O Romantismo


Veio o Romantismo, uma grande renovação do ideal literário artístico.

Obra de filósofos e poetas, não foi tanto a emancipação de velhas convenções literárias.

Representou, no dizer de Clóvis Monteiro, "o próprio renascer da alma germânica", ou seja, "uma reação decidida do espírito germânico contra a influência do espírito francês".

A idéia era a união dos povos europeus, "não pela Razão, como queria a França, mas pelos laços de uma só Igreja (Cristianismo), onde, em perfeita harmonia, se abrigassem todos". Chama-se "segunda Renascença", porque, a exemplo da primeira, cuidou, também, do renascimento de tradições.

A poesia é sonora, suave, celebrando o amor, a paixão, a alma ardorosa da juventude.
Em linhas gerais, foram estas as finalidades da nova Escola, sendo que os românticos, desde o começo, "estabeleceram e adotaram, com o máximo entusiasmo, o princípio de que devia cada povo conservar, nas produções literárias, o caráter genuinamente nacional".

Quanto ao movimento no Brasil, podemos lembrar o seguinte: Almeida Garret, português, mais Domingos José Gonçalves de Magalhães, Francisco de Sales Torres Homem e Azevedo Coutinho, brasileiros, fundaram em Paris, no ano de 1836, a revista "Niterói", "de pregação literária nacionalista e reformista". Nesse mesmo ano. Magalhães publicou seu livro "Suspiros Poéticos e Saudades".

No primeiro número da revista "Niterói", Gonçalves de Magalhães escreveu um artigo que poderia chamar-se um manifesto romântico. Dizia ele no artigo, a que deu o título de "Discurso sobre a história da literatura no Brasil":

— "Com a poesia vieram todos os Deuses do paganismo, espalharam-se pelo Brasil, e dos céus, das florestas e dos rios se apoderaram. A Poesia do Brasil não é uma indígena civilizada, é uma Grega vestida à Francesa e à Portuguesa, e climatizada no Brasil; é uma virgem do Hélicon, que, sentada à sombra das palmeiras da América, toma por um rouxinol o sabiá que gorjeia entre os galhos da laranjeira. Encantada por esse nume sedutor, por esta bela estrangeira, os Poetas brasileiros se deixaram levar pelos seus cânticos e olvidaram as simples imagens que uma natureza virgem com tanta profusão lhes oferecia. Tão grande foi a influência que sobre o Gênio Brasileiro exerceu a Grega mitologia transportada pelos Poetas Portugueses, que muitas vezes Poetas Brasileiros em pastores se metamorfoseiam e vão apascentar seu rebanho nas margens do Tejo e cantar à sombra das faias".

No artigo, o poeta indicava os pontos capitais que deveriam constituir a revolução romântica no Brasil: o abandono da mitologia, da paisagem européia, dos artifícios arcádicos, das regras clássicas, tudo em favor da natureza brasileira e da religião.

A respeito do livro de Gonçalves de Magalhães, escreveu Torres Homem:

— "Esta produção de um novo gênero é destinada a abrir uma era à poesia brasileira. Permita Deus que ela não fique solitária no meio da nossa literatura, como uma suntuosa palmeira no meio dos desertos".

A revista e o livro marcaram a implantação do Romantismo em nosso país. E, posteriormente, com as reformas que provocou no teatro e nos diversos ramos da poesia lírica, Gonçalves de Magalhães  passou a ser considerado o "Chefe da Literatura Nacional".
Magalhães teve seguidores, destacando-se, dentre eles, Manuel de Araujo Porto Alegre (1806-1889), poeta, pintor, arquiteto, crítico e dramaturgo. Viajado e culto. Autor do poema "Colombo", epopéia de 40 cantos e mais de 20.000 versos. Teve o título de Barão de Santo Ângelo.

O movimento viu-se, inicialmente, reforçado pelo "Indianismo" de Antônio Gonçalves Dias, a "primeira grande figura do nosso Romantismo".

 Com o correr dos anos, o movimento ditou sua influência em todos os quadrantes do país, inclusive no seio do próprio governo, durante todo o Império, quando o homem público foi, muitas vezes, literato de prestígio. Inúmeros escritores de renome participaram da política do governo.

O Romantismo correspondeu plenamente à psicologia do povo brasileiro. Não há exagero em repetir-se que todos os nossos mvimentos literários sempre tiveram algo de romântico. É uma de constantes.

O estilo muda de acordo com as escolas, embora. nenhuma tenha dispensado, por completo, a poesia lírica.

Na "História da Literatura Brasileira", Sílvio Romero faz um estudo circunstanciado e por demais longo dos poetas da fase romântica: e, exageradamente, distingue nada menos que 126 poetas divididos em seis fases.

José Veríssimo (1912), na sua também "História da Literatura Brasileira", mostra-se mais comedido, pois estuda, apenas, 45, distribuídos por três fases românticas.

Ronald de Carvalho, na "Pequena História da Literatura Brasileira" (1920), cita 32 poetas discriminados em quatro fases.

Manuel Bandeira, na "Antologia dos Poetas Brasileiros da fase romântica" (1936), obedecendo a um critério mais rigoroso, transcreve inúmeros poemas, todos, porém, circunscritos a 25 autores, apenas os que ele julga os mais importantes, aqueles que possuem, realmente, muita força na vocação poética para o gênero. Aliás, seu juízo não foge muito ao de Ronald de Carvalho.

Péricles Eugênio da Silva Ramos, na "Antologia de Poesia Romântica", divide os românticos em três gerações e transcreve produções de 44 poetas.

Resolvemos adotar, não só para a Escola Romântica, como para a Parnasiana e a Simbolista, as classificações de Péricles, autor de antologias de todos os movimentos literários ocorridos no Brasil, pelo menos até o Simbolismo. Esperamos, assim, ter alcançado uma uniformidade consentânea, fugindo ao risco de conclusões porventura dispersivas.

Dentro dessa concepção, à primeira geração pertenceram, como elementos principais, os seguintes: Gonçalves de Magalhães, Araújo Porto Alegre, Firmino Rodrigues Silva, Joaquim Norberto, Dutra e Melo, Gonçalves Dias, Joaquim Manuel de Macedo. Essa geração tem um ranço clássico ou neoclássico. Francisco Moniz Barreto. José 'Maria Velho da Silva, José Maria do Amaral e Antônio Peregrino Maciel Monteiro, que Péricles inclui na primeira geração, ou à sua margem, nós já os havíamos incluído no capítulo anterior, "Entre o Arcadismo e o Romantismo".

Compuseram a segunda geração, entre os maiores: Francisco Otaviano, Cardoso de Meneses e Sousa (Barão de Paranapiacaba). José Bonifácio de Andrada e Silva (o Moço), Almeida Freitas, Bernardo Guimarães, Álvares de Azevedo, Aureliano Lessa, Laurindo Rabelo, Félix Xavier da Cunha, Junqueira Freire, Pedro de Calasãs. Bruno Seabra, Casimiro de Abreu, Franco de Sá, Juvenal Galeno, Souza Andrade (ou Sousandrade), Teixeira de Melo, Franklin Dória, Bittencourt Sampaio, Luiz Gama, Marques Rodrigues, Trajano Galvão, Gentil Homem, Joaquim Serra, Fagundes Varela, Paulo Eiró, Francisco Quirino dos Santos. Essa geração foi excessivamente sentimental. Houve, em seu rol, homens compenetrados e até "futuros Barões e Conselheiros".

Mas, na maioria, seus poetas "deixaram a imagem de desvairados ou de infelizes, que em geral morreram muito cedo, antes de se revelarem na plenitude de seu gênio".

Dentro da segunda geração do Romantismo apareceu o Ultra-Romantismo, como um exagero das formas românticas, "extremamente sentimental, por vezes até piegas". Enquanto, na França, Lamartine representou essa corrente, e em Portugal apareceu Soares de Passos ("O noivado do sepulcro"), no Brasil Casimiro de Abreu e Álvares de Azevedo foram elementos de grande destaque.

Ainda a respeito da segunda geração de poetas românticos do Brasil, podemos acrescentar que ela se influenciou por Byron, Shelley, Musset, Leopardi, Heine e Espronceda, entre outros adeptos da chamada "corrente satânica". Esses autores estrangeiros passaram a ser figuras máximas da Escola e eram críticos mordazes da Escola Romântica Alemã.

Os poetas jovens brasileiros dessa época eram, pois, guiados pelos neo-românticos europeus que, através de suas obras, espalhavam o que era denominado "o mal do século": esperanças trocadas pela revolta, pelo desespero e pela melancolia. Imperava, em seus corações, o desprezo pela vida.

Desse segundo grupo romântico, quase todos os poetas brasileiros morreram cedo, vitimados na vida real pela fatalidade imaginada dos românticos da velha Europa.

Casimiro de Abreu ("o poeta do amor e da saudade"), Junqueira Freire e, principalmente, Álvares de Azevedo, todos grandes poetas, foram os que mais se embeberam dos eflúvios do "mal do século". Álvares de Azevedo, de afinidades eloqüentes com Byron, escreveu, na "Lira dos Vinte Anos": "A unidade deste livro funda-se numa binomia. Duas almas que moram nas cavernas de um cérebro pouco mais ou menos de poeta, escreveram este livro, verdadeira medalha de duas faces".

A terceira geração' é formada pelo grupo dos “condoreiros", assim chamados pelo arrojo de suas imagens, comparadas ao vôo insinuante do condor.

Castro Alves foi o ponto culminante desse grupo. Segundo Péricles, "houve condoreiros menos expressivos, como Tobias Barreto. Pedro Luís, Vitoriano Palhares, Carlos Ferreira, Rosendo Muniz Barreto, Melo Morais Filho, Narcisa Amália e outros".


*

Já foi lembrado, em capítulo anterior, que o Romantismo, não obstante sua vocação lírica, opunha-se a toda criação clássica.
Transcrevemos, entretanto, nas páginas seguintes, alguns excelentes sonetos brasileiros dessa fase.


Gonçalves de Magalhães (Domingos José Gonçalves de Magalhães), Visconde de Araguaia (1811-1882), foi o fundador do Romantismo no Brasil, como ficou dito atrás. Em seu livro "Suspiros Poéticos e Saudades" (1836), há poemas de alto valor, destacando-se "Napoleão em Waterloo". Conta, ainda, em sua obra, com o poema épico "A Confederação dos Tamoios" (1856).

O Barão de Paranapiacaba, Meneses e Sousa, no prefácio do livro "A Harpa Gemedora", aponta Gonçalves de Magalhães como "o chefe da nossa escola moderna, o Lamartine brasileiro".

Era médico nascido no Rio de janeiro e, quando morreu, exercia, em Roma, a função de Ministro Plenipotenciário junto à Santa Sé.

Não se dedicou ao soneto, pois escreveu, apenas, dois, segundo Alberto de Oliveira.
"A um Sabiá" não é um ótimo soneto, porém vamos apresentá-lo aos leitores, mais como homenagem ao iniciador de um movimento importante como foi o Romantismo em nosso país:
 
Mimoso Sabiá, terno e canoro,
alma dos bosques que o Brasil enfeitam,
como seu mestre as aves te respeitam,
e os homens como o Orfeu do aéreo coro.

Os Amores, e Lília por quem choro,
teu doce canto por tributo aceitam;
eles folgam contigo, e se deleitam,
eu pasmo de te ouvir, e a um Deus adoro.

Tu vives em contínua primavera:
Lília te afaga, Lília ouve teu canto!
A tua feliz sorte, ó, quem ma dera!

Então o meu penar não fora tanto;
pois seu peito abrandado já tivera
com a voz que ao seio da alma leva o encanto.



Gonçalves Dias (Antônio Gonçalves Dias), maranhense (1823-1864), primeiro e genuíno poeta do Brasil, é, ainda hoje, considerado, por muitos, o nosso maior poeta, e assim pensava o próprio Olavo Bilac: "Quem quiser conhecer, numa obra perfeita e harmônica, o maior poeta de nossa terra, leia o "I-Juca Pirama".

"Podemos considerá-lo — lembra Alceu Amoroso Lima — como o verdadeiro fundador da literatura brasileira nacional".

Filho natural de um português, o negociante João Manuel, e de uma mestiça (Vicência, em cujas veias corria sangue índio e negro), Gonçalves Dias, pode-se dizer, é fruto das "três raças tristes".

O pai faleceu em 1837. No ano seguinte, a 'madrasta mandou-o para estudar em Coimbra, em cuja universidade obteve, em 1844. o "primeiro e simples grau de bacharel", uma vez que não completou o quinto ano. Em 1845, voltou ao Maranhão. Seguiu para o Rio de Janeiro em 1846, onde viveu até 1854. Aliás, Gonçalves Dias, quando morava na Corte e ia à província natal, não deixava de visitar a mãe cabocla, "que sempre amparou e de quem nunca se envergonhou", como nos faz recordar Cristino Castelo Branco.

Em São Luís, conheceu Ana Amélia Ferreira Vale, com quem não conseguiu casar-se, diante da resistência e 'da recusa, por duas vezes (em 1846 e 1852), da família de sua amada. Mas, no final do mesmo ano de 1852, desposou Olímpia Coriolano da Costa, no Rio de Janeiro.

Esteve mais duas vezes na Europa, a última das quais em tratamento de saúde (de 1859 até 1864, ano de sua morte, já de volta ao Brasil).

Mesmo sendo um grande erudito, um homem de ciência, um "timo clássico na forma e na linguagem, seu valor como poeta é de uma grandeza maravilhosa. Possuindo a alma de um verdadeiro romântico, cantou esplendidamente os nossos sentimentos e as nossas tradições.

Quanto ao seu indianismo, corresponde ao nacionalismo lírico de José de Alencar. Foi o poeta do índio, como Castro Alves o poeta dos escravos.

Para Alexandre Herculano, os "Primeiros Cantos" (1846) são “inspirações de um grande poeta". Nesse seu livro de estréia figura a "Canção do Exílio", produção das mais populares da poesia nacional, escrita aos vinte anos incompletos (Coimbra, 1843), e cujos versos, disse José Veríssimo, são "de uma simplicidade quase sublime".
Também publicou "Segundos Cantos" (1848) e "Últimos Cantos" (1851).

Fato digno de registro, a propósito da "Canção do Exílio", é a observação feita por um ornitologista, segundo a qual "o sabiá que pousa em palmeiras é o único que não canta: o sabiapoca (sabiá-do-campo ou sabiá-do-sertão)". Os que cantam, mas nunca em palmeiras, são o "sabiá-laranjeira", o "sabiá-piranga", o "sabiaúna". É uma confusão "da verdade estética com a verdade cientifica". Mas a isso replica o poeta Cassiano Ricardo: "Se o sabiá não substitui a sintaxe, a sintaxe lírica, essa faz o sabiá cantar na palmeira, e mui legitimamente. Tanto que o sabiá de Gonçalves Magalhães, cantando em lugar certo — na laranjeira — parou de cantar, ficou mudo ou foi silenciado pelo olvido; e o de Gonçalves Dias gorjeia até hoje. Ninguém o conseguiu emudecer".

Em 1857, numa de suas viagens ao Velho Mundo, publicou, em Leipzig, os 4 Cantos iniciais de "Os Timbiras", que seria, conforme seu desejo, uma espécie de "Ilíada americana". Gonçalves Dias já teria, mesmo, concluído a epopéia, mas os manuscritos cios restantes 12 Cantos (seriam, ao todo, 16) perderam-se, no naufrágio do navio "Ville de Boulogne" (1864), em que o poeta, só ele,  foi vitimado, quase ao chegar à terra natal. Voltava da Europa, onde, em vão, fora buscar saúde, cinco anos antes. O acidente se deu nos baixios de Atins, perto da vila de Guimarães (Maranhão).

Usou a maior variedade de ritmos e de versos, empregou não raras vezes a linguagem arcaica (como nas "Sextilhas de Frei Antão" —  1848), e foi, acima de tudo, um nacionalista lírico. Certa vez escreveu: "O que é brasileiro é brasileiro; se isto desagrada a Portugal, é grande pena, mas não tem remédio".

Não foi apenas um grande poeta, pois também cultivou o teatro, a filologia, a etnografia, a história, o jornalismo e o magistério. Professor de latim e história no Colégio Pedro II.

Em 1849, com Araújo Porto Alegre e Joaquim Manuel de Macedo, fundou a revista "Guanabara", órgão de divulgação do romantismo.

Era pequeno e franzino, medindo, apenas, um metro e cinqüenta. Tinha, porém, ímã para as mulheres.

Guilherme de Almeida dizia que Gonçalves Dias é o "ritmo brasileiro". Camilo Castelo Branco proclamou que "ele morreu coroado imperador da lira americana; sumiu-se tragicamente no mar, como Elias no azul".

Mereceu, como vimos, a admiração exaltada de Bilac, que, aliás, o considerava "mil vezes superior a Castro Alves", e o escolheu para patrono de sua cadeira na Academia Brasileira de Letras. Esse "mil vezes superior a Castro Alves", atribuído a Bilac, recebeu do escritor H. Lopes Rodrigues Ferreira — médico e escritor ilustre, e biógrafo talentosíssimo do poeta baiano, conterrâneo seu — o mais severo e até inconveniente protesto ("Castro Alves", editado pela Pongetti, na década de 40).

Gonçalves Dias não tinha predileção pelo soneto; porém, não pôde fugir ao seu fascínio.
É de sua lavra esta bela produção:

Baixel veloz, que ao úmido elemento
a voz do nauta experto afoito entrega,
demora o curso teu, perto navega
da terra onde me fica o pensamento!

Enquanto vais cortando o salso argento,
desta praia feliz não se desprega —
meus olhos, não, que o amargo pranto os rega —
 minha alma, sim, e o amor que é meu tormento.

Baixel, que vais fugindo despiedado,
sem temor dos contrastes da procela,
volta ao menos, qual vais tão apressado.

Encontre-a eu gentil, mimosa e bela
E o pranto que ora verto, amargurado,
possa eu verter então nos lábios dela!



Francisco Otaviano (Francisco Otaviano de Almeida Rosa", poeta, político, jornalista, advogado e diplomata (1825-1889), negociou, no Prata, como Ministro Plenipotenciário, o Tratado da Tríplice Aliança do Brasil, Uruguai e Argentina contra o ditador uruguaio, Francisco Solano Lopez.

É o autor da popularíssima sextilha:

"Quem passou pela vida em branca nuvem
e em plácido repouso adormeceu;
quem não sentiu o frio da desgraça,
quem passou pela vida e não sofreu;
foi espectro de homem, não foi homem,
só passou pela vida, não viveu".


É também autor do grande soneto" Morrer... Dormir... ", dos mais admirados da língua portuguesa, embora inspirado no “monólogo" de Hamlet, e que está incluído no capítulo deste livro “Os sonetos brasileiros mais populares ".

Foi um temível conquistador dos salões do II Império. Jayme Barros recorda que Otaviano "se dizia possuir calos nas mãos, de tanto segurar as sedas das roupas femininas".
Nasceu e faleceu no Rio de Janeiro.



João Cardoso de Meneses e Sousa, Barão de Paranapiacaba, nascido em Santos e falecido no Rio de Janeiro (1827-1915), sofreu a influência de Byron, como os seus contemporâneos Francisco Otaviano, Bernardo Guimarães, Aureliano Lessa e Álvares de Azevedo. No fim da vida, "namorou" a corrente parnasiana.

O "Soneto Pantagruélico", abaixo transcrito, foi feito, segundo o próprio autor, em resposta a um outro de Bernardo Guimarães. Na Faculdade, em seu tempo, estava em moda o "bestialógico", como este, que Antônio Cândido considera a melhor produção do poeta:

Era no inverno. Os grilos da Turquia,
sarapintados qual um burro frito,
pintavam com estólido palito
a casa do Amaral e Companhia.

Amassando um pedaço de harmonia,
 cantava o "Kyrie " um lânguido cabrito,
e fumando, raivoso, enorme pito,
Pilatos encostou-se à gelosia.

Eis, súbito, no céu troveja um raio;
e o pobre Ali Paxá, fugindo à chuva,
monta, depressa, num cavalo baio.

Passando, aperta a mão de um bago de uva,
e, vendo que já estava em fins de maio,
pávido calça de Petrarca a luva.



José Bonifácio de Andrada e Silva, o Moço (1827-1886), sobrinho-neto do Patriarca. Nascido em Bordéus e falecido em São Paulo; Deputado, Senador, Ministro, Professor da Faculdade de Direito de São Paulo, tribuno de renome e uma das figuras de maior relevo na vida pública brasileira.

Aos leitores, este seu belo soneto "O retrato":

"Incline o rosto um pouco... assim... ainda... 
arqueie o braço, a mão sobre a cintura;
deixe fugir-lhe um riso à boca pura
e a covinha animar da face linda!

Erga a ponta do pé... que graça infinda!
Quero nos olhos ver-lhe a formosura,
feitiço azul de orvalho que fulgura,
froco de luz suave, que não finda!

Há pouca luz... eu vejo-a... está sentada.
Passou-lhe a sombra de um cuidado, agora,
na ruguinha da fronte jambeada...

Enfadou-se?... Meu Deus, ei-la que chora!
Pois caiu-me o pincel! Que mão ousada!
Pintar de noite o levantar da aurora!..."


José Bonifácio, o Moço, foi condiscípulo de Álvares de Azevedo, na Faculdade de Direito de São Paulo. Por fim, mais um soneto de sua autoria, "Aspirações":

Quando eu morrer, ninguém venha chorar-me: 
lancem meu corpo à solidão sem termos.
Eu amo aqueles céus, aqueles ermos,
onde a tristeza Deus vem consolar-me!

Lá, sinto ainda esta alma esvoaçar-me
eterizada, e eu sonho a renascermos;
eu e ela, ambos sós, ambos enfermos,
eu morto já, e ela a despertar-me!

Lá fico aragem, folha, passarinho,
lá me transforma em eco a solidão,
e a natureza inteira abre-me o ninho.

Ó Deus de amor! ó Deus da Criação!
Prende minha alma aos musgos do caminho,
derrete-me no espaço o coração!...



Álvares de Azevedo (Manuel Antônio Álvares de Azevedo), paulista (1831-1852), primou, revelando-se extraordinário poeta, tanto no lirismo ultra-romântico, como no realismo humorístico. Graças à sua inteligência, adquiriu cultura invulgar, tendo-se notabilizado também como prosador.

Segundo observação judiciosa de Ronald de Carvalho, o autor da "Lira dos Vinte Anos" trouxe às nossas letras "o amargor irônico de Byron, a melancolia de Musset, a inquietação de Shelley e Spronceda, e o pessimismo imaginativo de Leopardi".

Foi cognominado "o Byron brasileiro" por Pires de Almeida.

Leodegário A. de Azevedo Filho assim se expressou sobre Álvares de Azevedo: "Parece que tinha pressa em escrever, pressentindo a própria morte, que afinal ocorreu aos 21 anos, fato que responde pelas liberdades métricas de seu verso nervoso e melancolicamente romântico".

Faleceu tuberculoso, quando cursava o quarto ano de Direito na Faculdade de São Paulo. Ao morrer, pronunciou estas palavras: “Que fatalidade, meu pai! "

Não morresse tão jovem, e viria a ser, talvez, um dos maiores gênios da literatura nacional aquele que pediu, como epitáfio, este verso de sua autoria (realmente gravado na lápide do seu túmulo) :
 "Foi poeta, sonhou e amou na vida".

Como lírico, escreveu o belíssimo soneto, cheio de unção, que incluímos no capítulo "Os sonetos brasileiros mais populares" — “Pálida, à luz da lâmpada sombria...”

Transcrevemos aqui "Último Soneto", de Álvares de Azevedo:

Já da morte o palor me cobre o rosto,
nos olhos meus o alento desfalece;
suada agonia o coração fenece,
e devora meu ser mortal desgosto!

Do leito embalde no macio encosto
tento o dono reter!... Já esmorece
o corpo exausto que o repouso esquece...
Eis o estado em que a mágoa me tem posto!

O adeus, o teu adeus, minha saudade,
fazem que, insano, do viver me prive
e tenha os olhos meus na escuridade.

Dá-me a esperança com que o ser mantive!
Volve ao amante os olhos, por piedade,
olhos por quem viveu quem já não vive!


Aureliano Lessa (Aureliano José Lessa), lirista suave (1828-1861), foi condiscípulo de Álvares de Azevedo e Bernardo Guimarães, na Faculdade de Direito de São Paulo. Nasceu em Diamantina. Sua poesia era de desalento e de tristeza. Faleceu de uma "lesão cardíaca consecutiva ao alcoolismo crônico" no Serro (Minas Gerais).

Este soneto seu, de fundo filosófico, é, sem dúvida, muito bonito e melancólico:

Há tormentos sem nome, há desenganos
mais negros do que o horror da sepultura;
dores loucas, e cheias de amargura,
e momentos mais longos do que os anos.

Não são da vida os passageiros danos
que dobram minha fronte; a desventura
eu a desdenho... A minha sorte dura
fadou-me dentro da alma outros tiranos.

As dores da alma, sim; ela somente,
algoz de si, acha um prazer cruento
em torturar-se ao fogo lentamente.

O, isto é que é sofrer! Nenhum tormento
vale um gemido só da alma tremente,
nem séculos as dores de um momento!



Laurindo Rabelo (Laurindo José da Silva Rabelo), o "poeta lagartixa" (1826-1864), sofreu os mesmos desencantos, os mesmos dissabores que sofrera Gregório de Matos, pela mordacidade de sua poesia satírica. Mas, em meio às diabruras, ainda tinha tempo de se dedicar ao lirismo, um lirismo tristonho.

Nasceu e faleceu na antiga Província do Rio de Janeiro. Entrou para o Seminário de São José, onde recebeu ordens menores, mas, perseguido pela inveja de seus próprios companheiros, desistiu da sotaina.

Matriculou-se, então, na Escola Militar e, mais tarde, transferiu-se para a Bahia, fazendo, ali, o curso médico, sem desfrutar, apesar disso, de fortuna ou posição. Mulato, com sangue de cigano, boêmio inveterado, nasceu e viveu sempre na maior pobreza. Infeliz até à morte.

É dele o soneto "Leandro e Hero":

O facho de Helesponto apaga o dia,
sem que aos olhos de Hero o sono traga,
que dentro de sua alma não se apaga
o fogo com que o facho se acendia.

Aflita o seu Leandro ao mar pedia,
que abrandado por ela, a prece afaga,
e traz-lhe o morto amante numa vaga
(talvez vaga de amor, ainda que fria).

Ao vê-lo pasma, e clama num transporte:
"Leandro!... és morto?... Que destino infando
te conduz aos meus braços desta sorte?!!

"Morreste!... mas... (e às ondas se arrojando,
assim termina já sorvendo a morte)
"hei de, mártir de amor, morrer te amando!"



Félix Xavier da Cunha (1833-1865), além de ser poeta, advogado, prosador e jornalista, deu valiosa contribuição ao movimento.

Redigiu "O Acaiaba", com Quintino Bocaiúva. Nasceu e faleceu na antiga Província do Rio Grande do Sul.

Aqui, o seu soneto "Sete de Setembro":

Silêncio!... não turbeis na paz da morte,
os manes que o Brasil quase esquecia!...
É tarde!... eis que espedaça a lousa fria,
de um vulto venerando o braço forte!

Surgiu!... a majestade traz no porte,
o astro da glória a fronte lhe irradia...
Ó grande Andrada, adivinhaste o dia,
vem juntar aos da pátria o teu transporte!

Recua?! não se apressa a vir saudá-la,
cobre a fronte brilhante de heroísmo?
E soluça?... o que tem?... Ei-lo que fala:

—"Ó Pátria, que eu salvei do despotismo!
Só vejo a corrupção que te avassala.
Não te conheço!..." E se afundou no abismo!...



Junqueira Freire (Luiz José Junqueira Freire), nascido e falecido na antiga Província da Bahia (1832-1855), e um dos mais destacados poetas do Romantismo.

Aos 15 anos, amou perdidamente a alguém. Contrariado pela família da eleita, e pela própria família, pensou no suicídio. Mas, acabou entregando-se às orgias. Mais tarde, abraçou a vida monástica, vestindo o hábito dos monges beneditinos, embora sem ter vocação religiosa.

Seu livro "Inspirações do Claustro", ao contrário do que possa sugerir o título, é uma obra em que- demonstra um doloroso cunho de deslealdade à Religião.

Antero de Quental afirmou que esse poeta "possuía verdadeiro génio".

Faleceu em conseqüência de moléstia cardíaca, no mesmo ano em que publicou seu livro.

Não se dedicou muito ao soneto, mas os escreveu. Um deles:

Arda de raiva contra mim a intriga,
morra de dor a inveja insaciável;
destile seu veneno detestável
a vil calúnia, pérfida inimiga.

Una-se tudo em traiçoeira liga,
contra mim só, o mundo miserável;
alimente por mim ódio entranhável
o coração da terra que me abriga.

Sei rir-me da vaidade dos humanos;
sei desprezar um nome não preciso;
sei insultar uns cálculos insanos.

Durmo feliz sobre o suave riso
de uns lábios de mulher, gentis, ufanos;
e o mais que os homens dão, desprezo e piso.



Franklin Dória (Franklin Américo de Menezes Dória), Barão de Loreto (1836-1906), nasceu na antiga Província da Bahia morreu no Rio de Janeiro.

Formado em Direito, presidiu as Províncias do Piauí. Maranhão e Pernambuco. Ministro por três vezes, parlamentar e magistrado. Acompanhou no exílio a Família Real.

Pertence-lhe este soneto "A estátua de Moisés":

Moisés, que, transportado em êxtase, medita
a palavras que ouviu a Jeová demente,
desce o monte Sinai, a face refulgente,
a as tábuas da lei pelo Senhor escrita.

Ao povo de Israel, que deslumbrado o fita,
majestoso ele expõe a Aliança recente
feita por Jeová sobre o Sinai ardente,
e já da lei sem par as grandes regras dita.

Miguel Ângelo assim na fantasia admira
o Chefe hebreu; depois, do mármore lhe tira
as formas colossais o criador cinzel.

E no mármore belo, eis, Moisés redivivo
Ditar parece ainda, imperioso, altivo,
o Decálogo santo ao povo de Israel.



Fagundes Varela (Luiz Nicolau Fagundes Varela), nascido e na antiga Província do Rio de Janeiro (1841-1875), foi um dos mais importantes poetas do Brasil. Em sua poesia de boêmio incontrolável, cultivou não só o lirismo subjetivo ("Cântico do Calvário", que escreveu com o coração sangrando, ao perder Emiliano, de um ano apenas — verdadeira obra-prima produzida aos 20 anos de idade); mas, também, o realismo humorístico , à moda de Álvares de Azevedo; a poesia social; o sertanejanismo; a poesia religiosa ("Anchieta", ou "O Evangelho das Selvas”, poema que é a versificação dos Evangelhos).

Verdadeiro andarilho, não parava em lugar algum. Andou sem destino, aturdido, chegando a vagar pelas matas fluminenses.

Varela sofreu influência de Álvares de Azevedo, de Gonçalves Dias e até de Casimiro de Abreu, mas, por outro lado, influenciou Castro Alves, com quem viajou, em 1865, da Bahia para Pernambuco, a fim de, com ele, estudar na Faculdade de Direito de Recife.

Faleceu de "insulto congestivo", já casado segunda vez, com uma  prima.
Não foi, propriamente, um sonetista, mas é seu este formoso  soneto:
 
Eu passava na vida errante e vago
como o nauta perdido em noite escura,
mas tu te ergueste, peregrina e pura,
como o cisne inspirado em manso lago.

Beijava a onda num soluço, mago
das moles plumas a brilhante alvura;
e a voz ungida de eternal doçura
roçava as nuvens em divino afago.

Vi-te; e nas chamas de fervor profundo
a teus pés afoguei a mocidade,
esquecido de mim, de Deus, do mundo!...

Mas, ai! cedo fugiste!... da soidade,
hoje te imploro desse amor tão fundo
uma idéia, uma queixa, uma saudade!


E é de Varela, também, este soneto, de rimas "petrarquianas" como o primeiro:

Desponta a estrela-d'alva, a noite morre,
pulam no mato alígeros cantores,
e doce a brisa no arraial das flores
lânguidas queixas murmurando corre.

Volúvel tribo a solidão percorre
das borboletas de brilhantes cores;
soluça o arroio; diz a rola amores
nas verdes balças donde o orvalho escorre.

Tudo é luz e esplendor; tudo se esfuma
às carícias da aurora, ao céu risonho,
ao flóreo bafo que o sertão perfuma!

Porém minha alma triste e sem um sonho,
repete, olhando o prado, o rio, a espuma:
— Ó mundo encantador, tu és medonho!



Paulo Eiró (Paulo Emílio de Sales Eiró), paulista (1836-1871), o poeta que enlouqueceu de amor e morreu no Hospício de Alienados de São Paulo, foi o dono de um talento privilegiado, versejando com grande facilidade desde os verdes anos. Aos 17, apossou-se dele uma paixão descontrolada por sua prima Querubina, que era indiferente e surda à voz do poeta.

Apesar de brilhar na Faculdade de Direito de São Paulo, não pôde ter uma vida feliz. De sua turma participaram dois futuros Presidentes da República: Campos Sales e Prudente de Morais: porém, não concluiu o curso.  
Crises de melancolia e de angústia o afligiam sempre. Estava doentiamente apaixonado pela prima, a quem tratava por “Musa”.

Uma noite, ao dirigir-se para casa, andrajoso e sujo, viu um cortejo nupcial a caminho da Sé. Aproximou-se e teve, então, a maior das desilusões: a noiva era a sua "Musa", e o noivo e rival a seu primo José. Assistiu, trespassado de dor, à cerimônia.
O coração despedaçado, cambaleante, partiu para casa, onde escreveu, de um só jacto, este sentido soneto, "Fatalidade":

Que vista! O sangue se afervora e escalda!
Por que impulso fatal fui hoje à igreja?
Quer meu destino que, ao entrar, lá veja
noiva gentil de cândida grinalda.

Nos olhos sem iguais, cor de esmeralda,
lume de estrelas, plácido, lampeja;
seu alvo seio, de ventura, arqueja;
louros cabelos rolam-lhe da espalda.

Hora de perdição! Sim, adorei-a;
não tive horror, não tive sequer medo
de cobiçar uma mulher alheia.

Unem as mãos; o órgão reboa ledo;
em brancas espirais, o incenso ondeia...
Eu só, longe do altar, choro em segredo!


Leiamos, de Paulo Eiró, este soneto "Amei-te":

Amei-te! do poeta a alma incendida
precisava adorar, fosse um momento,
formosa estátua sobre altar de argento
no molde do seu peito derretida.

Estátua foste, sim! nem comovida
tornar-te pôde meu atroz tormento,
chama infeliz que, sem sustento,
devorava pouco a pouco a vida.

Mas o culto fanático abalado
está por teu rigor, por esse zelo
com que, paga de amor, me dás agrado.

Amante posso ser, deixar de sê-lo...
Mulher, o coração é limitado:
no fundo dos vulcões também há gelo...


Finalmente, o soneto de Paulo Eiró, intitulado "Tamerlão". Tamerlão, como se sabe, foi aquele famoso conquistador oriental (1336-1405), que dominou grande parte da Asia e também a Rússia. Morreu quando conquistava a China. Péricles Eugênio da Silva Ramos, ao relembrar esses fatos, acrescenta: "Na Pérsia, levantava torres com os crânios das populações trucidadas".


Cometa pavoroso, que galopa
nos caminhos do céu e o orbe tritura;
granada que rebenta, que fulgura,
de mortos junca a terra e em sangue a ensopa;

furacão despeado, a fera tropa
que Timur arrancou aos campos do Ura,
espraiando, convulsa, ainda murmura:
"Avante! Avante! ao coração da Europa!

Ouves? A forte voz do Cã retumba:
"Ao poente ! Não faltam ao mongol
louros para a cabeça, ou para a tumba!"

E pôs-se a caminhar; tem por farol
o destino: que importa que sucumba?
É no ocidente que se põe o Sol!

____
Versos 8, 10, 14 — "Na verdade, Tamerlão, morreu quando seguia rumo oriente".
(Nota de Péricles Eugênio da Silva Ramos)



Castro Alves (Antônio de Castro Alves), baiano (1847-1871), "semelhante aos deuses pela voz", na frase de Rui Barbosa, foi, sem dúvida alguma, um dos maiores vultos do nosso Romantismo.

Colorido forte, grande vibração de imagens, riqueza de vocabulário, lirismo ardoroso, fome de justiça social, culto à liberdade, foram prendas que nunca faltaram aos versos do infeliz amante de Eugênia Câmara, atriz portuguesa que dominou seu coração de adolescente. Teve outros amores: Idalina, um amor livre, como o de Eugênia Câmara; Leonídia Fraga e Agnese Trinci Murri, amores castos, sem contato material.

 Foi o "poeta dos escravos", sendo dos primeiros e mais veementes abolicionistas do Brasil. 

Assombrosamente talentoso, sua poesia tinha constantes fulgurações de gênio. Expressão máxima do nosso condoreirismo. Sua musa era um "incêndio em marcha", como poderia também dizer dele  Mlichelet.

Palavras de Eugênio Gomes: "Por definição, Castro Alves era romântico, mas, contrariamente a seus predecessores, que se deixavam absorver pelo passado, ou simplesmente por suas nostálgicas sugestões, voltava-se para o futuro com todo o fervor de um coração juvenil".

Manuel Bandeira escreveu: "Castro Alves foi uma criança vedadeiramente sublime, cuja glória se revigorou nos dias de hoje pela intenção social que pôs na sua obra". E mais tarde: "Há uns 3 anos fiz parte de uma comissão julgadora de um concurso de poesia entre os estudantes de Direito. Pois quase todos revelavam a influência do Condor".

Na Faculdade de Direito de São Paulo, fez-se grande amigo do mestre José Bonifácio (o Moço); e foi condiscípulo de Rui Barbosa, Joaquim Nabuco, Rodrigues Alves; Basílio Machado e Afonso Pena.

Recebeu palavras de estímulo de José de Alencar e Machado de Assis.

Em 1868, feriu-se num acidente de caça, em conseqüência do qual teve amputado um pé, sendo operado a frio.

Revelou-se poeta no Ginásio Baiano, de Abílio Cesar Borges. Em 1859, com apenas 12 anos de idade, traduziu muitos poemas de Vitor Hugo. Pena que tenha vivido tão pouco.

Nasceu e morreu na Bahia, tuberculoso.

Lopes Rodrigues (H. Lopes Rodrigues Ferreira) publicou o “Castro Alves", alentada obra de três grossos volumes. Não é, apenas, uma biografia, mas um hino extraordinário, fulgurante, incomparável, dedicado ao grande vate baiano. É um romance formosíssimo e valioso, em que quase diríamos haver uma exagerada admiração, aliás, compreensível, pelo conterrâneo que tanto elevou a poesia brasileira. É mais que um monumento de mármore ou bronze. É uma obra singular e perene, em que o escritor parece ter empregado, para simbolizar o seu ídolo, não a matéria comum aos monumentos, por maiores que sejam, mas algo de sobrenatural, um misto de paixão e beleza, de cultura e amor, de arte e luminosidade, de elevação e misticismo.

Lopes Rodrigues confidenciou, certo dia, ao autor do presente livro, que levara quase trinta anos escrevendo a obra. E só mesmo quem a lê fica sabendo por que o historiador lhe dedicou tanto tempo. Ele nos deu um Castro Alves verdadeiramente gigantesco em sua arte e em suas realizações, sobretudo de poeta social.

Lopes Rodrigues foi um Creso de talento, não sabemos se maior na ciência médica, na literatura, na pintura, ou na música, pois em todas essas modalidades de inteligência e arte revelou seu engenho de eleição.

Ele soube retratar, com raríssima riqueza de detalhes, a vida de Castro Alves, do nascimento à morte prematura, com todas as peripécias e minúcias possíveis e imagináveis; todas as passagens de uma existência tão curta, porém tão cheia de sucessos, de sofrimentos morais e físicos, de beleza divina e de grandiosidades inebriantes.

Classifica-o como o maior poeta do Brasil, o poeta da América; e o situa entre São Francisco e Anchieta: São Francisco deu um sentido poético à pobreza, Anchieta ao selvagem, Castro Alves ao escravo.

E lembra os seus momentos finais de desespero, quando pediu que o levassem para perto da janela, a fim de morrer olhando o infinito azul, e exclamando pateticamente: "Ai! O Quilombo dos Palmares! Seria a minha obra-prima. Dai-me, Senhor, mais dois anos para escrever tudo o que tenho na cabeça!".

O seu forte não foi o soneto, mas, também, aí, ele brilhou intensamente, demonstrando, sempre, um lirismo enternecedor, como em "Dulce" (7ª Sombra), que está incluído no capítulo deste livro, "Os sonetos brasileiros mais populares"; ou como em "Ester" (3ª Sombra), a seguir transcrito:


Vem! no teu peito cálido e brilhante
o nardo oriental melhor transpira!...
Enrola-te na longa cachemira,
como as Judias moles do Levante, 

alva a clâmide aos ventos roçagante...
Túmido o lábio, onde o saltério gira...
Ó musa de Israel! pega da lira,
canta os martírios do teu povo errante!

Mas não... brisa da pátria além revoa,
e ao delamber-lhe o braço de alabastro,
falou-lhe de partir... e parte... e voa...

Qual nas algas marinhas desce um astro,
linda Ester! teu perfil se esvai... se escoa...
Só me resta um perfume... um canto... um rastro...



E seu doce lirismo não é menor em "Manieta"(1ª Sombra)

Como o gênio da noite, que desata
o véu de rendas sobre a espádua nua,
ela solta os cabelos... Bate a lua
nas alvas dobras de um lençol de prata...

O seio virginal que a mão recata,
embalde o prende a mão... cresce, flutua...
Sonha a moça ao relento... Além na rua
preludia um violão na serenata!...

... Furtivos passos morrem no lajedo...
Resvala a escada do balcão, discreta...
Matam lábios os beijos em segredo...

Afoga-me os suspiros, Manieta!
Ó surpresa! Ó palor! Ó pranto! Ó medo!
Ai! Noites de Romeu e Julieta!...



Tobias Barreto (Tobias Barreto de Menezes) nasceu na antiga Província de Sergipe e faleceu em Pernambuco (1839-1889). Endeusado por Sílvio Romero, não se iguala, absolutamente, poeta, ao seu rival Castro Alves, não obstante a infinita superioridade de sua cultura.

Advogado, exerceu o magistério na Faculdade de Direito de Recife.

Foi, no Brasil, um dos precursores da poesia chamada condoreira da qual Castro Alves tornou-se o campeão incontestável.

Como o poeta de "Espumas Flutuantes", teve grande influência sobre a mocidade do seu tempo.
Partidário de outra atriz, Adelaide do Amaral, o poeta Tobias Barreto digladiava em versos com Castro Alves, no Teatro Santa Isabel, de Recife. Amigos de antes, tornaram-se adversários terríveis, porque Castro Alves defendia, com a maior veemência, a amante, atriz Eugênia Câmara.

Poeta de méritos notáveis, Tobias Barreto nos proporcionou o soneto "Dúvidas" (ou "Ignorabimus"):

Quanta ilusão!... O céu mostra-se esquivo
e surdo ao brado do universo inteiro...
De dúvidas cruéis prisioneiro,
tomba por terra o pensamento altivo.

Dizem que o Cristo, o filho de Deus vivo,
a quem chamam também Deus verdadeiro,
veio o mundo remir do cativeiro,
e eu vejo o mundo ainda tão cativo!

Se os reis são sempre reis, se o povo ignavo
não deixou de provar o duro freio
da tirania, e da miséria o travo,

se é sempre o 'mesmo engodo e falso enleio,
e o homem chora e continua escravo,
de que foi que Jesus salvar-nos veio?...


Pedro Luís (Pedro Luís Pereira de Souza), nascido na antiga Província do Rio de Janeiro e falecido na antiga Província de São Paulo (1839-1884), exerceu certa influência sobre Castro Alves. No colégio de Cabo Frio, foi colega de Casimiro de Abreu. Advogou com Teixeira de Freitas e Francisco Otaviano. Foi Ministro de várias pastas e Presidente da Bahia, "onde criado de confiança o traiu, envenenando-o com vidro moído". Recolheu-se, então. a uma fazenda de Bananal (São Paulo), onde faleceu.

Transcrevemos seu soneto "A um pai":

Fitando longe os teus passados dias,
vendo tingidas de mortais palores
trêmulas crenças, entre murchas flores,
em pó desfeitas puras alegrias;

em sonho, em riso, em lágrimas dirias:
— "A noite rola fúnebres vapores...
Mas brilha a estrela d'alva! Aos seus fulgores
é verde o campo, o mar tem harmonias".

Era esse filho que adoravas tanto,
na densa névoa da alma entristecida,
azul estrela, da alvorada o canto!

Cedo trocou-se na estação querida
do orvalho a gota em pérola de pranto,
morreu em flor a flor de tua vida.


Narcisa Amália (Narcisa Amália de Oliveira Campos), nascida na antiga Província do Rio de janeiro e falecida no Estado do mesmo nome (1852-1924), foi professora e excelente poetisa e teve,  por outro lado, a honra de ser a primeira mulher brasileira a militar na imprensa. Em 1872, publicou "Nebulosas". O próprio Imperador ficou impressionado e quis conhecê-la; e em 1874  “declamou para ela estrofes do livro".

Artur de Almeida Torres, em magnífica palestra pronunciada Academia Fluminense de Letras, disse: — "Em 24 de junho de 1924, com a avançada idade de 72 anos, cega e paralítica, Narcisa Amália, qual árvore secular ceifada por mãos impiedosas, cerra para sempre os olhos cansados de chorar, deixando um traço luminoso de sua espinhosa peregrinação pela terra...”

O seu soneto "O Lago":

Calmo, fundo, translúcido, amplo, o lago
longe, trêmulo, trêmulo, morria...
No seu límpido espelho a ramaria,
curva, de um bosque punha sombra e afago.

Terra e céu, ondulando, eram na fria
tela fundidos! O queixume vago
que a água modula, de ambos parecia,
solto, ululante, intérmino, pressago!

—"Trecho vulgar de sítio abstruso e agreste"
talvez; mas todo o encanto que o reveste
sentisses; contemplasses-lhe a beleza;

comigo ouvisses-lhe a mudez, que fala,
e sorverias no frescor que o embala
todo o alento vital da Natureza!


*

Ao dizer que "Castro Alves foi a última grande voz da poesia romântica", Manuel Bandeira acrescentou: "Sobrevivem-lhe Machado de Assis e Luiz Delfino, nascidos antes dele e influenciados posteriormente pelos parnasianos o primeiro, por parnasianos e simbolistas o segundo".

Preferimos incluí-los entre os poetas parnasianos, como se verá adiante.







(Das páginas 549 a 571 de “O Mundo Maravilhoso do Soneto”, de Vasco de Castro Lima)





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