho azul, logo nos vem à idéia
um pedaço de céu azul passeando a terra.




Saturnino de Meireles (Saturnino Soares de Meireles Filho), nascido e falecido no Rio de Janeiro (1878-1906), amigo e discípulo de Cruz e Sousa. Dedicou-se tanto ao poeta negro e paupérrimo, que reservava, para ele, a quarta parte de seus parcos vencimentos de empregado humilde. Ganhava, apenas, duzentos mil réis por mês. Morto Cruz e Sousa, pagou a edição das "Evocações" e ainda contribuiu para a publicação dos "Faróis". Adquiriu, no Cemitério São Francisco Xavier, o terreno onde se ergue o mausoléu do amigo. E, finalmente, foi um dos fundadores e sustentadores da revista "Rosa Cruz" (1901-1904), cuja finalidade era cultuar a memória de seu ídolo.

Sem dúvida, o chefe desse grupo, um dos mais importantes do movimento simbolista.
O seu único livro, "Astros Mortos", dedicou-o ao "grande mestre e divino amigo".

Dele extraímos o soneto "Tédio":

Tudo se acaba aos nossos olhos perto
numa brancura que de ver nos cansa,
como se então de névoas um deserto
se abrisse assim sem luz nem esperança.

E nessa névoa que nos deixa incerto
e num abismo sem sentir nos lança,
como se o olhar se visse então coberto,
sentimos se apagar nossa lembrança.

Sentimos um torpor indefinido,
um vago sentimento adormecido
como da morte as frias mãos felinas.

E nesse triste desalento infindo
de todo o céu sentimos ir fluindo
neblinas e neblinas e neblinas...




Félix Pacheco (José Félix Alves Pacheco), nascido na antiga Província do Piauí e falecido no Rio de Janeiro (1879-1935). Advogado, jornalista e político. Chegou a Deputado, Senador e Ministro das Relações Exteriores. Fundou o Gabinete de Identificação e Estatística do Distrito Federal, depois Instituto Félix Pacheco.

Pertenceu ao grupo da revista "Rosa Cruz", reconvertendo-se, mais tarde, à estética do parnasianismo. Lembra, porém, Andrade Muricy que "o seu discurso de posse (na Academia Brasileira), e a resposta de Sousa Bandeira, representam as primeiras e calorosas defesa e apologia oficiais do simbolismo brasileiro". Pertenceu à segunda camada dos simbolistas do Brasil.

Seu celebrado soneto, "Estranhas lágrimas" participa do capítulo deste livro, "Os sonetos brasileiros mais populares". 

À apreciação dos leitores, "Perséfone" (esposa de Plutão, que a raptou de Deméter):


Velhos mitos pagãos da Grécia das legendas!
Fantásticas ficções doiradas do Levante!
Perséfone fugiu do báratro distante,
e anda agora a correr outras estranhas sendas!

Estrondam-lhe vulcões na túnica de rendas.
Flamas lambem-lhe os pés, sobem-lhe colo adiante,
mudam-lhe o rosto em fogo, e a cabeça, triunfante,
conserva o resplendor das trevas e das lendas!

Não lhes faleis de amor, que o dela é cega e vário...
Perséfone fugiu dos diabos e do inferno
para vos seduzir... Fechai-lhe o vosso hinário!

Ela não pode amar... Plutão, por mal eterno,
ao corpo ideal lhe deu as chamas por vestuário,
mas na alma infiel lhe pôs toda a algidez do inverno!




Castro Menezes (Álvaro Sá de Castro Menezes), nascido na antiga Província do Rio de Janeiro e falecido no Rio de Janeiro (1883-1920). Jornalista, advogado, professor. Redigiu o artigo-programa da revista "Rosa Cruz" (1901), trabalho que se constituiu num verdadeiro triunfo. Dirigiu a Revista "Souza Cruz", que gozou longos anos de prestígio literário.

Seu soneto "Messalina" tem um conteúdo forte e expressivo:

Anelante, a vagar, ébria como uma escrava,
achou-a um centurião, certa noite, na rua
e ambos, a carne em fogo, enlaçaram-se à lua, 
como um casal de leões numa floresta brava.

Rugem de gozo os dois, sob a incendida lava
do furor que num beijo infindo os extenua, 
deixando-a desgrenhada, exausta, seminua,
mais feliz no atascal do vício que a deprava.

Desde então, a indagar-lhe o nome e o paradeiro, 
mortas horas da noite, o lúbrico guerreiro,
abrasado de amor, no lupanar assoma.

Mas a buscá-la em vão da Urbe no antro impuro
morrerá sem saber que ele, um soldado obscuro, 
possuíra, em plena rua, a Imperatriz de Roma!




C. Tavares Bastos (Cassiano Machado Tavares Bastos), nascido na antiga Província do Rio de Janeiro (em 1883, segundo Péricles, ou em 1885, segundo Muricy). Exerceu inúmeras funções públicas e diplomáticas, tendo falecido no Rio de Janeiro, em 1973.

Tomou parte muito ativa no movimento, sendo bastante chegado a Saturnino de Meireles, Pereira da Silva, Félix Pacheco, Gonçalo Jácome, Carlos D. Fernandes, Castro Menezes, Rocha Pombo, e a quase todos os companheiros do ideal simbolista.

Seu estudo "Como surgiram os Místicos da Rosa-Cruz", publicado no "Jornal do Comércio" de 14 de março de 1937, "é de importância fundamental para a história do simbolismo brasileiro, na sua segunda fase", de acordo com o valioso depoimento de Muricy.

Publicamos o seu soneto "Elevação":

Para os azuis sidérios, poeta, eleva
o teu eterno cíato de prata,
onde o absinto que te queima e mata
faz com que vejas o luar na treva!

E que o teu verso aureolado deva
subir à luz que nele se retrata;
vai, nas Esferas teu amor dilata,
tua alma lá pelas Alturas neva!...

Nos puros longes eterais penetra
altivamente, e sem temor soletra
o alfabeto estelar desse outro mundo...

Que te não percas nesse abismo enorme,
mas entre os anjos e as estrelas dorme,
dorme sonhando num sonhar profundo!...




Carlos D. Fernandes (Carlos Dias Fernandes), nascido na antiga Província da Paraíba e falecido no Rio de Janeiro (1875-1942). Advogado e jornalista, colaborou em inúmeros jornais e em todas as revistas simbolistas. Amicíssimo de Cruz e Sousa, participou do grupo da "Rosa Cruz" e escreveu o romance autobiográfico “Fretana", em que evoca figuras e fatos do simbolismo em nosso país, e em que narra, com palavras profundamente sentidas, os funerais do poeta de "Broquéis". Era um tanto afeito à forma parnasiana.

Em seu soneto "Urbs mea", Péricles Eugênio da Silva Ramos vê reminiscências da "Profissão de Fé" bilaqueana:

Ergue-te, que já vem repontando a alvorada.
Quem trouxe o fado teu, tarde ou nunca descansa.
Eis-te na guerra, sus! alma tantalizada!
Cavalga o teu corcel, pega na tua lança.

Recomeça de novo a intérmina Cruzada,
põe no teu amuleto as asas da Esperança;
beija em face de Deus a cruz da tua espada
e de encontro à legião dos bárbaros avança.

É um assédio! Vês: — Mouros por toda parte;
o Reyno de Aragão dos teus nobres cuidados
presa dos Infiéis... Rompe-se o baluarte;

entra a mourama hostil... Solta ao vento os teus brados
e morre, proclamando o teu Símbolo d'Arte,
na trágica invasão dos muros derrocados.




Pereira da Silva (Antônio Joaquim Pereira da Silva) nasceu na antiga Província da Paraíba e faleceu no Rio de Janeiro (1876-1944). Advogado, jornalista e ferroviário (como Cruz e Sousa e Luís Carlos). Fez parte do grupo da "Rosa Cruz" e foi um dos poucos simbolistas eleitos para a Academia Brasileira de Letras. Excelente poeta, penetrado de suave melancolia. Divergiu do parnasianismo, enchendo seus versos de misticismo e espiritualidade religiosa.

Aqui está o seu soneto "Acédia":

Fitando o mar, que desespero insano,
esquisito desejo netunino
de partir, alijando o meu destino
sobre os perigos múltiplos do oceano!

Mar alto! Céus a todo descortino!...
Como eu me fora — nauta veneziano —
no meu veleiro solto a todo o pano
e  à discrição desse furor divino!

Nem bússola, farol, sextante ou guia,
nada do que não fosse a plenitude
que entre as águas e o céu me envolveria.

Quando, vencida essa derrota rude,
também me visse em plena solitude:
mar alto, céu sem Deus, alma vazia...


Também nos apraz mencionar outro soneto, "Expiação", de Pereira da Silva:

Pondero, à noite, quanto fiz no dia:
o mesmo afã da vida transitória,
banalidades, atos sem valia,
coisas tão vãs que passam na memória.

Então, volvendo a vista merencória
sobre mim mesmo, penso que se expia
a culpa de ter ímpetos de glória
e a glória de ter transes de agonia.

Penso que um mal de origem nos oprime;
penso que a maior dor inda é pequena
para castigo do primeiro crime;

penso... e me sinto, entanto, menos forte
para entregar meu ser, de alma serena,
à beatitude estática da Morte!




Gonçalo Jácome (Gonçalo Casimiro Jácome de Araujo), nascido na antiga Província de Pernambuco e falecido no Rio de Janeiro (1875-1943). Abandonou o curso que fazia na Escola Molotar da Praia Vermelha. "Vivia modestamente, mas inebriado de poesia”, disse Andrade Muricy. Participou do grupo da "Rosa Cruz", cujos companheiros eram, para ele, "invencíveis sonhadores".

Bastante apreciável, o seu soneto "Magnificat":

Aquela a quem relato o meu segredo,
que de lauréis a fronte me entretece,
impalpável visão que no rochedo
dos Prometeus do sonho comparece.

Aquela a quem nas dores intercedo,
que é toda amor, toda desinteresse,
dos céus azuis desceu ao meu degredo
nas invisíveis asas de uma prece.

Aquela... morrerei serenamente,
afogado na linfa do meu pranto,
repetindo o seu nome resplendente.

Aquela... surgirei diante os seus braços,
osculando as estrelas do seu manto,
fora do tempo e fora dos espaços.




Gustavo Santiago — Jornalista e poeta, nasceu no Rio de Janeiro, em 1872, e faleceu na mesma cidade, em data não consignada pelos seus biógrafos Muricy e Péricles, nem pelas demais antologias e enciclopédias que consultamos. Entretanto, em pesquisa feita, na Biblioteca Nacional, do Rio de Janeiro, apuramos que este poeta morreu, em data incerta, depois de 1920, possivelmente em 1921.    Não foi simbolista da primeira hora. Mais tarde, aderiu ao movimento de modo total e absoluto. Figura interessante e sugestiva, era, todavia, uma pessoa simples e encantadora.

No seu tempo corria uma anedota pitoresca, segundo a qual — escreve Elísio de Carvalho — teria o poeta oferecido a alguns íntimos um banquete em que foi servida uma salada de violetas temperada com azeite e vinagre...

Distinguimos o seu soneto “Birds in the night":

Ouço-as à noite, trêmulo-erradias,
pássaros negros! lúcida Saudade!
O silêncio da Altura que as invade,
suavíssimo-serenas Harmonias!

Cítaras, que, através da Imensidade,
o lento ressurgir de épocas frias
vão embalando, brandas e macias,
em acordes de amor e piedade...

Ouço-as, Almas da Sombra, veludosas,
como do Sonho às portas luminosas
a esta Saudade que me faz cantar...

Ouço-as, à noite, cantam! indizíveis,
misteriosos sons intraduzíveis!
Metamorfoses brancas do Luar!




Mário Pederneiras (Mário Veloso Paranhos Pederneiras). Nasceu e morreu no Rio de Janeiro (1868-1915). Foi Jornalista e também o "poeta do lar", cantando suas alegrias e suas amarguras, com arte e emoção.

A atuação desse poeta teve uma importância muito grande na última fase do simbolismo. A seu respeito, escreveu Manuel Bandeira que... "é essa mistura de simplicidade e preciosismo que dá cunho muito pessoal à sua poesia". E, segundo Péricles, "Mário Pederneiras, com sua dição despojada, facilitou o caminho para a eclosão, bem posterior, do modernismo".

Muricy escreveu: "No seu feitio predominante (o dos últimos livros), esse notável poeta fixou distintamente uma das facetas significativas do simbolismo brasileiro, e estabeleceu uma das mais decisivas pontes de ligação com aspectos estéticos da fase seguinte, que antecedeu e preparou a do modernismo. Entre os primeiros introdutores, na nossa poética, do verso livre, que cultivou com fino senso de harmonia, mas não ousou suprimir a rima".

Ronald de Carvalho assim se manifestou: "Mário Pederneiras é um poeta ainda mal julgado, especialmente se levarmos em conta a impressão deixada por sua poesia na das novas gerações. Dos poetas do seu tempo, é ele o mais pessoal, o mais humano, o mais duradouro".

E Rodrigo Otávio Filho, depois de dizer que Mário Pederneiras foi "o mais moderno poeta do seu tempo", escreveu: "Em torno de Mário Pederneiras, em sua casa, na redação de "Fon-Fon", onde ele estivesse, era o ponto de convergência dos novos poetas. Naquele tempo (entre 1910 e 1915), os versos de Mallarmé, Verlaine, Laforgue, Samain, Rodenbach, emocionavam mais os jovens poetas brasileiros do que o pôr-do-sol na baía da Guanabara..."

Álvaro Moreyra escreveu: "A gente moça quer bem a esse poeta. Nem outra glória ambicionou ele".


No capítulo deste livro, "Os sonetos brasileiros mais populares”, incluímos o seu apreciadíssimo "Suave caminho". E, adiante, oferecemos o não menos apreciado "Meu casal":

Fica distante da cidade e em frente
à remansosa paz de uma enseada,
esta, dos meus, romântica morada,
que olha de cheio para o Sol nascente.

Árvores dão-lhe a sombra desejada
pela calma feição de minha gente,
e ela toda se ajusta ao tom dolente
das cantigas que o Mar lhe chora à entrada.

Lá dentro o teu olhar de calmos brilhos,
todo o meu bem e todo o meu empenho,
e a sonora alegria de meus filhos.

Outros que tenham com mais luxo o lar,
que a mim me basta, Flor, o que aqui tenho:
— Árvores, filhos, teu amor e o mar.


Ofertamos, por fim, outro soneto bem característico de sua poética inigualável.

Chama-se "Desolação":

Pela Estrada da Vida ampla — coberta
de um longo velo pesaroso e baço,
hás de encontrá-la muita vez alerta
na longa rota do teu longo passo.

Por caminhos de pedras e sargaço
há de levar-te pela mão incerta,
até que, exausto em Mágoas e Cansaço,
te seja a Vida intérmina e deserta.

Verás em tudo Solidão e Escolhos
e da Tristeza a tétrica figura
estampada trarás nos próprios olhos.

E então, em Mágoas e Pavor clamando,
hás de vê-la passar na Noite escura
a mortalha dos sonhos arrastando.




Hermes Fontes (Hermes Floro Bartolomeu Martins de Araujo Fontes), sergipano (1888-1930), filho de humilde lavrador e órfão de mãe, ainda bem criança, revelou seu extraordinário talento muito precocemente.

Impressionado com o menino-gênio, o ex-Presidente do Estado de Sergipe e então Senador Federal, Martinho Garcez, trouxe-o para o Rio de Janeiro, quando tinha nove anos de idade. Amparado pelo seu protetor, fez curso de Direito, mas se dedicou à carreira burocrática, classificando-se em primeiro lugar em concurso a que se submeteu para os Correios e Telégrafos. Continuou como funcionário do Ministério da Viação até o fim de sua vida. Também militou no jornalismo, onde sempre se mostrou brilhante.

Esse poeta foi autor de vários livros de grande sucesso: "Apoteoses" se constituiu, em 1908, na mais ruidosa e esplêndida estréia de um livro de versos no Brasil, em todos os tempos. O poder verbal e o ardor de sua imaginação privilegiada tomaram de assalto o país.

O poeta, porém, mais tarde, resolveu depurar o seu gosto, passou a proporcionar ao próprio estro uma sobriedade bem diferente daquele "fausto oratório" de "Apoteoses" e de parte de "Gênese", segundo observação de Andrade Muricy.

Alceu Amoroso Lima registra, com acerto, que Hermes Fontes deixou "no seu último volume, "A Fonte da Mata", um testemunho tocante de evolução no sentido da simplicidade".

Péricles Eugênio da Silva Ramos lembra que "sua expressão tornou-se mais simples, sofrida, triste e resignada, às vezes cortada de agouros".
Seu drama conjugal e algumas desilusões de ordem política e particular acabaram por levá-lo ao suicídio. Matou-se, com um tiro no peito, na época do Natal de 1930 (26 de dezembro), no Rio de janeiro.

Foi um simbolista, notando-se, entretanto, que, em sua poesia, não deixou, também, de ser um romântico e um parnasiano.

Humberto de Campos assim resumiu o sofrimento e a predestinação de Hermes Fontes: — "A mão divina deu-lhe, desde o berço, tudo o que era preciso para ser desgraçado: roubou-lhe o carinho materno; pôs-lhe à boca o pão alheio dado por esmola; tapou-lhe o ouvido, fazendo-o surdo; obliterou-lhe a garganta, tornando-o meio gago; e, como se essas infelicidades fossem poucas, fê-lo poeta". João Ribeiro — segundo Jayme de Barros — considerou mesmo a imaginação verbal de Hermes Fontes mais poderosa que a de todos os parnasianos e o achou muito mais perfeito que Castro Alves".
Hoje é um poeta quase esquecido, injustamente. No capítulo "Os sonetos brasileiros mais populares", deste livro, estão transcritos os seus sonetos "Solenemente" e " Buena-dicha".

No prefácio da 2ª edição (1915) de seu livro de estréia, Hermes Fontes diz que o elaborara entre os 14 e os 18 anos de idade, "livro de adolescência, quase de infância". Acrescenta, no mesmo  prefácio: "Em “Apoteoses" há um moço deslumbrado pela Natureza e pela Vida. Por isso que é um livro de entusiasmos, é um livro de exagerações".

Seu soneto “Exortação” foi extraído de "Apoteoses":

Noite... silêncio... paz... calma... sossego... inércia...
Noite quer dizer sono e quer dizer loucura:
aquele — exerce-o o corpo em tréguas; esta, exerce-a
a alma boêmia, a alma-louca, a alma leviana e impura.

Noite: estrelas e luar... colméia astral . . . Disperse-a
o sol — o caçador desalmado da Altura,
e as estrelas virão, novamente à solércia,
à atividade, à lei que as harmoniza e apura.

Noite — árvore de sóis, hospitaleira e boa!
Oásis de redenção — para as consciências presas 
pelo Amor e que o Amor povoa e despovoa!

Noite: as estrelas são como chagas acesas...
Noite — viúva do Sol — acolhe-me e perdoa
minhas divagações e minhas incertezas...


Mas, se Hermes Fontes foi, a princípio, o poeta das rimas bizarras, se ele foi um escultor habilíssimo do verso, soube ser, também, sempre e sempre, um poeta simples, meigo, comovente, como, por exemplo, neste soneto "Mãe":

Para dizer quem foi a minha mãe, não acho
uma palavra própria, um pensamento bom.
Diógenes — busco-o em vão: falta-me a luz de um facho,
— se acho som, falta a luz; se acho a luz, falta o som!

Teu nome — ó minha mãe — tem o sabor de um cacho
de uvas diáfanas, cor de ouro e pérola, com
polpa de beijos de anjo...  Ouvi-lo é ouvir um riacho
merencório, a rezar, no seu eterno tom... 

Minha mãe! minha mãe! eu não fui qual devera!
Morreste e não bebi em teus lábios de cera
a doçura que as mães, inda mortas, contêm...

Ao pé de nossas mães — todos nós somos crentes...
Um filho que tem mãe — tem todos os parentes...  
— E eu não tenho por mim, ó minha mãe, ninguém!



Hermes Fontes tinha grande domínio da palavra poética e seus versos são ricos de beleza.

Como no soneto "Transviver", de seu livro "A Fonte da Mata":

Eu, decerto, a esqueci... Meu sonho, entanto,
jamais a esquecerá. Ela é o motivo
das horas que revivo e em que transvivo
pela imaginação o extinto encanto.

Escolho um astro no Estelário: e, enquanto
o astro esplende nos céus, eu penso, e vivo
nesse longo silêncio evocativo
do pensamento, as coisas que descanto.

Algum dia, quem sabe? hei de revê-la,
não para perturbá-la, ou possuí-la,
que é um crime perturbar a luz da estrela.

Mas, para, vendo-a, ver, um só momento,
o contraste de sua luz tranqüila
com a chama inquieta do meu sofrimento...


Reproduzimos, finalmente, o soneto "Arquejo", publicado oito anos antes de sua morte e que, estranhamente, já era um prenúncio terrível de seu fim tão trágico:

Comoção de Minha Alma iluminada...
Maturidade esplêndida do Amor...
... Para quê? É-me inútil a escalada
e já descri de ser o vencedor...

Desfeito o altar, por que manter a escada?
Meu destino é de chamas e esplendor,
mas olho em derredor, não vejo nada,
senão a minha Sombra e a minha Dor!

A minha Dor — essa imortal ruína;
a minha Sombra — essa espiã divina,
e a minha Solidão, em torno a mim:

e esta desilusão, e esta saudade,
e esta mentira de celebridade,
e este cansaço de esperar o fim...





Gilka Machado (Gilka da Costa Melo Machado) nasceu e faleceu no Rio de Janeiro (1893-1980). Sem dúvida, a maior figura feminina do Simbolismo, entre nós; e, em concurso promovido pela revista "O Malho", foi proclamada, em 1933, "a maior poetisa do Brasil".

Seu livro de versos "Cristais Partidos" foi aquele que, depois de “Apoteoses", de Hermes Fontes, obteve, em termos de estréia, o mais retumbante sucesso. "Como houvesse publicado um livro com o título de "Mulher Nua", e, antes disso, alguns versos mais ou menos "ousados", segundo os preconceitos do meio e da época. Gilka Machado — observa Péricles — teve associado a seu nome, por um certo período, um rumor de escândalo".

Educada entre artistas, Gilka Machado casou-se, em 1910, com o poeta Rodolfo Machado, falecido em 1923. Do casamento teve dois filhos: Hélio e Eros. Esta é a célebre bailarina Eros Volúsia.

Escreveu poemas de alto lirismo e espiritualidade admirável. Mas, como lembra Medeiros e Albuquerque, nela, "o que predomina é essa nota de sensualidade clamada e proclamada de verso em  verso". Como, por exemplo, neste soneto "Na plena solidão":


Na plena solidão de um amplo descampado,
penso em ti e que tu pensas em mim suponho;
tenho toda a feição de um arbusto isolado,
abstrato o olhar, entregue à delícia de um sonho.

O Vento, sob o céu de brumas carregado,
passa, ora langoroso, ora forte, medonho!
E tanto penso em ti, ó meu ausente amado,
que te sinto no Vento e a ele, feliz, me exponho!

Com carícias brutais e com carícias mansas,
cuido que tu me vens, julgo-me toda tua...
— sou árvore a oscilar, meus cabelos são franças.

E não podes saber do meu gozo violento,
quando me fico, assim, neste ermo, toda nua,
completamente exposta à Volúpia do Vento!



De Gilka Machado queremos assinalar mais este soneto, que é, também, típico de seu estilo:

Embora de teus lábios afastada
(Que importa? — Tua boca está vazia...)
beijo esses beijos com que fui beijada,
beijo teus beijos, numa nova orgia.

Inda conservo a carne deliciada
pela tua carícia que mordia,
que me enflorava a pele, pois, em cada
beijo dos teus uma saudade abria.

Teus beijos absorvi-os, esgotei-os:
guardo-os nas mãos, nos lábios e nos seios,
numa volúpia imorredoura e louca.

Em teus momentos de lubricidade,
beijarás outros lábios, com saudade
dos beijos que roubei de tua boca.




Raul de Leoni (Raul de Leoni Ramos) nasceu no Rio de Janeiro e faleceu em Itaipava (Estado do Rio), atacado pela tuberculose (1895-1926). Bacharel em Direito, diplomata e político, chegando a eleger-se deputado estadual.

Foi o poeta de maior destaque na última fase do simbolismo, e justamente considerado como uma das figuras mais notáveis do soneto brasileiro de todos os tempos.

Jayme de Barros escreveu, a seu respeito: "Espelha-se-lhe nalma o universo. Só o domina o senso da harmonia e da beleza. É livre e vibra na alegria pagã dos sentidos. É livre e poderoso como uma força cósmica".

Parnasianos, simbolistas e até modernistas o têm em alta conta, apreciando-o sem reservas. Não é sem razão que José Schiavo lembra o seguinte: "Seus versos possuem um misto de simbolismo e de modernismo, vazados, contudo, dentro da técnica parnasiana". Sua produção foi escassa, mas de grande valor.

Conta Agripino Grieco que, tendo sido nomeado segundo secretário da Legação do Brasil em Havana, Raul de Leoni embarcou para Cuba... mas retornou de Salvador, Bahia, porque "ficou com saudades de sua gente".

Observa muito bem Andrade Muricy que Leoni tinha "uma poesia impregnada de pensamento, de grande pureza de expressão, os elementos plásticos e sensuais subordinados a um gosto de lídima latinidade". E mais: "Ele exemplifica superiormente a irradiação do simbolismo". Ao próprio Muricy declarou Alberto de Oliveira: "Raul de Leoni é o maior de vocês todos. Li o seu livro, agora, em Petrópolis, e é extraordinário".

Descendente da grei itálica, julgava-se pagão "de origem ática", definindo-se a si próprio desta maneira:

"Tenho o prazer sutil do pensamento
e a serena elegância das idéias".


O ritmo admirável de seus versos é um adorno maravilhoso para a unidade de pensamento que existe em toda a sua obra.

Seu soneto "A hora cinzenta", que para Nestor Victor faz lembrar Cruz e Sousa, retrata muito bem a nostalgia do poente diluindo-se numa paisagem espiritualizada:

Desce um longo poente de elegia
sobre as mansas paisagens resignadas;
uma humaníssima melancolia
embalsama as distâncias desoladas...

Longe, num sino antigo, a Ave Maria
abençoa a alma ingênua das estradas;
andam surdinas de anjos e de fadas,
na penumbra nostálgica, macia...

Espiritualidades comoventes
sobem da terra triste, em reticência
pela tarde sonâmbula, imprecisa...

Os sentidos se esfumam, a alma é essência,
e entre fugas de sombras transcendentes,
o Pensamento se volatiza...


Os seus sonetos "Ingratidão", "História antiga" e "Perfeição", popularíssimos, de inefável simplicidade e de extraordinária beleza, estão catalogados no capítulo deste livro, "Os sonetos brasileiros mais populares".

Rodrigo Melo Franco de Andrade, prefaciando "Luz Mediterrânea", único livro de versos do poeta, escreveu: "Para Raul de Leoni, as idéias representam seres vivos". (....) "Ele foi entre nós, e o foi com singular grandeza, o único poeta de emoção puramente filosófica".

É imperecível o seu soneto "Legenda dos dias":

O Homem desperta e sai cada alvorada
para o acaso das cousas... e, à saída,
leva uma crença vaga, indefinida,
de achar o Ideal nalguma encruzilhada...

As horas morrem sobre as horas... Nada!
E ao Poente, o Homem, com a sombra recolhida, 
volta pensando: "Se o Ideal da Vida
não veio hoje, virá na outra jornada"...

Ontem, hoje, amanhã, depois, e, assim,
mais ele avança, mais distante é o fim,
mais se afasta o horizonte pela esfera...

E a Vida passa... efêmera e vazia:
um adiamento eterno que se espera,
numa eterna esperança que se adia...




Onestaldo de Pennafort (Onestaldo de Pennafort Caldas) nas-ceu no Rio de janeiro em 1902. A última geração simbolista teve, nesse poeta, um de seus vultos mais importantes. Segundo registro de Manuel Bandeira, "o simbolismo de Pennafort aparenta-se hão ao dos mestres simbolistas brasileiros, Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens, mas ao dos simbolistas franceses e ao do português Eugênio de Castro".

Estudou Direito, mas não chegou a se formar. Preferiu ser funcionário, servindo a vários Ministérios; e, ultimamente, desde 1928, passou para o Banco do Brasil. Jornalista brilhante e notável tradutor de poemas universais, destacadamente de Shakespeare, de Verlaine e de D'Annunzio.
Seu soneto "Quem tinha vindo para ser escrava"... , belíssimo, está incluído no capítulo deste livro, "Os sonetos brasileiros mais populares".

Estampamos o soneto "Cavaleiro andante", também muito inspirado:

Se vais em busca da Fortuna, pára:
nem dês um passo de onde estás... Mais certo
é que ela venha ter ao teu deserto,
que vás achá-la em sua verde seara.

Se em busca vais do Amor, volta e repara
como é enganoso aquele céu aberto:
mais longe está, quando parece perto,
e faz a noite da manhã mais clara.

Deixa a Fortuna, que te está distante,
e deixa o Amor, que teu olhar persegue
como perdido pássaro sem ninho.

... Porém, ó negro cavaleiro andante,
se vais em busca da Tristeza, segue,
que hás de encontrá-la pelo teu caminho!




Rodrigo Otávio Filho (Rodrigo Otávio Langaard de Meneses Filho) nascido no Rio de Janeiro em 1892, é da última leva de simbolistas ("penumbristas"). Advogado militante, crítico e poeta. Sua poesia é nostálgica como a de Rodenbach, de Henri de Régnier e de Alberto Samain. Faleceu no Rio de Janeiro, em 1969.

Participou do grupo de "Fon-Fon", ao lado de Gonzaga Duque, Mário Pederneiras, Álvaro Moreyra, Filipe d'Oliveira, Hermes  Lima Campos, e outros.

Vamos registrar "Alma de Rodenbach":

Alma feita de sombra e silêncio, dispersos
numa grande emoção de saudade perdida,
que trazes minha vida e meus nervos imersos
na cadência brumal de tua dor sofrida...

E no exílio de claustro em que vivo esta vida,
pus-me então a sentir e a rezar os teus versos, 
alma sentimental de angústia dolorida,
alma feita de sombra e silêncio, dispersos...

É de dentro de tua emoção que eu contemplo
e vejo que tua alma antiga me parece
um órgão a cantar toda a vida de um templo!

E, como refletida através de vitrais,
“Bruges" acinzentada e morta me aparece, 
espelhando o silêncio à tona dos canais...




Batista Cepelos (Manuel Batista Cepelos) nasceu em São Paulo, antiga Província), de família humilde (1872-1915). Formou-se em Direito, depois de ter sido capitão da Força Pública no seu Estado natal. Foi promotor público no interior paulista, mudando-se para o Rio de Janeiro em 1915. Um mês antes de sua morte, havia sido nomeado promotor público de Cantagalo, Estado do Rio.


A vida desse grande poeta, que terminou suicidando-se, foi cortada de acontecimentos dolorosos e trágicos. Seu corpo foi encontrado ao pé de uma pedreira, nas proximidades do bairro do Catete. Era, sem dúvida, um poeta enamorado da morte. O que o abalou profundamente, em 1906, foi uma tragédia inominável: "figura de grande projeção política", o pai de sua noiva matou a própria filha, suicidando-se em seguida. Diante desse quadro, invadiu-lhe a alma um rosário imenso de torturas. Ficou aniquilado.

Sua obra, de tons simbolistas, nos últimos anos, continha, muitas vezes, o pessimismo de Schopenhauer. Antes, porém, em 1906, publicara um notável poema, "Os bandeirantes", prefaciado por Olavo Bilac.

O seu soneto "Nas ondas de uns cabelos" é de grande sensibilidade:

Soltos, ombros abaixo, os revoltos cabelos,
que te envolvem num longo e veludoso abraço;
e, como um rio negro, os seus negros novelos
rolam no vale em flor do teu brando regaço.

E, na louca embriaguez dos meus sentidos, pelos 
cinco oceanos do Sonho o meu roteiro faço,
a senti-los na mão, beijá-los e mordê-los,
até morrer de amor, sucumbir de cansaço!

E, pousando a cabeça em teu seio, que estua,
sinto um sono ligeiro, um sussurro de brisa,
que me suspende ao céu e pelo céu flutua...

E, num sonho feliz, como num mar profundo, 
a minha alma desliza, a minha alma desliza,
como as Naus de Colombo, à procura de um Mundo...


"A espera" contém muita simplicidade e beleza:

Com sua voz assustadinha e doce,
doce como um trinar de passarinho,
ela me disse que esperá-la fosse,
fosse esperá-la à beira do caminho.

Mas o tempo da espera prolongou-se,
prolongou-se demais! E, então, sozinho,
passei o dia. Veio a tarde e trouxe,
trouxe arrulhos de amor, de ninho em ninho.

Desespero. O silêncio me tortura.
Mas, de repente, alvoroçado,
escuto um farfalhar de folhas na espessura.

Ela chega e tão linda, de maneira
que só para gozar este minuto
eu a esperara a minha vida inteira.


"O trem de ferro" é outro soneto de grande valor:

Um fino apito, estrídulo sibila,
rangem as rodas num arranco perro,
e, lentamente, a se arrastar, desfila,
fumegante e luzente, o trem de ferro.

Soa no espaço um derradeiro berro
e tão rápido corre que horripila,
esse monstro a rolar de cerro em cerro,
apavorando a solidão tranqüila.

Vence choupanas, matagais tristonhos,
despenhadeiros, báratros medonhos,
nada lhe amaina o rábido furor.

Corre, corre veloz, nada o embaraça,
desfraldando a bandeira de fumaça,
como um bravo guerreiro vencedor!



Alphonsus de Guimaraens (Afonso Henriques da Costa Guimarães) nasceu em Ouro Preto, filho de português com brasileira, e morreu em Mariana, quando, ali, exercia a função de juiz municipal (1870-1921). Graduado em Ciências Jurídicas e Ciências Sociais, ocupara o cargo de promotor, duas vezes, em Conceição do Serro. Jornalista brilhante.

Depois de Cruz e Sousa, é Alphonsus de Guimaraens o mais apreciado dos nossos poetas simbolistas.

Henriqueta Lisboa disse que, "como Verlaine, Alphonsus prefere a melodia à sinfonia". E mais: "pálido, silencioso e esquisito, como alguém que habitasse o outro lado da vida".

João Alphonsus, seu filho e biógrafo, escreveu: "Não houve acomodação entre o espírito de Alphonsus e o ambiente espiritual da cidade de duzentos anos (Mariana), mas encontro perfeito de uma vida humana e de uma vida coletiva de misticismo e sossego".

Escreveu Emílio Moura, a respeito de sua poesia: "São crepes, sombras funerárias de ciprestes, véus de confessandas, luares de desamparo, altares quaresmais enfeitados de roxo".

Manuel Bandeira confessou, certa vez: "Tenho rezado os versos de Alphonsus de Guimaraens".

Palavras de Péricles Eugênio da Silva Ramos: "Sua poesia, dolorida e sepulcral, dá testemunho de um artista consciente, que se impressionou, para a vida e para a morte, com a perda de sua prima e noiva, Constança. Lê-lo é ver unia Cruz coberta com os panos roxos da Semana Santa, mas, também, contemplar o céu aberto num luar de lírios e de Arcanjos". Constança, que morreu tuberculosa aos 17 anos, era filha de Bernardo Guimarães, romancista e poeta, tio-avô de Alphonsus.

Casou-se em 1897, em Conceição do Serro, com D. Zenaide Alves de Oliveira, e era chefe de numerosa família, tendo deixado 15 filhos. Morreu pobremente.

Seu valor e sua fama levaram Mário de Andrade, mais tarde o "papa" do modernismo no Brasil, a visitá-lo, em 1919, na pacata Mariana, isolado e praticamente esquecido dos historiadores de literatura, inclusive Ronald de Carvalho. Em carta de 10 de março de 1941, escrita a Alphonsus de Guimaraens Filho, Mário confirmou a visita, com uma particularidade interessante: "Estive com seu Pai ali pela manhã, mais de uma hora". (....) "E foi uma hora de êxtase em que eu não disse nem um bocadinho que era poeta, Deus me livre!" (....) "Me apresentei apenas como um fã e assim fiquei todo o tempo..."

Sobre o assunto, em 15 de julho de 1919, Alphonsus escrevera ao filho João Alphonsus (Belo Horizonte). E a admiração do poeta modernista pela família Guimaraens era grande, pelo que se vê neste trecho de uma das cartas que dirigiu ao poeta Alphonsus de Guimaraens Filho, datada de 8 de agosto de 1944: — "Fiquei comovidamente feliz com o nascimento do Alphonsus de Guimaraens Neto, é uma maravilha o que o simples nome desse menino desperta em mim de ambiente grave de recordações e contatos só bons de sentir. Já quero bem ele num bem-querer acumulado e delicioso de sentir. Breve o espiarei. Por enquanto ele que receba a bênção de Deus, autorizada por três gerações de amizade".

José Severiano de Resende foi seu maior amigo, desde os tempos de estudante em São Paulo.

Alphonsus visitou o Rio de Janeiro, em 1895, exclusivamente para conhecer Cruz e Sousa, segundo Mário Matos e segundo o próprio "solitário de Mariana", que o confirmou mais tarde (1904), em artigo publicado no jornal "Conceição do Serro".

Foi um dos nossos poetas mais férteis, com sua safra de quase quinhentas composições, distribuídas por oito livros.

Encontraram-no morto na madrugada de 15 de julho de 1921, sendo sepultado mesmo em Mariana. O ponto alto de toda a sua obra são os sonetos. Transcrevemos aqui o Soneto VI da Segunda Dor, do "Setenário das Dores de Nossa Senhora", livro que, segundo José Veríssimo, "podia ser adotado como livro de rezas":

Mãos que os lírios invejam, mãos eleitas
para aliviar de Cristo os sofrimentos,
cujas veias azuis parecem feitas
da mesma essência astral dos óleos bentos;

mãos de sonho e de crença, mãos afeitas
a guiar do moribundo os passos lentos,
e, em séculos de fé, rosas desfeitas
em hinos sobre as torres dos conventos;

mãos a bordar o santo Escapulário,
que revelastes, para quem padece,
o inefável consolo do Rosário;

mãos ungidas no sangue da Coroa,
deixai tombar sobre a minha Alma em prece
a bênção que redime e que perdoa!


Citamos, agora, o seu inolvidável soneto "Estão mortas as mãos daquela Dona... (Soneto XXXII):


Estão mortas as mãos daquela Dona,
brancas e quietas como o luar que vela
as noites romanescas de Verona,
e as barbacãs e torres de Castela...

No último gesto de quem se abandona
à morte esquiva, que apavora e gela,
as suas mãos de Santa e de Madona,
inda postas em cruz, pedem por ela.

Uma esquecida sombra de agonias
oscula o jaspe virginal das unhas,
e ao longo oscila das falanges frias...

E os dedos finos... ai! Senhora, ao vê-los,
recordo-me da graça com que punhas
um cravo, um lírio, um goivo entre os cabelos!



Também inesquecível é o seu soneto "Se eu a visse descer da escadaria... (Soneto XXXV):

Se eu a visse descer da escadaria
de um altar que entre nuvens se atufasse,
certo o menor espanto não teria...
De onde quiséreis vós que ela baixasse?

Pois dizei-me, vós todos, onde havia
de cintilar a luz daquela face?
A sua palidez tão casta e fria
era um lis, que na terra infiel não nasce.

Zelos de amor, no entanto, eu tinha, ao vê-la 
mirada por vós todos, como estrela
vesperal que ninguém contempla a sós...

Minha pobre calma, que ilusão a tua!
Há damas tristes que são como a lua:
a luz que têm é para todos nós...


Queremos apresentar, finalmente, mais um soneto desse grande poeta.

É "Ao Poente", Soneto VI, do mesmo livro:

Ficávamos sonhando horas inteiras,
com os olhos cheios de visões piedosas:
éramos duas virginais palmeiras,
abrindo ao céu as palmas silenciosas.

As nossas almas, brancas, forasteiras,
no éter sublime alavam-se radiosas.
Ao redor de nós dois, quantas roseiras!
O áureo poente coroava-nos de rosas.

Era um harpejo de harpa todo o espaço:
mirava-a longamente, traço a traço,
no seu fulgor de arcanjo proibido.

Surgia a Lua, além, toda de cera...
Ai como suave então me parecera
a voz do amor que eu nunca tinha ouvido!


Seu soneto mais conhecido e mais divulgado, "Hão de chorar por ela os cinamomos", encontra-se entre “Os sonetos brasileiros mais populares", neste livro.



Álvaro Viana (Álvaro de Azevedo Viana) nasceu em Minas Gerais, onde, também, morreu (1882-1936). Bacharel em Direito. Jornalista e poeta. Dirigiu o movimento simbolista em Belo Horizonte, onde fundou a revista "Horus". Dessa revista, que contou com a colaboração de Alphonsus de Guimaraens, só foram publicados dois números, em julho e agosto de 1902. Os simbolistas se diziam os "Romeiros do Ideal", distinguindo-se, entre outros, Augusto Viana do Castelo, Edgar Mata, Horácio Guimarães (filho de Bernardo Guimarães), Eduardo Cerqueira, Carlos Raposo, Archangelus de Guimaraens, Alfredo Raposo.


É de sua lavra o soneto "In excelsis":

Num céu de porcelana e de cobalto,
sobre arcadas de luz e de esmeralda,
eu quero ver, eternamente ao alto,
aquela cujo amor meu peito escalda.

E para que não mais na terra balda
de Fogo Eterno a veja em sobressalto,
todo o meu ser se estria e se desfralda
à procura do sonho em que me exalto.

— Por escadas de prata e de turquesa
hás de calcar sorrindo essa riqueza
de berilo e rubis... (Assim tu és!)

E no veludo da tua voz, de rastros,
eu subirei sonhando além dos astros,
sem nunca ter saído de teus pés.




Antônio de Godói (Antônio de Godói Moreira da Costa), nasceu em Pindamonhangaba (São Paulo), e faleceu na capital paulista (1874-1905). Bacharel em Direito, jornalista, tendo secretariado o “Correio Paulistano". De parnasiano se fez simbolista, como Francisca Júlia. Um poeta de grandes vôos, cuja obra só foi publicada após sua morte, num livro intitulado simplesmente "Poesias", com um prefácio de Antônio Salles.

Este, o seu soneto V da coleção "Romaria":

Pele por sob a qual acachoam os rios
da Volúpia e do Amor em fortes ondas bravas.
Seios, dois blocos de ouro ardentes como estios,
cílios, prisão-cetim das pupilas escravas...

Num turbilhão de anéis de afrouxelados fios,
áureos fios de luz, cascata de ondas fiavas,
como um real pendão de brilhos crus e frios
a fulva cabeleira aos ombros desfraldavas.

Tentadora mulher indígena de raça,
ilumino-te o rosto a beijos cor de lacres,
como o ponche ilumina o cristal de uma taça.

Alva carne aromada a baunilha da mata,
virgens emanações de aromas fortes, acres, 
resplendores de sol, resplendores de prata!




Severiano de Resende (José Severiano de Resende) nasceu em Mariana (Minas Gerais) e faleceu em Paris (1871-1931).

Andrade Muricy conta: "Impetuoso, voluntarioso, "alto e forte", José Severiano de Resende foi subitamente salteado por violenta vaga de misticismo. Julgou-se chamado ao sacerdócio, e correu para Mariana, em cujo Seminário por fim se ordenou, em 18 de dezembro de 1897".

Mais tarde, porém, veio a abandonar o sacerdócio, desiludido, tornando-se jornalista e panfletário audacioso. Era fraterno amigo de Alphonsus de Guimaraens.

Viajou para Paris e depois veio, por pouco tempo, ao Brasil (1915), tendo recebido grandes manifestações de apreço, em Belo Horizonte, juntamente com Alphonsus, num encontro promovido pelo poeta Álvaro Viana. Casou-se em Paris, com uma francesa, e lá morreu, muito pobre.

É o seguinte o seu soneto "O hipogrifo":

Resfolega o hipogrifo, indômito, batendo
no asfalto as patas de ouro; e os olhos de águia adusta,
sobre as nuvens e além dos sóis ovante erguendo, 
já no azul a cabeça em fogo barafusta.

O éter transpõe, afiando as asas, belo e horrendo,
e haurindo a Vida e a Graça e a Idéia eterna e augusta,
ó como eu nesse arroubo insofrido compreendo
que ao estranho hipogrifo o gesto astral não custa.

No solo os áureos pés, no empíreo em glória a fronte,
terras, mares e céus, de horizonte a horizonte, 
mede, calcando o pó, e os páramos transcende.

Brotam fráguas de luz na poeira dos seus rastros
e nas landas glaciais e tristes, ermas de astros, 
novas constelações o seu hálito acende.




Dario Veloso (Dario Persiano de Castro Veloso) nasceu no Rio de Janeiro e morreu no Paraná (1869-1937). Dizia Emiliano Perneta que Dario Veloso tinha amor pelo raro, pelo fino, que o levava a "trabalhar no verso com a paciência de um faquir e a crença de um buda". Segundo relata Andrade Muricy, "fundou em sua chácara, a que chamou "Retiro Saudoso" (no Paraná), um harmonioso templo, em estilo grego, "Templo das Musas", onde presidia a atraentes e estranhas celebrações de arte e de pensamento". Em uma pequena imprensa ali instalada, editava, ele próprio, os seus livros. "Reviveu, helenicamente, em Curitiba, as Festas da Primavera, verdadeiras olimpíadas em miniatura", lembra Péricles.

Excelente orador, foi, também, professor, chamado "mestre da mocidade", e teve grande ascendência sobre a juventude e sobre inúmeros amigos. Ardente prosélito das doutrinas ocultistas, "introduzidas no Paraná por João Itiberê da Cunha". Um dos integrantes do grupo da revista "Cenáculo" (1895 a 1897).

Este soneto "Ara extinta" é de sua autoria:

— Sim! — me disseste a mística aliança
guardá-la-ei comigo noite e dia;
sou para sempre tua... Asa erradia,
terei no meu exílio essa esperança".

Anos vivi, de tua negra trança
o anel beijando, em minha noite fria.
Regressas. Vôo a ti... Eu mal sabia
que de ausência e de tempo Amor se cansa.

Nada me deves, sei! Que bem me fazes
partindo as cordas à inspirada lira
com que interdito o coração me trazes!

Tudo te devo, entanto!... Extinta a pira,
devo-te o himeto das macias frases,
devo-te o culto que a Beleza inspira.




Silveira Neto (Manuel Azevedo da Silveira Neto), paranaense (1872-1942). No grupo do Paraná, da revista "Cenáculo", Silveira Neto, talvez, esteja situado depois de Emiliano Perneta e de Dario Veloso. Sua obra é considerada como uma das mais significativas do simbolismo brasileiro.

Dele disse Nestor Victor, prefaciando o livro "Luar de Hinverno”, que, depois do Poeta Negro, era, em 1900, "o mais poeta" entre os novos cujas obras ele conhecia.

Com o falecimento de Emiliano Perneta, foi proclamado, por alguns intelectuais, como o "príncipe dos poetas paranaenses".

Andrade Muricy acha a poesia de Silveira Neto "dolorosa, de uma eloqüência torturada, uma tormenta de subjetividade iluminada de estranhos deslumbramentos, de relâmpagos lívidos, de fantasias espectrais e sinistras".

Aposentou-se como funcionário da Fazenda Federal, no Rio de Janeiro, onde faleceu.

Oferecemos aos leitores "A lua nova":

No silêncio da cor — treva silente —
abriu-se a noite mádida e sombria,
logo que o Sol, rezando: Ave Maria...
fechou no Ocaso as portas de oiro ardente.

A terra, a mata, o rio, a penedia,
tudo se fora pela treva e, rente
ao céu, ficou a lua nova algente,
como um sonho esquecido pelo dia.

Ela assim foi: morreu; desde esse instante,
pálido e frio, como a lua nova,
ficou-me entre as saudades seu semblante.

Mas, ouve: quanto mais doída cresce
a noite que me vem da sua cova,
mais branca e inda mais fria ela aparece.




Euclides Bandeira (Euclides da Mota Bandeira e Silva) nasceu e morreu em Curitiba (Paraná). Andrade Muricy o classifica como "poeta de técnica segura e de gosto invulgar". "Foi o jornalista mais brilhante e o primeiro cronista do Paraná", acrescenta Muricy. Nasceu em 1877 e faleceu em 1948.

Apreciemos o seu soneto "Ausência":

Recresce, arpoante e funda, a saudade cruel.
Com ela foi meu sol, partiu minha risada!
Cada dia que passa é uma gota de fel
que se me infiltra na alma e a põe envenenada.

Mais larga a ausência, mais a lembrança dourada
resplandece, espertando emoções em tropel:
o riso, o gesto, a voz; boca a boca soldada,
os seus beijos febris que eram de fogo e mel...

Claro perfil de luz, louro encanto irradiando
o revérbero astral de flavescente véu
que dourava o meu sonho e o verso decadente.

Onde estás? interrogo. E a mágoa cresce quando
sinto tudo em silêncio em torno... O próprio céu
misterioso e azul, como os olhos da Ausente...




José Gelbcke, paranaense (1879). "Os seus sonetos — diz Andrade Muricy — são de um simbolismo espetacular e pomposo, muito característico". Bacharel em Direito. Faleceu no Paraná em 1960.

O soneto “Roxa” foi escrito por Gelbcke:

Missa roxa de um sonho sepultado
no campo santo da melancolia;
hóstia amarga do meu sétimo dia,
vinho turvo de um goivo apunhalado.

Canta um salmo funéreo e amargurado
meu coração, o padre que oficia;
enquanto choras as preces da agonia,
eu tenho o rosto em lágrimas banhado.

Dobram sinos no velho campanário
da catedral da minha mocidade.
Rezo nas ametistas do rosário

a Ave-Maria dos crucificados.
Chora o órgão pungente da saudade
o miserere dos desventurados.




Marcelo Gama (Possidônio Machado) nasceu na antiga Província do Rio Grande do Sul e morreu no Rio de Janeiro (1878-1915). O poeta, de nome inarmônico e inexpressivo, adotou o pseudônimo sonoro e vibrante de Marcelo Gama. Jornalista e Conferencista.

Boêmio inveterado, andava de bar em bar, declamando os versos maravilhosos. Sua poesia, não raro, é amarga e triste, embora se apresente irônica, por vezes.

Pobre, muito pobre, passava privações, a ponto de lhe faltar, à mesa, o sustento dos entes queridos. Certa madrugada (4 horas de 7 de março de 1915), quando regressava à casa, no Méier, dormia em sua condução, o bonde. Este, ao passar por um viaduto sobre a estrada de ferro, perto do Engenho Novo, fez a curva com tal violência que o poeta foi projetado da altura de vinte metros, morrendo  quase que imediatamente.

Marcelo teria sofrido influência de Cesário Verde, poeta português. Dele disse Andrade Muricy: "A sua poesia encerra achados verbais e psicológicos curiosos, ou empolgantes, e isso com surpreendente freqüência".

Seu "Soneto de um pai" é uma página antológica de nossa poesia:

Vê-la crescer, florir — viço e perfume —
Já sorri. Quer falar, tartamudeia.
Diz "mamãe", e papai sufoca o ciúme.
Os dentinhos lhe vêm. Anda. Chilreia.

Traz a casa de risos sempre cheia.
Vai ao colégio, mas, com azedume.
Aborrece as bonecas. Cresce, alheia
à formosura e à graça que resume.

De moça já tem cismas e alvoroços.
Põe vestidos compridos, fala pouco.
Suspira, sonha, anseia e pensa em moços.

Vê-la como fulgura numa sala...
Envaidecer-me... E chorar como um louco
quando o noivo vier arrebatá-la!

___________
Verso 13: decassílabo acentuado nas 4ª e 7ª  sílabas.



Indicamos, dele, o belo soneto "Catavento":

Vim sarar tédios, longe da cidade,
a convite e conselho de um amigo,
neste sombrio casarão antigo,
onde tudo tem ares de saudade.

— "Vem para o campo que a paisagem há de
curar-te". Mas, curar-me não consigo:
ontem o riso esteve bem comigo;
hoje me sinto cheio de ansiedade.

Sou assim, como as asas do moinho
que, lá distante, à beira do caminho,
por entre casas velhas aparece:

Gira ao norte... ora ao sul... depressa... lento... 
Parece doido aquele catavento!
Mas como ele comigo se parece!



Mais este, "Com o Sol":

— "Anda depressa, ó Sol, que estás parado!
Que fazes tu aí, Sol imprudente?"
Este maldito Sol, ultimamente,
tem se tornado o meu maior cuidado!

Essa que eu amo, mora num sobrado,
e o Sol, que a quer também, pára-se em frente:
e até que o Sol se canse e, enfim se ausente;
a janela é deserta, e eu, desolado.

— “Sol, vai-te embora!" E, quando o Sol vai indo,
e ela aparece, eu desespero, e grito,
por ver a noite, que já vai caindo:

— “Sol, pára um pouco!... “E o Sol, sem me escutar,
se esconde, enquanto eu lhe suplico, aflito:
— “Sol! por favor, ó Sol! vai devagar!...


Finalmente, esta maravilhosa "Chuva de estrelas":

Li uma vez, em páginas antigas,
que, se uma estrela cai, do céu clemente,
concede tudo o que lhe pede a gente.
Como as estrelas são nossas amigas!

Por isso, agora, insone e sem fadigas,
fito os céus, toda a noite, atentamente.
Chovem estrelas... E eu: "Astro fulgente",
quero que eterno o nosso amor predigas!

Faze-me bom! Conserva-lhe a doçura!
Estrela, dá-nos paz, serenidade!
Que a nossa filha seja linda e pura!

Doiradas ambições! Como dizê-las,
se elas são tantas? Deus, por piedade,
manda que caiam todas as estrelas!




Eduardo Guimaraens (1892-1928) nasceu no Rio Grande do Sul e morreu no Rio de Janeiro. Jornalista de grande atividade e tradutor de poemas de várias línguas.

Alguns profundos conhecedores do simbolismo brasileiro tentaram instalar no topo da escola uma trindade formada por Cruz e Sousa, Alphonsus de Guimaraens e Eduardo Guimaraens. Tal opinião é bem uma prova do valor poético deste último. De qualquer maneira, como lembra Péricles Eugênio da Silva Ramos, “Eduardo Guimaraens é senhor de uma expressão fluida, musical, melancólica, que faz pensar em Verlaine, Samain, Francis Jammes, mas cheia das neblinas do Rio Grande do Sul". Seu simbolismo tem, de fato, uma feição bastante fiel às raízes européias da Escola.

Poeta de categoria, foi, também, poeta precoce. Andrade Muricy registra que: "Em 1908, Alcides Maia e Marcelo Gama, aquele diretor e este redator do "Jornal da Manhã", hesitaram em aceitar o soneto "Aos Lustres", de Eduardo Guimaraens, que lhes parecia demasiadamente forte para a idade do seu jovem autor". Tinha ele apenas 16 anos; e é este mesmo soneto que queremos relembrar:


Suspensos, nos salões, dos tetos decorados,
que de arabescos orna o gesso alvinitente,
ó lustres de cristal, enganadoramente
ao mesmo tempo sois sonoros e calados.

Pesados, dais, no entanto, às pompas do ambiente, 
onde há ricos painéis entre florões dourados,
a mais aérea graça; e os olhos deslumbrados 
sentem que os cega o vosso encanto reluzente.

Que o silêncio em redor guarde a fragilidade 
translúcida que sois: e ouçam-se quase a medo
os rumores quaisquer que em torno a vós se formem!

Toquem-vos docemente a sombra, a claridade... 
Nem se turbe jamais, ó lustres, o segredo
das vibrações que em vós musicalmente dormem!




Homero Prates (Homero Mena Barreto Prates da Silva) nasceu no Rio Grande do Sul e faleceu no Rio de Janeiro (1890-1957). Bacharel em Direito, jornalista e crítico literário.

Foi uma das figuras mais brilhantes da última geração simbolista, ou seja, do decênio anterior ao modernismo. Possuía, em alto grau, a expressão e as formas métricas.

É sua esta "Legenda do Sonho":

Venho do Inferno suave e triste onde a Beleza
adormece a sorrir nos meus braços, enquanto,
pelos velhos jardins de sombra e de turquesa
do Azul, tomba em silêncio a noite do seu manto...

Vi morrer-lhe no olhar como um último canto
de cisne, lentamente, a luz da Natureza,
ao pousar-me na boca a divina tristeza
do seu beijo que tem o sabor do meu pranto.

Enfarado do azul do meu Reino sem nome,
venho trazer-te, ó Vida! a Palma verde e a Rosa
que transforma em sorriso a dor que te consome.

Beijo-te a fronte e adeus! que me esperam, ao flanco
da montanha sagrada e sobre a água radiosa,
uma gôndola de ouro e um grande cisne branco...




Alceu Wamosy (1895-1923) nasceu e morreu no Rio Grande do Sul. Jornalista e grande poeta pertencente à última geração de simbolistas brasileiros. Respondendo a uma carta do pai do pequeno Wamosy, Guerra Junqueiro sugeriu para o menino o nome grego de Alceu.

Palavras de Péricles Eugênio da Silva Ramos: "Perpassam or seus versos as sombras do próprio Cruz e Sousa, de Henri de Régnier, de Samain, de Rodenbach, de Ephraim Mikhael, numa poesia de tristeza floral e decorativa, cheia de belas imagens e de fontes a rezar".

Lutando ao lado das hostes governamentais, num combate em Ponche Verde, no movimento revolucionário que dividia o Rio Grande do Sul, recebeu uma bala no peito, vindo a falecer em Livramento, para onde fora transportado. Era noivo da senhorita Maria Bellaguarda e, com ela, casou-se "in extremis".

Apesar de simbolista, tornou-se conhecido, amplamente, no país inteiro, com um soneto de amor, à moda dos parnasianos, “Duas almas", que está transcrito no capítulo deste livro "Os sonetos brasileiros mais populares".

Tem, ele, inúmeros outros sonetos de rara beleza artística, como este "A tortura":

Que triste é ser-se assim, forte e descrente!
Não ter o alívio das consolações
que vêm do pranto bom, do pranto ardente,
e do bálsamo ideal das orações!

Não poder ser igual a toda a gente!
Trazer o coração, dos corações
dos outros seres todos, diferente:
viúvo de crenças, ermo de ilusões!

E, nas horas amargas da desgraça,
quando a procela da alma ulula e cresce,
como um terrível furacão que passa,

ante a explosão de desespero tanto,
a boca ter fechada para a prece,
ter os olhos rebeldes para o pranto!


E como este:

Vem baixando o crepúsculo de leve...
Eu bem o sinto na paisagem fria
e sobre os meus cabelos em que a neve
envolve a noite que se prenuncia.

A mão já se emociona quando escreve,
os olhos baixam porque morre o dia.
Todas as vozes se calaram... Breve
será mais triste a vida e mais vazia.

A hora em que oscila a chama da esperança... 
Adoro-a de mãos postas, hora mansa,
de calma, de renúncia, de perdão.

Mas na tarde que rola num desmaio,
hás-de ficar comigo, último raio,
para aquecer-me a sombra pelo chão...




Francisco Mangabeira (Francisco Cavalcanti Mangabeira), baiano (1879-1904); irmão de Otávio e João Mangabeira. Morreu muito moço, perguntando a si mesmo, poucos minutos antes de falecer: — "Como é que morre um poeta aos 25 anos?".

Estudante de Medicina, cursando o 3º ano, partiu, patrioticamente, para Canudos, entre os colegas que foram socorrer os moribundos que tombavam na luta fratricida. Mais tarde, já médico, partiu de novo para o mundo das matas intrincadas, dessa vez para o Amazonas e Acre, onde foi preso pelas malhas do impaludismo, que o levou à morte tão prematuramente. No seu regresso de Manaus para a Bahia, faleceu a bordo do vapor São Salvador, em 27 de janeiro de 1904, tendo sido sepultado em São Luiz do Maranhão. Apesar dos sofrimentos, vivia sonhando e poetando. Quando alguém o chamava de doutor, ele respondia:

  "Eu não sou doutor, eu sou poeta".
Poeta de grande sensibilidade. Segundo Andrade Muricy, "foi o poeta do Norte de mais alevantado e vigoroso estro, depois de Castro Alves".

Eis o seu soneto "Luta íntima", que escreveu quando, naturalmente, já não tinha qualquer ilusão quanto ao mal que o atormentava, para matá-lo tão cedo:

Há dentro em mim este contraste: um rio
de águas quase geladas que serpeia
junto a um vulcão ardente e luzidio
que em labaredas infernais se alteia.

O rio é largo, e às vezes, tempesteia
em turbilhão horrífico e sombrio...
Então cai cinza do vulcão, a areia
torna-se negra, e o ar torna-se frio.

São as aspirações e o desengano
que vivem nesse batalhar insano...
E deles eu não sei qual o mais forte.

Essa luta feroz e enraivecida
dá-me valor para arrostar a vida
e desassombro para olhar a morte.


E mais este, "Compensação":

Ela partiu, levando-me a esperança,
a fé e o amor... Que triste despedida!
Tudo levou!... e apenas a provança
não a seguiu na hora da partida.

Tenho-lhe ainda a imagem na lembrança,
a voz, o riso, a boca apetecida...
Tudo cansa na vida... Só não cansa
este amor que é mais forte do que a vida!

Ouço em torno de mim a sua fala,
e como até que a vejo nesta sala,
que se ilumina ao brilho do seu rosto...

Ah! minha flor eternamente pura,
que o céu te pague em sonhos e ventura
o que me deste em trevas e desgosto!




Pethion de Vilar (pseudônimo do Dr. Egas Muniz Barreto de Aragão), nasceu e morreu na Bahia (1870-1924). Lente catedrático de Medicina. Sua arte passeou tanto pelo parnasianismo, como pelo simbolismo, demonstrando excelentes qualidades nas "coloridas marinhas e nos sonetos descritivos". Figura das maiores no movimento simbolista baiano. Escreveu excelentes versos em francês; esteve em Paris, onde foi homenageado; e se correspondia com celebridades européias. Também, com facilidade, escrevia em alemão.

Recordemos seu soneto "Marinha":

Desce a Noite enrolada em brumas hibernais... 
Trágica solidão, vago instante sombrio,
em que, tonto de medo, o olhar não sabe mais
onde começa o mar e onde acaba o navio.

Nem o arfar de uma vaga: o mar parece um rio
de óleo; oxidado o céu de nuvens colossais,
num zimbório de chumbo acaçapado e frio, 
escondendo no bojo a alma dos temporais.

Nem das águas no espelho o reflexo de um astro... 
Apenas o farol, no vértice do mastro,
rubra a pupila, a arder, dentro de uma garoa...

E lá vai o navio, espectral, lento e lento,
como um negro vampiro, enorme e sonolento,
pairando sobre um caos de tênebras, à toa.




Durval de Morais (1882-1948) nasceu na antiga Província da Bahia e morreu no Rio de Janeiro. Foi simbolista, mas seu simbolismo evoluiu para a simplicidade religiosa, que acabou por se transformar numa constante em sua poesia. Pertenceu ao grupo da "Nova Cruzada", revista baiana. A revista "Os Anais", surgida depois de extinta a "Nova Cruzada", lhe prestou homenagens extraordinárias, sendo, então, proclamado "o maior poeta da Bahia".

É autor do soneto "Doce lembrança", que retrata Nossa Senhora, quando menina:

Mãe de Deus, mãe dos homens! A mais bela
entre as belas; de todas a mais pura!
Que destino na terra te constela!
Que destino no céu te transfigura!

E ainda tão pequena e pobre!...É vê-la,
com os pés nus sobre a terra negra e dura;
à cabeça trazendo, em vez da estrela,
a bilha de água que ela mal segura!

E, quando passa, as flores dos caminhos,
galhos, que em vez de flores trazem ninhos, 
inclinam-se saudando a que se humilha...

Como passa a sorrir... lembra uma abelha!
Perdão, meu bom Jesus, se não semelha,
a mesma idade tem da minha filha!




Artur de Sales (Artur Gonçalves de Sales) nasceu e morreu na Bahia (1879-1951). Foi simbolista, mas, de fato, sentia-se mais à vontade dentro dos moldes parnasianos. Esteve entre os fundadores da revista simbolista "Nova Cruzada". Com a morte de Durval de Morais, passou a ser o "Príncipe da poesia baiana".

Reproduzimos o seu soneto "Ironia divina":

Na silenciosa catedral vetusta
penetrei, religioso e solitário,
numa concentração de missionário
sublimizado numa fé robusta.

De um Cristo macilento e funerário,
braços abertos sobre a cruz adusta,
vinha uma doce claridade augusta,
que iluminava todo o santuário.

Aos pés da imagem do Crucificado
chorei, por muito tempo, ajoelhado;
mas, quando o olhar ergui, tremi de espanto:

do altar, por entre as sombras fugidias,
— ó ironia atroz das ironias! —
aquele Cristo ria do meu pranto...




Pedro Kilkerry — Pedro Militão Kilquerri (1885-1917), baiano, descendente de escoceses, por via paterna. Advogado, foi nomeado para a Secretaria. do Tribunal de Contas da Bahia. Carlos Chiacchio, seu principal biógrafo espiritual, chama-lhe "o cisne que disse o canto final da geração simbolista baiana". Suas escassas produções poéticas, "esparsas nas revistas e jornais do tempo", encontram-se, em maioria, no livro de Jackson de Figueiredo, "Humilhados e Luminosos" (Rio, 1921).

Seu soneto "O muro":

Movendo os pés doirados, lentamente,
horas brancas lá vão, de amor e rosas
as impalpáveis formas, no ar, cheirosas...
Sombras, sombras que são da alma doente!

E eu, magro, espio... e um muro, magro, em frente,
abrindo à tarde as órbitas musgosas
— Vazias? Menos do que misteriosas —
pestaneja, estremece... O muro sente!

E que cheiro que sai dos nervos dele,
embora o caio roído, cor de brasa,
e lhe doa talvez aquela pele!

Mas um prazer ao sofrimento casa...
Pois o ramo em que o vento à dor lhe impele
é onde a volúpia está de uma asa e outra asa...

___________
10.° verso — caio = caiação
14.° verso — Em Muricy está assim mesmo: de uma asa e outra asa.




Henrique Castriciano (Henrique Castriciano de Sousa) nasceu e morreu no Rio Grande do Norte (1874-1947). Bacharel em Direito, deputado. Ocupou elevados cargos públicos, chegando a ser Vice-Governador de seu Estado natal. Irmão da famosa poetisa Auta de Sousa.

Sílvio Romero não o incluiu entre os parnasianos, nem entre os simbolistas. Classificou-o como poeta de transição. Mas, este soneto, "Monólogo de um bisturi", como tantas outras produções de sua autoria, é nitidamente simbolista:

Primeiro, o coração. Rasguemo-lo. Suponho
que esta mulher amou: tudo está indicando
que morreu por alguém este ser miserando,
misto de Treva e Sol, de Maldade e de Sonho.

Isso me não comove: adiante! Risonho
fere, nevado gume! e, ferindo e cortando,
aço, mostra que tudo é lama e nada, quando
sobre os homens desaba o Destino medonho...

Fere este braço grego! E as pomas cor de neve!
E as linhas senhoris que a pena não descreve!
E as delicadas mãos que o pó vai dissolver!

Mas poupa o ventre nu, onde repousa um feto:
por que hás de macular o sono fundo e quieto
desse verme feliz que morreu sem nascer?



Jonas da Silva (Jonas Fontenelle da Silva) nasceu na antiga Província do Piauí e faleceu no Amazonas (1880-1947). Diplomado em Odontologia, exerceu sua profissão em Manaus.

Diz Andrade Muricy que, "fervoroso apóstolo do autor de "Brasões" (B. Lopes), Jonas da Silva foi um simbolista de transição, como Oscar Rosas ou Henrique Castriciano".

Segundo a observação de Péricles Eugênio da Silva Ramos, "Jonas da Silva chega a um mundo gongórico em seus versos, gritantes de cor e ardentes de imaginação; suas comparações e metáforas são abundantes como as dos mouros da Espanha".

Reparem o plano alucinatório em que rola o poeta, neste soneto “Paisagens da carne":

O teu corpo lirial, do alvor do Sete-estrelo,
é uma verde floresta em cuja sombra e solo
passam deusas pagãs de aljava a tiracolo;
há rouxinóis de aroma em teu loiro cabelo.

Muita vez, sob a ação de infernal pesadelo
se transforma o teu vulto em paisagens do polo
e cuido ver na alvura hibernal do teu colo
a refração do luar nas montanhas de gelo.

E, na alucinação de apaixonado, creio
ver dois ursos, do Sol aos mortiços lampejos,
dois ursos de rubis nos botões do teu seio.

E do gelo polar entre as pratas e espelhos
vejo ao longe os viris esquimaus dos meus beijos, 
lança em punho, em caçada a esses ursos vermelhos...

_________
Verso 13: todo os dicionários, hoje, registram "esquimós"



Estampamos este soneto, "Meu coração", com a tinta forte de sua imaginação poderosa:

Meu coração é um velho alpendre em cuja
sombra se escuta, pela noite morta,
o som de um passo, o gonzo de uma porta
que a umidade dos tempos enferruja.

Quem vai passando pela estrada torta
que leva ao alpendre, desta estrada fuja.
Lá só se encontra a fúnebre coruja
e a Dor, que à prece o caminheiro exorta.

Se um dia, abrindo o casarão sombrio,
um abrigo buscasses contra o frio
e entrasses (doce criatura langue!),

fugirias, tremendo, ao ver de um lado
a Crença morta, o Sonho estrangulado
e o cadáver do Amor banhado em sangue.


Mas, ressaltemos este soneto "No bosque", em que o poeta se revela, também, uma alma romântica:

Eu e tu caminhando passo a passo,
sob a virente cúpula dos ramos,
docemente sorrindo, alegres vamos
tendo o teu braço preso no meu braço.

Por fim, depois de muito andar, paramos,
ambos mortos de amor e de cansaço;
só se escuta vibrar de espaço a espaço
o dolente cantar dos gaturamos.

Vendo inscrições nas árvores, murmuras:
— Se os nossos nomes tu também gravasses
para lembrança em épocas futuras...

Para lembrança no futuro, louca,
eu sentirei teu beijo em minhas faces,
tu sentirás meu beijo em tua boca!




 Maranhão Sobrinho (José Augusto Américo dos Albuquerques Maranhão Sobrinho) nasceu na antiga Província do Maranhão e faleceu no Amazonas (Manaus), "no dia exato em que completava 36 anos" (1879-1915).

Na abalizada opinião de Andrade Muricy, "Maranhão Sobrinho é o mais considerável poeta do seu tempo, no extremo Norte, e o simbolista ortodoxo, o satanista por excelência do movimento naquela região". E acrescenta: "Pertenceu à mais brilhante geração literária maranhense, que abrangeu desde Graça Aranha e Coelho Neto até Humberto de Campos, Viriato Correia e Catulo da Paixão Cearense, elementos estes cujo renome se irradiou pelo país inteiro".

Boêmio incorrigível e desleixado, era, também, um palrador jovial. Em 1900, fundou a "Oficina dos Novos" e em 1908 a Academia Maranhense de Letras. Poeta de ardente lirismo comunicativo, vários de seus sonetos granjearam imensa popularidade em todo o Norte do Brasil, como este "Soror Teresa":

... E um dia as monjas foram dar com ela
morta, da cor de um sonho de noivado,
no silêncio cristão da estreita cela,
lábios nos lábios de um Crucificado...

Somente a luz de uma piedosa vela
ungia, como um óleo derramado,
o aposento tristíssimo daquela
que morrera num sonho, sem pecado...

Todo o mosteiro encheu-se de tristeza,
e ninguém soube de que dor escrava
morrera a divinal soror Teresa...

Não creio que, do amor, a morte venha,
mas, sei que a vida da soror boiava
dentro dos olhos do Senhor da Penha...


Vamos ler, agora, o seu soneto "Tela do Norte", bastante expressivo em termos de descrição:

No estirão, percutindo os chifres, a boiada
monótona desliza; ondulando, a poeira,
em fulvas espirais, cobre toda a chapada
em cujo poente o sol põe uns tons de fogueira.

Baba de sede e muge a leva; triturada
sob as patas dos bois a relva toda cheira!
Boiando, corta o ar a mórbida toada
do guia que, de pé , palmilha à cabeceira...

Nos flancos da boiada, aos recurvos galões
das éguas, vão tocando as reses fugitivas
os vaqueiros, com o sol nas pontas dos ferrões...

E, do gado ao tropel, com as asas derreadas
quase riscando o chão, que o sol calcina, esquivas, arrancam coleando as emas assustadas...




Da Costa e Silva (Antônio Francisco da Costa e Silva) nasceu na antiga Província do Piauí e faleceu no Rio de janeiro (1885-1950). Bacharel em Direito, exerceu as funções de delegado fiscal do Tesouro Nacional, em São Luiz, Manaus, Porto Alegre e São Paulo.

Sua estréia, em 1908, com o livro "Sangue", foi marcada por um grande sucesso, sendo a primeira obra da última geração simbolista. Seu segundo,  "Zodíaco", demonstrava, entretanto, uma nova tendência para o parnasianismo.
Foi vitimado, como vários de nossos poetas, pela loucura, terminando, assim, tão tristemente, os seus dias. Sofreu, com essa doença, durante os últimos 17 anos de vida.

Seu nome está inscrito na galeria dos melhores poetas do Brasil. Dono de peregrina inspiração, é o autor do impecável soneto "Saudade", que incluímos no capítulo "Os sonetos brasileiros mais populares", deste livro.

Oferecemos, a seguir, o seu soneto "Turris eburnea":

Lembras assim, Formosa, adormecida
presa do Sonho, entregue aos pesadelos,
uma cidade fúlgida, construída
por sobre o rio de ouro dos cabelos.

Julgo-te a excelsa Terra Prometida
dos Desejos, dos Ciúmes e dos Zelos...
Triunfo imortal da Carne junto à Vida
na esplendecência astral dos sete-estrelos.

Polvilhações de Luar dentro das rosas,
na perfeição das formas voluptuosas,
ostentas no teu corpo aveludado...

Rangem ânsias, prazeres e receios
sobre a alvura das torres dos teus seios,
onde badala o sino do Pecado.



E mais este soneto, "Engenho de Madeira", que inspirou a Da Costa e Silva uma das mais primorosas páginas da poesia nacional:

Na remansosa paz da rústica fazenda,
à luz quente do sol e à fria luz do luar,
vive, como a expiar uma culpa tremenda,
o engenho de madeira a gemer e a chorar.

Ringe e range, rouquenha, a rígida moenda;
e, ringindo e rangendo, a cana a triturar,
parece que tem alma, adivinha e desvenda
a ruína, a dor, o mal que vai, talvez, causar...

Movida pelos bois tardos e sonolentos,
geme, como a exprimir em doridos lamentos,
que as desgraças por vir sabe-as todas de cor.

Ai! dos teus tristes ais! Ai! moenda arrependida! —
— Álcool! para esquecer os tormentos da vida
e cavar,  sabe Deus, um tormento maior!


Finalmente, o admirável soneto "O aboio", em que Da 
Costa e Silva põe todo o seu talento de poeta descritivo:

O sol desfaz-se em ouro nas quebradas,
surge a lua de prata além da serra,
nos saudosos sertões da minha terra,
pelo tempo feliz das vaquejadas.

À hora azul do crepúsculo, as boiadas
vêm chegando aos magotes para a ferra,
em correrias, num tropel de guerra,
nuvens de pó formando nas estradas.

Mas uma rês desgarra de repente.
No cavalo fogoso e mais ligeiro
perseguem-na a correr, inutilmente.

Ouve-se o aboio no sertão inteiro...
Volta a rês ao curral, pausadamente,
vencida pelo canto do vaqueiro.




Augusto dos Anjos (Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos) nasceu na antiga Província da Paraíba e faleceu em Minas Gerais (1884-1914). Esse poeta foi, realmente, grande. Dos maiores da nossa língua. Complexo nos pensamentos, mas, sem dúvida, personalíssimo. Não se enquadrou em qualquer movimento coletivo da literatura.

Otto Maria Carpeaux observou que, "no sentido brasileiro do termo, Augusto dos Anjos não é simbolista; mas pode ser assim considerado no sentido mais largo da palavra, conforme o que foi o simbolismo na poesia européia".

Péricles Eugênio da Silva Ramos lembra que Augusto conservou hábitos simbolistas em sua  poesia; e "seus versos, apesar do cunho individual que assumem, com o cientificismo do Poeta, conservam-se freqüentemente de expressão simbolista, e mesmo de ar encantatório nos próprios termos científicos, que perdem muitas vezes toda a univocidade para se tornarem ambíguos e misteriosos”. E acrescenta: “A posição de Augusto dos Anjos não deve, pois, comportar muita dúvida: pode ser encaixado em nosso Simbolismo, como, talvez, o último de nossos decadentes: sua poesia revela-se por vezes repulsiva e profanadora, o que era de sua intenção”.

Andrade Muricy, profundo estudioso do Simbolismo, escreveu em sua obra um interessante capítulo intitulado "Augusto dos Anjos e o Simbolismo", no qual diz que ele "seria o poeta que foi em qualquer época literária. Tal, porém, como se cristalizou, precisamente assim, só o pôde ser porque passou pela atmosfera do simbolismo".

Muricy aborda, com segurança, as influências que o poeta sofreu de Baudelaire, Cesário Verde, Antero de Quental e, principalmente, de Cruz e Sousa. E fala na "legítima sucessão recebida de Cruz e Sousa por Augusto dos Anjos", ressaltando, mesmo, "os encontros de temática e até de expressão verbal entre os dois poetas brasileiros".

 Muricy foi muito feliz na sua observação, ao expender que o movimento simbolista já se rarefazia quando Augusto dos Anjos, pela casa dos 22 anos de idade, em 1906, veio a definir sua personalidade. E o poeta pôde, dessa maneira, "formar-se livre da atmosfera perturbadora, densa e imperiosa do fim do século".

Antonio Tôrres, depois de dizer que esse poeta singular versificava com elegância e brilho, "possuindo uma alma verdadeira de poeta e de idealista", acrescentou, judiciosamente: "No mundo ele via sempre as combinações cósmicas, as alianças elementares, as convulsões sísmicas, as revoluções latentes do Universo, submetidas à fatalidade das leis físicas e biológicas e tendendo para a harmonia e unidade da Vida".

Leodegário A. de Azevedo Filho, após afirmar que Augusto dos Anjos "procurou atingir o infinito através da matéria", escreveu: "A sua concepção de amor é espiritualizada, pouco tendo de erótica. E, através da estilística do horror e da morte, vai o poeta penetrando no mundo da matéria para atingir a transcendência de outro mundo, recorrendo a vocabulário raro e estranho, sempre em tom fúnebre e em ritmos bárbaros, fatores que afinal provocaram verdadeiro impacto no mundo poético de seu tempo".

Orris Soares, velho amigo, biógrafo e prefaciador de Augusto dos Anjos, diz que o poeta não se filiou a nenhuma escola e lamenta que ele não tenha atingido "o marco da existência em que a criatura se apodera dos esplendores e riquezas de todas as suas aptidões mentais".
Orris recorda que Augusto nascera sofredor e que foi essa fatalidade que o elevou tão alto.

Formou-se em Direito, porém não exerceu a advocacia e sim o magistério. Lecionou no Liceu Paraibano (Paraíba) e depois na Escola Normal e no Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro. A conselho médico, mudou-se, com a esposa e os dois filhos, para Leopoldina (Minas Gerais), onde faleceu quando exercia o cargo de Diretor do Grupo Escolar. Estava tuberculoso.
  
O intuito deste livro não é fazer, com detalhes, biografia ou classificação muito explicada ou justificada dos poetas, em matéria de filiação a escolas literárias.

Nossa finalidade não é aprofundarmo-nos em estudos longos, principalmente em se tratando de um poeta como Augusto dos Anjos, cuja obra  monumental tem de ser vista através de prismas variados. Tanto mais que ele, ao lado do chamado cientificismo, apresentou igualmente, páginas grandiosas em que há riqueza de sentimento, páginas impregnadas de incomparável lirismo.

Assim, transcrevemos vários sonetos do poeta de "Eu", título de seu único livro e que vale como uma autopsicologia, título que, segundo Orris Soares, é um monossílabo que fala: "O EU é Augusto, sua  carne, seu sangue, seu sopro de vida".

Falando do próprio coração, Augusto dos Anjos escreveu "Vandalismo”, soneto célebre que está transcrito no capítulo deste livro, "Os sonetos  brasileiros mais populares".

Augusto foi, sobretudo, um poeta egocentrista, amargo, pessimista, doloroso, de que é reflexo bem convincente o soneto "Versos íntimos”, sua produção mais conhecida e que, também, se encontra no capítulo, "Os sonetos brasileiros mais populares". 

Este soneto, "Lamento das coisas", que é uma obra-prima, está bem dentro da propriedade vocabular preferida pelo grande poeta:


Triste, a escutar, pancada por pancada,
a sucessividade dos segundos,
ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos,
o choro da Energia abandonada!

É a dor da Força desaproveitada,
— o cantochão dos dínamos profundos,
que, podendo mover milhões de mundos,
jazem ainda na estática do Nada.

É o soluço da forma ainda imprecisa...
Da transcendência que se não realiza...
Da luz que não chegou a ser lampejo...

É, em suma, o subconsciente ai formidando
da Natureza que parou, chorando,
ao rudimentarismo do Desejo!


"A Árvore da Serra", um soneto muito sentimental, merece ser aqui relembrado:

— As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho.
É preciso cortá-la, pois, meu filho,
para que eu tenha uma velhice calma!

— Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pôs almas nos cedros... no junquilho...
Esta árvore, meu pai, possui minha alma!...

— Disse — e ajoelhou-se, numa rogativa:
"Não mate a árvore, pai, para que eu viva!"
E quando a árvore, olhando a pátria serra,

caiu aos golpes do machado bronco,
o moço triste se abraçou com o tronco
e nunca mais se levantou da terra!


Augusto dos Anjos escreveu três sonetos dedicados a seu pai. Leiam este, o primeiro, cheio de profunda ternura, e que tem a dedicatória "A meu Pai doente":

Para onde fores, Pai, para onde fores,
irei também, trilhando as mesmas ruas.
Tu, para amenizar as dores tuas,
eu, para amenizar as minhas dores!

Que cousa triste! O campo tão sem flores,
e eu tão sem crença e as árvores tão nuas,
e tu, gemendo, e o horror de nossas duas
mágoas crescendo e se fazendo horrores!

Magoaram-te, meu Pai?! Que mão sombria, 
indiferente aos mil tormentos teus,
de assim magoar-te sem pesar havia?!

— Seria a mão de Deus?! Mas Deus enfim
é bom, é justo, e, sendo justo, Deus,
Deus não havia de magoar-te assim!


Finalmente, não podemos deixar de incluir aqui o soneto "Ricordanza della mia gioventù", uma página encantadora que contém um sentimentalismo que Orris Soares classifica de quase ingênuo:

A minha ama de leite Guilhermina
furtava as moedas que o Doutor me dava.
Sinhá-Mocinha, minha Mãe, ralhava...
Via naquilo a minha própria ruína!

Minha ama, então, hipócrita, afetava
suscetibilidades de menina:
— “Não, não fora ela!" E maldizia a sina,
que ela, absolutamente, não furtava.

Vejo, entretanto, agora, em minha cama,
que a mim somente cabe o furto feito...
Tu só furtaste a moeda, o ouro que brilha...

Furtaste a moeda só, mas eu, minha ama,
eu furtei mais, porque furtei o peito
que dava leite para tua filha!




Auta de Sousa (1876-1901), "a poetisa mística do Brasil", nasceu e morreu no Rio Grande do Norte. Simbolista, como seu Henrique Castriciano de Sousa. Alma delicada e mística. Segundo relato de Luís da Câmara Cascudo, amou em silêncio e morreu tuberculosa aos 25 anos de idade, depois de pedir: "Moças, não contem que eu vou morrer!"

Seu excelente livro de versos "Horto", de 1900, foi prefaciado por Olavo Bilac, tendo sido publicada, do mesmo, em 1936, asa edição, prefaciada por Alceu Amoroso Lima.

Auta de Sousa, que não tem a popularidade de fato merecida, é autora deste soneto "Lágrimas":

Eu não sei o que tenho... Essa tristeza
que um sorriso de amor nem mesmo aclara,
parece vir de alguma fonte amara,
ou de um rio de dor na correnteza.

Minha alma triste, na agonia presa,
Não compreende essa ventura clara,
essa  harmonia maviosa e rara
que  ouve cantar além, pela devesa.

Eu não sei o que tenho... Esse martírio,
essa saudade roxa como um lírio,
pranto sem fim que dos meus olhos corre...

Ai! deve ser o trágico tormento,
o estertor prolongado, lento, lento,
do último adeus de um coração que morre.


Apresentamos, agora, este outro belo soneto de Auta de Sousa,  "O beija-flor":

Acostumei-me a vê-lo todo o dia
de manhãzinha, alegre e prazenteiro,
beijando as brancas flores de um canteiro
no meu jardim — a pátria da ambrosia.

Pequeno e lindo, só me parecia
que era da noite o sonho derradeiro...
Vinha trazer às rosas o primeiro
beijo do Sol, nessa manhã tão fria!

Um dia foi-se e não voltou... Mas quando
a suspirar me ponho, contemplando,
sombria e triste, o meu jardim risonho,

digo, a pensar no tempo já passado:
— talvez, ó coração amargurado,
aquele beija-flor fosse o teu sonho!




Azevedo Cruz (João Antônio de), nasceu em Campos e faleceu em Friburgo (1870-1905). Não foi volumosa sua obra poética: foi, porém, o suficiente para consagrá-lo, inclusive como sonetista. Representou muito bem a escola simbolista, tendo liderado o movimento em sua terra natal. Morreu tísico, como tantos outros poetas que marcaram sua efêmera passagem pelo mundo. Formou-se em Direito e militou na política.

Apontamos o seu soneto "Rapto":

Levo-a nos braços, trêmula, enlaçada.
Ao ver-nos dizem muitos passarinhos:
— "Que vais fazer dessa desventurada?"
E dirigem-me apóstrofes dos ninhos.

A brisa, a flor, a loura madrugada
vêm-me cercar à beira dos caminhos;
e ouço dizer a todos pela estrada:
— "Para onde irão aqueles dois, sozinhos?"

Quero ocultá-la ao sol; que ninguém veja
esse tesouro fúlgido, encantado,
que faria ladrão quem quer que seja.

E vão conosco, rápidos, em volta,
As Carícias marchando ao nosso lado
E um batalhão de Beijos por escolta.




Emílio Kemp (1874-1956) nasceu na antiga Província do Rio Grande do Sul, tendo exercido  o jornalismo durante muitos anos no Rio de Janeiro. Romancista, comediógrafo e poeta, participou do movimento simbolista, colaborando na revista "Vera-Cruz". Era considerado um dos melhores poetas do Rio Grande do Sul.

Registramos o seu soneto "Melancolia":

Vão-se os dias passando e cada dia
que chega, traz consigo as mesmas cores
desta perene e atroz melancolia
que me prende num círculo de horrores!

Se desta dor que tanto me crucia,
busco esquecer-me, procurando amores,
neles somente encontro — que ironia! —
novos motivos para novas dores!...

E assim vivendo, eu vou como um precito
que por estradas lúgubres caminha,
rasgando os pés em pontas de granito.

Que importa a mim que a luz do sol se ria,
se é tão profunda esta tristeza minha,
que eu já nem sei se fui alegre um dia!




Archangelus de Guimaraens (Arcanjo Augusto da Costa Guimarães) nasceu em Ouro Preto e morreu em Belo Horizonte (1872-1934). Promotor, juiz municipal e juiz de direito; auditor da Força Pública do Estado. com patente de capitão e, depois, de major. Não publicou livro, mas foi autor de regular produção poética, estampada em jornais e revistas de seu tempo de acadêmico. Era bacharel em  Direito. Poeta de grande popularidade.

Deixou inédito um livro de poesias, "Coroa de Espinhos".

Aqui está o seu soneto "Ribeirão do Carmo":

Levavas as dolentes nostalgias
das choupanas, dos campos, das cidades,
e é por isso que múrmuro seguias
como quem segue cheio de saudades.

Nas tuas águas límpidas e frias
o luar sonhava brancas virgindades...
Eras tão triste assim que parecias
feito do pranto eterno das idades.

Mas não paravam nunca as tuas águas:
talvez para matar as próprias mágoas,
sem te deter corrias sempre além...

E vendo-te passar como um demente,
eu tinha às vezes o desejo ardente
de ir ao teu lado, de seguir também!




Mamede de Oliveira (1887-1913) nasceu em Paraisópolis (MG) e morreu em Belo Horizonte. Bacharel em Direito, professor de línguas e jornalista. A sua produção tinha um grande cunho emocional, de inspiração religiosa, pouco comum entre os simbolistas. Muito moço quando escreveu seus versos, publicou-os, apenas, em jornais, mas deixou matéria para vários volumes, conservados, ainda, inéditos, pelo poeta Benedito Lopes, seu irmão.

Mostramos, a seguir, o seu soneto "Se tu morresses"...

Se tu morresses, Flor, as açucenas
iriam se esfolhar sobre teu peito:
das aves mansas tombariam penas
para forrar-te o derradeiro leito.

E sorririas, de celeste aspeito,
quando o Luar de mágoas e de penas
viesse buscar o teu olhar desfeito,
— clarão de tardes outonais, serenas.

As rosas chorariam pelos Vales,
e as estrelas do rio no remanso,
e os lírios brancos debruçando o cálix.

E a Lua cheia de melancolia,
viria extrema — ungindo o teu descanso,
rezar trindades ao morrer do dia.




Max de Vasconcelos (1891-1919) nasceu no Estado do Rio de Janeiro e faleceu no Rio de Janeiro. Bacharelou-se em Direito, mas preferiu dedicar-se ao jornalismo. Foi um verdadeiro poliglota, versejando em vários idiomas, inclusive no romeno. Inédito em livro, deixou farta produção esparsa em jornais e revistas. Morreu tuberculoso.

É dele este belo soneto "Sino":

Sino — boca do Além falando à vida,
voz do Passado orando no presente;
memória — em bronze de que já foi crente
o humano coração que hoje duvida...

Amo-te o badalar, ao Sol nascente,
nas Catedrais de cúpula atrevida,
e também te amo, na singela Ermida,
dobrando pelo Sol, à hora do Poente...

Amo-te em toda a parte onde teu vulto
aos meus olhos de céptico aparece,
porque me lembras que já tive um culto...

E porque, um dia, de tua Alma forte
se há de erguer para o Azul a única prece
que a Vida rezará por minha morte...




Astério de Campos (Astério Barbosa Gomes de Campos), nascido na Bahia, em 1891, e falecido no Rio de janeiro, em 1968; bacharel em Direito e publicista. Durante dezenas de anos, foi redator da "Gazeta de Notícias", responsável pela crítica teatral Suplemento Literário. Professor catedrático de Português e Literatura no Instituto de Educação do Rio de Janeiro.

Participou do movimento simbolista da "Nova Cruzada".

Publicamos, abaixo, o seu soneto "Morta!":

Sonhei-te morta, no vigor dos anos,
no ameno leito de jasmins e rosas;
teus olhos eram dois mortos tiranos,
no cárcere das órbitas formosas.

Por sobre o cortinado de áureos panos,
o sonho lirial das amorosas;
e tu, na flor de teus primeiros anos,
morta, no leito de jasmins e rosas!

Depois... eu fui beijar-te a face calma,
quando um cortejo lúcido de arcanjos
baixou... levando a tua própria alma...

E ouvi das flores que esmaltavam a porta
da alcova, estrelas-flores, flores-anjos,
todos dizendo que tu estavas morta!




José Maria Leoni (1892-1950), nascido na Bahia e falecido no Rio de Janeiro. Bacharel em Direito, "sempre com o número máximo de aprovações distintas", segundo Muricy.

Simbolista contemporâneo de Pedro Kilkerry e Astério de Campos.

Seu soneto "Ao cair das folhas" alcançou grande repercussão na época:

Não tarda a vir o dia, eu bem o sinto,
em que se há de mudar o meu cabelo...
E ai! que tristeza, que saudade ao vê-lo
todo branquinho e só de neve tinto!

E que frio, meu Deus! Eu bem pressinto
aproximar-se o dia em que hei de tê-lo,
em que se ausentará todo desvelo
e terei aos meus olhos tudo extinto...

Depois, as malas prontas, preparado,
hei de descer ao Cárcere da Cova
para a compensação do meu Pecado...

Do pecado mortal de ver a Luz
e ser, durante toda minha prova,
— Senhor dos Passos carregando a Cruz.




Virgílio Brígido Filho (1895), nasceu na cidade do Rio de Janeiro. Foi redator-fundador de "A Pátria", com Paulo Barreto (João do Rio). Advogado, Professor de História e Geografia, e de Inglês.

De formação literária simbolista, sofrendo influências de Albert Samain, Verlaine e Maeterlinck.

Ofertamos o seu soneto "Primeira Página":

Este é o meu Horto. E aqui, se nessas ledas
manhãs subirdes, almas descuidadas,
piedade! há cruzes novas nas veredas,
há lírios mortos nas encruzilhadas...

Na penosa ascensão destas estradas,
olhai: cinza de extintas labaredas.
É o jazigo das glórias malogradas
erguido à sombra destas alamedas...

É o meu triste Jardim das Oliveiras,
onde as gotas sorvi do mosto incerto
de minhas penas; e onde, horas inteiras,

fico rezando como um velho monge,
vendo meus males cada vez mais perto,
minha Saudade cada vez mais longe...




Moacir de Almeida (1902-1925) nasceu e morreu no Rio de Janeiro. Apesar de sua curta existência, foi um dos maiores poetas brasileiros.

Escreveu apenas um livro, "Gritos bárbaros", publicado postumamente, no mesmo ano de sua morte. Os poemas foram produzidos entre 1916 e 1920, numa época em que, no Brasil, o parnasianismo se misturava com o simbolismo, ambos, ainda, respingados de romantismo. Naquele período, tínhamos, apenas, notícias vagas do futurismo europeu, que veio a ser, depois, o caldo de cultura do modernismo nacional.

Despreocupadamente, porém, Moacir de Almeida transmitia para o papel os poemas condoreiros que a alma em chamas lhe ditava. Não pensava em escolas literárias, que, para ele, não existiam.
Moacir de Almeida era um romântico, era um parnasiano. E, acima de tudo, um simbolista, sem o saber. De sua inspiração nasceram poemas esplendorosos, de imagens extraordinariamente belas e inesquecíveis.

Apresentamos três sonetos característicos de sua poesia:

Domadora do oceano"

Eis a teus pés o oceano... É teu o oceano!
Deusa do mar, teu; vulto aclara os mares,
esguio como um cíato romano,
nervoso como a chama dos altares...

A alma das vagas, no ímpeto vesano,
ajoelha ante os teus olhos estelares...
Eis a teus pés o oceano... É teu o oceano!
Cobre-o do verde sol dos teus olhares!

Sou o oceano... És a aurora! Eis-me de joelhos, 
ainda ferido nos tufões adversos,
lacerado em relâmpagos vermelhos!

Sou teu, divina! E, em meus gritos medonhos,
lanço a teus pés a espuma de meus versos
e as pérolas de fogo de meus sonhos!


"Nômade"

Triste e exausto, arrastei-me por sombrias
terras de angústia, aos astros e às tormentas,
tendo nos olhos as visões violentas
de crucificações e de agonias.

Vales da morte, solidões nevoentas
do tédio, abismos de paixões doentias,
manchei de sangue; e fiz, das pedras frias,
brotar estrelas em caudais sangrentas...

Nômade das paixões desesperadas,
enchi de sonhos todas as estradas...
E o amor que todos têm — visão serena,

que a vida de outros faz florir em chama —
só pude ouvi-lo em bocas de gangrena,
só pude tê-lo em corações de lama...


"Desesperação de cinzas"

No martírio das minhas esperanças,
tive raivas, blasfêmias, desvarios...
E ergui meus braços, hirtos como lanças,
contra os astros sonâmbulos e frios.

Porque jamais os sóis, em noites mansas, 
rasgassem luz nos meus fatais transvios,
abri-me em ódios e desesperanças,
como um vulcão se abre em clarões bravios.

E — cratera de anátemas e assombros —
tudo queimei em brasas de tormentos...
E, hoje, que o amor despenha em lama e escombros,

— contra as constelações, a escurecê-las,
arrojo as cinzas do meu tédio aos ventos
e a fumaça dos sonhos às estrelas... 





Um comentário:

  1. Que ótimo artigo! Gostaria de saber se pode enviar o ebook do "Fretanas" do Carlos Dias para o E-mail: vidadepoeta68@gmail.com

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